Por Luís Fernando Praga

Brasília - Manifestantes pró (à direita) e contra (à esquerda) o impeachment ocupam a Esplanada dos Ministérios durante o processo de votação na Câmara dos Deputados ( Juca Varella/Agência Brasil)

Entendi!

As circunstâncias nos trouxeram a este agora e não vejo como fugir de uma escolha dramática. Não da pra fingir que não existe a polarização e não há como impor convencimento a pessoas de nenhum dos lados.

Simples:

Você, que é favorável ao impeachment; você, que considera o Lula, a Dilma e o PT os causadores de uma crise econômica, política e moral sem precedentes; você que sente a necessidade de derrubar este governo e as pessoas que o apoiam e não abre mão desta certeza, por isso, não considera dialogar nem esperar a próxima eleição, vá lá, construa seu país melhor!

Você contará com o apoio de lideranças que prestarão auxílio à sua causa de reconstruir o Brasil. Terá o apoio de Eduardo Cunha, da FIESP, de Michel Temer, de Tiririca, de Marcus Feliciano, de Jair Bolsonaro, de Ronaldo Caiado, José Serra, Geraldo Alckmin, Aécio Neves, de Janaina Paschoal, do Renan Calheiros, da rede globo, do Lobão, do Fábio Jr, do Alexandre Frota, do “Roger do Ultraje”, do Danilo Gentili, Olavo de Carvalho, Kim Kataguiri, daqueles outros 360 deputados que, pela família e por Deus, se colocaram a seu lado na votação do impeachment e de outros que pensam como você. Faça seu Brasil melhor com as peças que lhe cabem.

Por outro lado, é preciso que fique claro: você não terá o apoio das pessoas cuja importância você desconsiderou. Você não terá o apoio das pessoas que acreditaram no voto, pessoas que, como milhões de cidadãos, não enxergam nenhuma melhoria nisto que você chama “de país melhor”. Você não terá o apoio das pessoas que prezam pela democracia. Você não terá o apoio das classes oprimidas que se viram, finalmente, beneficiadas por políticas sociais inclusivas do atual governo. Você não terá o apoio das pessoas que verdadeiramente lutam pela educação, liberdade e igualdade. Você não terá o apoio das “Brigadas Populares contra o Golpe”, da “Frente Brasil sem Medo”, da Pastoral da Terra, do MST, do MTST, da comunidade LGBT, das entidades ligadas aos direitos humanos, da ONU, da opinião pública e imprensa internacionais.

Você não terá o apoio da UNE, da UBES nem das principais universidades do país, mas seus filhos continuarão sendo representados e influenciados por estas entidades.

Este será é o efeito natural desta polarização, fomentada de forma irresponsável.

Agora, você que é contrário ao impeachment, também tem todo o direito de lutar por construir seu Brasil melhor, mas sem o apoio das personalidades e entidades acima citadas e que exigem o impeachment.

Não teremos a ajuda deles, pelo contrário, mas estaremos muito bem acompanhados e poderemos nos unir como jamais fizemos antes e cercar o Senado Federal a fim de impedir a aprovação desta medida antidemocrática! Podemos pressionar e exigir legalidade daqueles que legislam e justiça daqueles que julgam!

Caso, ainda assim, o impeachment ocorra, podemos construir nosso Brasil melhor nos insubordinando a medidas fascistas, ao retrocesso, à redução de direitos adquiridos, mesmo que para isto seja preciso fazer parar o Brasil melhor deles, como tentam fazer com o nosso.

Poderemos nos organizar, claro, de forma clandestina (visto que a lei vigente será a do retrocesso, a mesma que invalidou o voto de 54 milhões, e fará de tudo para nos dispersar e oprimir) e continuar lutando pela democracia e pelos direitos humanos.

Poderemos viver num estado à parte, sem depender da falta de vontade política do Brasil melhor deles.

Poderemos ser solidários e nos ajudar, pois no país melhor deles não haverá nenhuma facilidade para nós! Nossa vida será a dita dura, mas será bela, justa e marcará com dignidade esta página da história!

Eles nos ameaçarão, ameaçarão nossas famílias, como muitos já têm feito hoje. Cercearão nossa comunicação e tentarão impor censura às nossas músicas, nossos costumes, nossa informação e nossas poesias. Alguns de nós poderemos morrer ou ser torturados e presos, porque eles alimentam um temor irracional por nossa vontade de liberdade e justiça e transformam este medo em violência.

Mas não é a eles que devemos temer. Devemos temer uma vida omissa, devemos temer o peso de nossas consciências, devemos temer entregar, de mão beijada, o país que também é nosso e pelo qual já lutamos antes.

A reação da massa oprimida à truculência do sistema será o efeito justo e natural de algo que poderia ter sido evitado, mas eles não quiseram.

Nossa luta não terá fim enquanto o equívoco não for reparado. Toda a sociedade sofrerá com as perdas e com o fim da liberdade.

Aquela polarização começará a ser desfeita quando mães e pais, que hoje fomentam a arbitrariedade, notarem que suas lideranças não estavam interessadas em melhorar o país. Quando notarem que são as tantas vaidades e ganâncias, que inviabilizam qualquer tentativa de governar pelo bem comum. Quando virem seus filhos lutando contra o monstro, criado e alimentado por eles. Quando virem seus filhos e filhas sendo presos, torturados e mortos por terem nobres ideais.

Logo, não se pode precisar quão logo, o lado onde ficaram os maiores ícones da arte e da cultura do país, os principais juristas, os políticos “ficha limpa”, os que deixaram legados sociais, a imprensa livre, os indignados com o golpe e o povo que sempre luta e da a cara pra bater, este lado começará a receber inúmeros dissidentes do outro lado, novamente clamando por um país melhor. Serão bem vindos, pois nenhuma ditadura resiste a um povo unido e ciente da força que tem, mas até lá, repetiremos tristemente um capítulo sangrento da história, que precisou ser repetido porque, infelizmente, nem todos aprenderam a lição.