.Por Luís Fernando Praga.

Flavinho era um bom menino.

Gostava de assistir a filmes de guerra, de bang bang e desses novos justiceiros urbanos que são pura adrenalina.

Flavinho assistia muito à televisão e tinha poucas e débeis aulas de História em sua escola.

Ele aprendeu que o mocinho é o militar ou o ex-militar estadunidense, sexy, branquinho, musculoso e muito macho. Logo o Flavinho notou que o mocinho sempre é o mais bem armado, o “mais bom” de briga, o mais bem equipado, o mais rico, o que tem mais deus no coração e, no final das contas, o mais violento.

Flavinho foi instruído de forma a identificar também quem são os vilões: os feios, os índios, os marginais, os pobres, os negros, os russos, os comunistas, os asiáticos, os árabes, os latinos (especialmente os cubanos!) e as bruxas, claro, não se pode esquecer as bruxas!

Flavinho desenvolveu seu senso de justiça baseando-se no senso de justiça “holiudiano”, que é formado assim: o vilão, que é um gênio do crime, frio, calculista, cruel, desumano e desalmado, prejudica a todos e sacaneia o mocinho durante todo o filme; faz suas malvadezas, rouba, engana e às vezes mata a família do mocinho, mas, no final, esse vilão genial dá uma fraquejada, comete um erro estúpido e o mocinho, de repente, para de apanhar, assume a pancadaria e faz justiça. Aí é que o Flavinho achava bom mesmo! O mocinho atira nos testículos do vilão, prende o vilão com os loucos, torce o dedinho do vilão, tortura o vilão, soca a cara do vilão até espirrar sangue na tela, bate a cabeça do vilão na parede repetidas vezes, bate, repetidas vezes, com a porta do carro, ou da geladeira, ou do cofre, na cabeça desfigurada do vilão, corta o braço do vilão com seu sabre samurai e finalmente explode o vilão em pedacinhos pelos ares.

Aí a justiça se faz, todo o mal se dissipa, todos os problemas se resolvem, o diretor escreve “The End” e o filme acaba!

Mas a vida continua e o Flavinho sai diretamente do filme pra vida. Pra nossa vida.

Flavinho cresce com medo de vilão e vontade de fazer “justiça”.

O medo na alma de Flavinho e sua família tradicional brasileira o impulsionam a ir à igreja e se fingir de humilde lá, a fim de convencer a criatura mais superpoderosa e onipresente jamais criada pela imaginação humana, que se posicione ao lado do Flavinho e seus familiares, e não do lado dos vilões.

A família de bem do Flavinho, muito preocupada com sua segurança, o incentiva a fazer musculação, M.M.A. e quando for maior de idade, aulas de tiro.

No colégio, Flavinho já acha que é o Rambo e busca ser o mais popular. Para tanto, oprime os mais fracos, ofende os mais pobres, bate nos mais nerds e fica “azarando” (constrangendo e assediando) as menininhas pelos corredores.

Infelizmente Flavinho não consegue se tornar tão popular como gostaria e se frustra. Flavinho não consegue a reciprocidade da menina diferente por quem se apaixonou e também se frustra por isso.

Mas o jovem não pode aparecer na frente dos colegas como um frustrado rejeitado; então diz que não queria mesmo. Diz que não gosta de mulher que fala gíria, de mulher tatuada, que fala palavrão, que fuma, que bebe, que intercede pelos mais fracos e que faz boas redações; não gosta de mulher que gosta de mulher, não gosta de mulher que anda com gays, não gosta de mulher que recebe salário melhor que o do homem, de mulher que não vai à missa e não gosta de mulher que fala de política. Pra resumir, Flavinho, sem assumir socialmente, é claro, só intimamente, não gosta de mulher. “Aquelas bruxas!”, pensa. Exceção feita à sua santa mamãezinha, que leva o seu “whey protein” de baunilha toda vez que o Flavinho manda.

Apesar de todas as comodidades que a vida lhe oferece, Flavinho aumenta sua idade cronológica como um rapaz angustiado e revoltado, sentindo-se uma vítima de um mundo dominado pelos vilões comunistas.

A vida não está fácil pra ninguém e Flavinho respira e exala pelos poros sua indignação com Cuba, com a Venezuela e com toda a “injustiça” deste nosso país!

_ Como pode, meu Deus?! Homem beijando homem, mulher beijando mulher, vagabundo pedindo no farol, preto querendo a minha vaga na faculdade, índio querendo sombra e água fresca, gente vadia ocupando as terras da gente de bem, gente sem casa invadindo nossas casas?!! Como pode haver pessoas, até inteligentes, defendendo direitos humanos pra bandido e pedindo que o governo dê bolsa bandido, bolsa vagabundo e bolsa preto?!

Pois é, isso o Flavinho não tolera!

O diretor da vida real do Flavinho escolhe o vilão e seus cúmplices; e Flavinho incorpora o mocinho: Quer punições! Quer sofrimento! Quer sangue! Quer vingança! Quer dar um fim a toda essa corja de bandidos malditos!

Flavinho não aprendeu a questionar, só a seguir o script. Ele não se pergunta sobre quem dirige a sua vida, quem escolhe os vilões a quem ele deve odiar e combater, quem o quer fiel a deus e às armas de fogo, quem o quer um ignorante histórico.

Flavinho não questiona o fato de que essa justiça “holiudiana”, na vida real, jamais teve um “The End” feliz e nem final ela tem.

Flavinho é um homem adulto, mas muito apegado à própria ignorância e incapaz de ver que a injustiça social é um filme que se repete incessantemente, que perpetua sua angústia, sua revolta e toda a violência do mundo.

Flavinho não é capaz de enxergar nem de assumir suas imperfeições e, apesar de ser assim, tão raso e violento, Flavinho acha que é o “supra sumo” da sociedade; não é capaz de se ver como um vilão, um cúmplice ou um fantoche.

Flavinho é o mocinho… Flavinho é gente de bem!