O médico veterinário e colunista do Carta Campinas, Luís Fernando Praga, foi um dos autores selecionado para ter o poema publicado na Antologia de Poesia Contemporânea Brasileira – Além da Terra, Além do Céu – Vol. II, lançado pela Chiado Editora.
A coletânea foi lançada no mês passado, em São Paulo, num Teatro Gazeta lotado de poetas. O lançamento contou com a presença do diretor Executivo da Chiado e antólogo responsável pela obra, Gonçalo Martins. Gonçalo, junto de um ator e uma atriz convidados, declamaram alguns poemas da coletânea e entregaram certificados de autoria a todos os autores presentes no teatro.
“O poema que enviei para seleção foi o “Rodopio”. Hoje sei que Mário de Sá-Carneiro, o grande poeta lisboeta, amigo de Fernando Pessoa, já havia escrito o seu Rodopio nos idos de 1914. São poemas homônimos mas o Rodopio dele foi diferente do meu”, ressalta.
Em entrevista, Praguinha (como é conhecido pelos amigos) conta um pouco de sua relação tardia com a literatura, da relação entre literatura e Medicina Veterinária e também de política. Para quem só jamais gostou de escrever até que escreveu, Luis Fernando vai bem. Na sua Coluna Flexível, do Carta Campinas, já são 156 textos publicados. Confira a entrevista:
Carta Campinas: Você sempre gostou de escrever ? Ou isso começou depois que surgiu com o Facebook, depois de “velho”?
Luís Fernando: Não, na verdade eu jamais gostei de escrever até que escrevi. A resposta poderia terminar aqui, mas como um dia peguei gosto pela escrita, cabe uma historinha: não gostava de escrever na infância e adolescência, era um aluno médio em Língua Portuguesa, fraco em gramática e menos ruim em redação. Era desagradável e cansativo escrever e minhas mãos doíam. Na faculdade, para estudar, tirava cópias dos cadernos de quem copiava, gostava de prestar atenção às aulas, mas cometia erros crassos e infantis na escrita. Cheguei a escrever pescoço com “ss” (pescoço, olha que feio) numa prova, já no final do curso. Ficava desconfortável e envergonhado com meus erros, ainda mais sendo filho de professora de Português, mas por que o pescoço não podia ser “pescosso” eu não entendia e evitava escrever pra não errar.
Acontece que veio a vida adulta e passei a sentir maior necessidade de me expressar. Foi a fase dos papeizinhos. Escrevia frases, pequenos pensamentos, algumas metas e guardava na carteira, só pra ver de vez em quando. Senti que me fazia bem remover de mim algo abstrato e poder ler a mim mesmo naquelas anotaçõezinhas. Logo notei que havia ainda um infinito para transferir de mim pro papel e este tipo de escrita me parecia agradável. Começava uma amizade poderosa com as palavras. Notei que, com algum esforço de raciocínio e sem colocar entraves à sensibilidade, era possível selecioná-las e alinhá-las de forma que pudessem reproduzir muito fielmente o que se passava dentro de mim e que isto talvez se passasse também dentro de outros seres humanos. Em respeito às palavras, que tanto me libertaram com sua companhia, e notando que algumas pessoas demonstravam interesse em meus escritos, surgiu, naturalmente, um grande carinho pela língua e a intenção de lhe demonstrar meu respeito e não ser mais tão displicente quanto aos erros básicos.
Continuo errando e procurando errar menos, mas hoje escrevo com muito prazer. Surgiram os corretores automáticos, que ora ajudam, ora atrapalham, e claro, tenho minha mãe, minha corretora oficial, coitada: corrige, explica e puxa a orelha, um trabalho hercúleo.
Carta Campinas: Por que navegar em poesia e prosa? Conte um pouco sobre a necessidade dos dois formatos.
Luís Fernando: Não sei. Acho muito boa a resposta “não sei” e acho que a subestimam, mas a verdade é que não tenho esta resposta; entretanto, cabe outra historinha. Não tenho religião, mas cresci convivendo com uma avó católica e uma mãe espírita; e Deus, os santos e os espíritos povoavam as conversas familiares. Teve uma ocasião em que peguei uma gripe forte, lá pelos 9 ou 10 anos e caí de cama febril e afônico por uns dias. Numa das noites de febre, minha mãe velava meu sono e conta que, de repente, de totalmente afônico eu comecei a declamar, dormindo, o poema “Nel mezzo del camin”, de Olavo Bilac (muito lindo) e ao amanhecer eu já falava normalmente. Se o cético é a pessoa que não acredita em nada, eu não sou cético, porque acredito nas coisas das quais sou convencido, mas ninguém conseguiu me convencer de que o ocorrido fora obra de Deus, de santo, de espírito, do inconsciente ou de alguma consciência coletiva, de autossugestão, vá saber. O fato é que eu dormia e não vi, mas acredito na mãe e gosto de viver sem ter a necessidade de explicar tudo, visto que muita gente já gasta a vida tentando; as explicações que encontram são as mais diversas e nenhuma teve a força necessária para o meu convencimento. Mas foi um acontecimento marcante, tanto que me reporto a ele ainda hoje. Meu primeiro texto maior foi um poema, do tempo dos papeizinhos, que transbordou, aliviou e ficou guardado por muitos anos na carteira. Como não me forço a escrever, espero o sentimento pedir, noto que por vezes ele pede pra sair em prosa, por vezes em verso e eu vou deixando ele mandar. Por quê? Não sei.
Carta Campinas: qual a influência da medicina veterinária nos seus textos?
Luís Fernando: Minha vida influencia meus textos e a medicina veterinária influencia minha vida, então a influência é grande. Na percepção do valor das coisas simples, na percepção do amor que os bichos têm por gente que pouca gente ousa amar, no amor que quem quase não ama consegue entregar a um animal, na percepção da efemeridade da vida e de que ela é só o que temos e que é melhor aprender a gostar do que temos do que viver emburrados, na aceitação da morte como a coisa mais natural do mundo e essencial para que exista a tão amada vida. Além disso, a veterinária é meu ganha-pão, o que me permite escrever tudo o que escrevo sem qualquer interesse econômico, o que, creio, transparece de alguma forma no que sai escrito e me permite acreditar que, se eu posso dar o melhor de mim sem pensar em dinheiro, qualquer um pode e a sociedade um dia poderá.
Carta Campinas: Como você vê a situação política do país?
Carta Campinas: A escrita é um caminho para suportar a realidade?
Luís Fernando: Para mim não há dúvidas, é um caminho que me alivia a existência, talvez por me permitir enxergar melhor meu próprio interior, notar que há vários enfoques para tudo, que nada é assim tão terrível e, a partir daí, continuar caminhando, que é só o que há pra fazer, pelos enfoques mais macios de se pisar, sem deixar de enxergar os espinhos.
Rodopio
Quando a Terra ensaiava o rodopio,
Sonhava em novamente ser estrela,
Foi que o Sol protetor sentiu seu cio,
Trocou o seu calor e veio tê-la.
Do amor de Sol fogoso e terra nua,
Firmou-se ao firmamento tenra cria,
Que o pai negou e a mãe chamou de Lua,
E o Sol criou pra ela a noite fria.
E os três, ao fim de cada madrugada,
Planejavam toda a vida que viria,
E, pra não ser pra sempre rejeitada,
A Lua planejou a poesia.