Números expõem erros das políticas de segurança no Brasil

.Por Sandro Ari Andrade de Miranda.

A execução da Vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Pedro, no Rio de Janeiro, infelizmente não são fatos isolados. São parte da narrativa de violência de um país que insiste em olhar para o lado errado e aplicar políticas de segurança pública repressivas e excludentes que não ajudam no combate à violência. Ao contrário, são incentivadoras da piora dos indicadores.

De acordo com o Comitê Brasileiro de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, o Brasil é o país que mais mata militantes sociais de forma violenta no mundo, seja pela ação de matadores contratados ou grupos de extermínio formados por policiais. Em 2016 ocorreu 1 morte de militante popular a cada 5 dias. São pessoas que dedicam a sua vida exatamente para combater a desigualdade e a violência. Mas se apenas estes dados servem para envergonhar qualquer nação que formalmente se declara Estado Democrático de Direito, outros indicadores apontam um cenário ainda mais absurdo.

Em lista encabeçada pela mexicana Los Cabos, o Brasil possui 17 das 50 cidades mais violentas do planeta (Relatório Segurança Justiça e Paz e OMS, 2018). Aliás, se somarmos Brasil, México, Estados Unidos e Colômbia, países que investiram na militarização das suas forças policiais e no aumento da repressão, vamos encontrar 40 cidades destas cidades, ou seja, 80%. Na prática, militarizar as polícias aumenta, nunca diminui a violência.

Em números absolutos, de acordo com a Unicef, o Brasil é o país que mais mata meninos entre 15 e 19 anos, foram 11.403 apenas em 2017, quase 3 vezes a quantidade da Índia, país com mais 1,3 bilhão de habitantes (6 vezes mais do que o Brasil) e que contabilizou 3.318 mortes. Em termos percentuais, morrem mais jovens no Brasil do que no Afeganistão. Somos o 7º colocado, atrás de países com guerra civil ou conflito sociais graves, como Síria, Colômbia (novamente), El Salvador, Honduras, Venezuela e Iraque. O perfil é sempre o mesmo, pobre, morador de periferia, negro ou pardo.

O Atlas da Violência do IPEA (2017) reforça esta informação. As maiores vítimas da violência no Brasil são jovens entre 15 e 29 anos. E dos quase 60 mil homicídios em 2016, 78,9% atingiram a população negra. Ou seja, temos um genocídio diário, com claro corte de classe e racista. De acordo com o estudo, jovens negros e do sexo masculino seguem morrendo diariamente no país como se estivéssemos em situação de guerra.

Mas antes de qualquer reação misógina, é preciso destacar que a violência, no Brasil, também é sexista. De acordo com a OMS (2017) o nosso país ocupa o 5º lugar no ranking mundial de países que mais matam mulheres (feminicídio), e as maiores vítimas são, novamente, as mulheres negras.

Só entre 2003 e 2013 o registro de violência de gênero cresceu 54%, o que pode ser justificado pelo aumento no número de delegacias para mulher e na política de combate ao silêncio. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2018), 12 mulheres são mortas e 138 mulheres vítimas de estupro por dia, totalizando 49.497 casos de estupro apenas em 2016. Com estes dados absolutos, o Brasil perde apenas para os EUA (85 mil) e África do Sul (67 mil) em número de mulheres estupradas. O perfil do estuprador, ao contrário da percepção social, é doméstico.

De acordo com o IPEA (2018), mais de 2/3 dos estupros ocorrem dentro de casa e são praticados por pessoas conhecidas (pais, tios, primos, irmãos, padrastos, sobrinhos e amigos), número que cresce de acordo com o grau de vulnerabilidade da vítima, pois apenas em São Paulo, 67,8% dos estupros foram contra menores de 18 anos. E aqui temos uma inversão, pois nas regiões de maior renda, esse número cresce. No Distrito Federal, 87% dos estupros são realizados dentro de casa.

O que dizem estes números? Primeiro, que as ações de repressão à violência são ineficazes, pois os resultados estão muito mais associados às fatores sociais (exclusão) e culturais (machismo), do que ao crime organizado propriamente dito. Se associarmos o homicídio ao tráfico de drogas, vamos notar que a maioria das vítimas foram atacadas ou por grupos de extermínio ou são consumidores. Logo, o correto é enfrentar os fatores que levam as vítimas às drogas (depressão, desemprego, falta de perspectivas) e não as consequências. Que o aumento de efetivos policiais, armamento e norma mais rígidas são grandes “cortinas de fumaça”, pois mantém a tendência de periferização da violência e de exclusão.

Quando se afirma que cada centavo investido em educação é mais efetivo no combate à violência do que milhões no aparelhamento das policiais, estamos diante de uma realidade incontestável. Os nossos centros urbanos são máquinas de matar, pois as pessoas vivem sufocadas em locais sem lazer, sem trabalho, sem saneamento, com sub-habitação, à mercê da violência praticada pelo próprio estado. Cada ajuste fiscal, como o congelamento das verbas para políticas sociais por 20 anos, é mais lenha jogada na fogueira da violência. Também precisamos combater os problemas culturais e parar de justificar a violência.

O que mata no Brasil é o racismo, o machismo, a falta de democracia, participação e a exclusão social. Estes são fatores que não se resolvem com polícia ou com exército.

Sandro Ari Andrade de Miranda é advogado e mestre em Ciências Sociais e mantém o blog Sustentabilidade e Democracia.