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‘Jamais gostei de escrever até que escrevi’, conta em entrevista Luís Fernando Praga

Catarina, Luís Fernando Praga e a coletânea

O médico veterinário e colunista do Carta Campinas, Luís Fernando Praga, foi um dos autores selecionado para ter o poema publicado na Antologia de Poesia Contemporânea Brasileira – Além da Terra, Além do Céu – Vol. II, lançado pela Chiado Editora.

A coletânea foi lançada no mês passado, em São Paulo, num Teatro Gazeta lotado de poetas. O lançamento contou com a presença do diretor Executivo da Chiado e antólogo responsável pela obra, Gonçalo Martins. Gonçalo, junto de um ator e uma atriz convidados, declamaram alguns poemas da coletânea e entregaram certificados de autoria a todos os autores presentes no teatro.

“O poema que enviei para seleção foi o “Rodopio”. Hoje sei que Mário de Sá-Carneiro, o grande poeta lisboeta, amigo de Fernando Pessoa, já havia escrito o seu Rodopio nos idos de 1914. São poemas homônimos mas o Rodopio dele foi diferente do meu”, ressalta.

O poema Rodopio,  o do Luís Fernando Praga, foi publicado pela primeira vez, no Carta Campinas e está presente na “Pequena Coletânea de Explicar Poesia” (10/04/2014). “Ele tem uma história antiga e interessante: eu pensei na primeira frase do poema (Quando a Terra ensaiava o rodopio) lá por volta de 1996, quando ainda não escrevia regularmente; era recém-formado em Veterinária e, numa tarde fraca de trabalho, imaginei a frase e a guardei na caixola por uns 15 anos. Só no começo dos anos 2000 foi que a frase encontrou seu complemento”, lembra.

Em entrevista, Praguinha (como é conhecido pelos amigos) conta um pouco de sua relação tardia com a literatura, da relação entre literatura e Medicina Veterinária e também de política. Para quem só jamais gostou de escrever até que escreveu, Luis Fernando vai bem. Na sua Coluna Flexível, do Carta Campinas, já são 156 textos publicados. Confira a entrevista:

Carta Campinas: Você sempre gostou de escrever ? Ou isso começou depois que surgiu com o Facebook, depois de “velho”?
Luís Fernando: Não, na verdade eu jamais gostei de escrever até que escrevi. A resposta poderia terminar aqui, mas como um dia peguei gosto pela escrita, cabe uma historinha: não gostava de escrever na infância e adolescência, era um aluno médio em Língua Portuguesa, fraco em gramática e menos ruim em redação. Era desagradável e cansativo escrever e minhas mãos doíam. Na faculdade, para estudar, tirava cópias dos cadernos de quem copiava, gostava de prestar atenção às aulas, mas cometia erros crassos e infantis na escrita. Cheguei a escrever pescoço com “ss” (pescoço, olha que feio) numa prova, já no final do curso. Ficava desconfortável e envergonhado com meus erros, ainda mais sendo filho de professora de Português, mas por que o pescoço não podia ser “pescosso” eu não entendia e evitava escrever pra não errar.

Acontece que veio a vida adulta e passei a sentir maior necessidade de me expressar. Foi a fase dos papeizinhos. Escrevia frases, pequenos pensamentos, algumas metas e guardava na carteira, só pra ver de vez em quando. Senti que me fazia bem remover de mim algo abstrato e poder ler a mim mesmo naquelas anotaçõezinhas. Logo notei que havia ainda um infinito para transferir de mim pro papel e este tipo de escrita me parecia agradável. Começava uma amizade poderosa com as palavras. Notei que, com algum esforço de raciocínio e sem colocar entraves à sensibilidade, era possível selecioná-las e alinhá-las de forma que pudessem reproduzir muito fielmente o que se passava dentro de mim e que isto talvez se passasse também dentro de outros seres humanos. Em respeito às palavras, que tanto me libertaram com sua companhia, e notando que algumas pessoas demonstravam interesse em meus escritos, surgiu, naturalmente, um grande carinho pela língua e a intenção de lhe demonstrar meu respeito e não ser mais tão displicente quanto aos erros básicos.

Continuo errando e procurando errar menos, mas hoje escrevo com muito prazer. Surgiram os corretores automáticos, que ora ajudam, ora atrapalham, e claro, tenho minha mãe, minha corretora oficial, coitada: corrige, explica e puxa a orelha, um trabalho hercúleo.

Olavo Bilac

Carta Campinas: Por que navegar em poesia e prosa? Conte um pouco sobre a necessidade dos dois formatos.
Luís Fernando: Não sei. Acho muito boa a resposta “não sei” e acho que a subestimam, mas a verdade é que não tenho esta resposta; entretanto, cabe outra historinha. Não tenho religião, mas cresci convivendo com uma avó católica e uma mãe espírita; e Deus, os santos e os espíritos povoavam as conversas familiares. Teve uma ocasião em que peguei uma gripe forte, lá pelos 9 ou 10 anos e caí de cama febril e afônico por uns dias. Numa das noites de febre, minha mãe velava meu sono e conta que, de repente, de totalmente afônico eu comecei a declamar, dormindo, o poema “Nel mezzo del camin”, de Olavo Bilac (muito lindo) e ao amanhecer eu já falava normalmente. Se o cético é a pessoa que não acredita em nada, eu não sou cético, porque acredito nas coisas das quais sou convencido, mas ninguém conseguiu me convencer de que o ocorrido fora obra de Deus, de santo, de espírito, do inconsciente ou de alguma consciência coletiva, de autossugestão, vá saber. O fato é que eu dormia e não vi, mas acredito na mãe e gosto de viver sem ter a necessidade de explicar tudo, visto que muita gente já gasta a vida tentando; as explicações que encontram são as mais diversas e nenhuma teve a força necessária para o meu convencimento. Mas foi um acontecimento marcante, tanto que me reporto a ele ainda hoje. Meu primeiro texto maior foi um poema, do tempo dos papeizinhos, que transbordou, aliviou e ficou guardado por muitos anos na carteira. Como não me forço a escrever, espero o sentimento pedir, noto que por vezes ele pede pra sair em prosa, por vezes em verso e eu vou deixando ele mandar. Por quê? Não sei.

Carta Campinas: qual a influência da medicina veterinária nos seus textos?
Luís Fernando: Minha vida influencia meus textos e a medicina veterinária influencia minha vida, então a influência é grande. Na percepção do valor das coisas simples, na percepção do amor que os bichos têm por gente que pouca gente ousa amar, no amor que quem quase não ama consegue entregar a um animal, na percepção da efemeridade da vida e de que ela é só o que temos e que é melhor aprender a gostar do que temos do que viver emburrados, na aceitação da morte como a coisa mais natural do mundo e essencial para que exista a tão amada vida. Além disso, a veterinária é meu ganha-pão, o que me permite escrever tudo o que escrevo sem qualquer interesse econômico, o que, creio, transparece de alguma forma no que sai escrito e me permite acreditar que, se eu posso dar o melhor de mim sem pensar em dinheiro, qualquer um pode e a sociedade um dia poderá.

Carta Campinas: Como você vê a situação política do país?
Luís Fernando: Foi GOLPE, ué… Foi e está sendo um golpe que contempla aos interesses mais mesquinhos, retrógrados e sombrios possíveis. Não vejo saída sem mobilização popular, sem luta, sem esclarecimento e sem que confrontemos definitivamente o poder e a influência dos grandes articuladores do golpe. Temos que parar de agir em conformidade com os interesses golpistas, parar de trabalhar pra eles, não podemos permitir que suas reformas sejam aprovadas, não podemos nos ater ao discurso dos que ainda não perceberam a realidade e temos de avançar apesar deles; e temos que orar demais para que o País seja abençoado com a delação premiada dos irmãos Marinho, seria o maior desabamento de castelo de cartas da história deste país. Sou um otimista incorrigível, mas, infelizmente, não a curto prazo. Não creio que seja impossível que as coisas melhorem, os pingos voltem para os “is” e a verdade transpareça a todos, ainda no meu tempo de vida, mas… não sei.

Carta Campinas: A escrita é um caminho para suportar a realidade?
Luís Fernando: Para mim não há dúvidas, é um caminho que me alivia a existência, talvez por me permitir enxergar melhor meu próprio interior, notar que há vários enfoques para tudo, que nada é assim tão terrível e, a partir daí, continuar caminhando, que é só o que há pra fazer, pelos enfoques mais macios de se pisar, sem deixar de enxergar os espinhos.

Rodopio
Quando a Terra ensaiava o rodopio,
Sonhava em novamente ser estrela,
Foi que o Sol protetor sentiu seu cio,
Trocou o seu calor e veio tê-la.

Do amor de Sol fogoso e terra nua,
Firmou-se ao firmamento tenra cria,
Que o pai negou e a mãe chamou de Lua,
E o Sol criou pra ela a noite fria.

E os três, ao fim de cada madrugada,
Planejavam toda a vida que viria,
E, pra não ser pra sempre rejeitada,
A Lua planejou a poesia.

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