O deputado federal Jean Wyllys, durante sessão em comissão da Câmara (foto: Fora do Eixo)
O deputado federal Jean Wyllys, durante sessão em comissão da Câmara (foto: Fora do Eixo)

Por Guilherme Boneto

A cusparada que o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) lançou contra Jair Bolsonaro (PSC-RJ) após a exitosa votação do impeachment no plenário da Câmara, repercutiu nas redes sociais hoje. Jean declarou em seu Facebook, na noite de ontem, que Bolsonaro “me insultou, gritando ‘veado’, ‘queima-rosca’, ‘boiola’ e outras ofensas homofóbicas e tentou agarrar meu braço violentamente na saída”. Não faltaram declarações de apoio e de repúdio à atitude do parlamentar, que concluiu sua justificativa. “Ele cospe diariamente na democracia”, falou Jean. “Ele usa a violência física contra seus colegas na Câmara, chamou uma deputada de vagabunda e ameaçou estuprá-la. Ele cospe o tempo todo nos direitos humanos, na liberdade e na dignidade de milhões de pessoas. Eu não saí do armário para o orgulho para ficar quieto ou com medo desse canalha”.

Quem acompanha política sabe que Jean é um deputado de muitas lutas e batalhas, como pode-se perceber pela declaração acima. Por vezes, seu grito é solitário, porém incansável. Ele briga em favor da comunidade LGBT, dos negros, das mulheres, das religiões afro-brasileiras, das pessoas com deficiência, e pela igualdade entre os cidadãos. Não briga com outros grupos, mas apenas contra aqueles que tentam reduzir a dignidade de quem quer que seja. No início do segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff, aventou-se a possibilidade de o deputado assumir a Secretaria de Direitos Humanos, hoje fundida a outro ministério após a reforma do gabinete, mas se o convite por parte do governo realmente existiu, nunca soubemos.

O site do parlamentar lista vários projetos de lei de autoria e coautoria de Jean. O PL 5120/2013, por exemplo, luta pela alteração do Código Civil para enfim regulamentar em lei o casamento civil e a união estável entre pessoas do mesmo sexo, hoje sustentadas por decisão judicial; o PL 5002/2013, também conhecido como “Lei João Nery”, ou “Lei de identidade de gênero”, estabelece normas para a alteração do nome de pessoas cujo gênero de identificação não se identifica com o gênero de nascimento, facilitando a alteração de documentos. Embora seja vasta sua atuação em prol da comunidade LGBT, da qual faz parte – Jean é gay assumido – os projetos do parlamentar vão muito além do assunto. O PL 7700/2014 desburocratiza o processo de naturalização brasileira para estrangeiros, o 315/2015 estabelece no Código Penal o crime de enriquecimento ilícito, e o 602/2015 tipifica o abuso de autoridade como ato de improbidade administrativa, extinguindo o crime de desacato.

A despeito das lutas e das propostas que apresenta buscando a igualdade entre os brasileiros, Jean Wyllys é difamado todos os dias nas redes sociais. Há quem assegure a existência de um projeto seu de “emenda à Bíblia”, que buscaria alterar o livro bimilenar, e outros ainda associam o deputado, de forma criminosa, aos mais diversos delitos. Houve o famoso episódio do pastor evangélico que, munido de intelecto questionável, acreditou numa notícia do impagável portal Sensacionalista, e aproveitou a disponibilidade de uma página pessoal na internet para dizer que Jean pretendia lançar uma proposta “para proibir o casamento evangélico”. Apenas para ilustrar, o Sensacionalista é um site de humor cuja proposta é justamente brincar com notícias falsas como se fossem verdadeiras, e vale frisar, é um dos poucos veículos capazes de arrancar risadas nestes tempos sombrios. O pastor em questão, como era de se esperar, foi processado pelo deputado.

Posso dizer com muita alegria que já tive a oportunidade de conhecer o deputado Jean Wyllys durante o lançamento de seu livro “Tempo Bom, Tempo Ruim”, numa livraria da capital paulista. Como estava de passagem por São Paulo, não poderia perder a oportunidade de agradecer-lhe todas as lutas. Jean é uma pessoa adorável. Brincou comigo, dizendo que minha idade aparentava uns doze anos – não me inveje pela juventude, caro leitor. Dei-lhe um forte abraço e, por fim, agradeci por seu trabalho, que nos enche de orgulho e nos faz ter um mínimo de fé na política.

É óbvio que a cuspida de Jean não foi uma atitude correta. Como um cidadão brasileiro, eu preferiria que ele tivesse respondido a Bolsonaro com um breve discurso lacrador, como é de seu feitio, ou com uma palavra de desprezo qualquer, e não que tivesse descido ao nível do colega, que havia pouco, defendera a “memória” de um dos mais notórios torturadores da ditadura militar. No calor da situação e diante da iminência da derrota da presidenta Dilma Rousseff no processo que a Câmara apreciava, tão injusto e tão inacreditável, e também diante do deboche de Bolsonaro com a democracia e com os direitos daqueles que dele – felizmente – diferem, a atitude de Jean é compreensível, mas justamente para não lhe causar problemas, não deveria ter acontecido. Entretanto, a violência verbal de Bolsonaro, para quem a sofre, é infinitamente pior do que uma cusparada, posso garantir. E viver num país onde o cuspe choca mais do que a lembrança afetuosa à “memória” de um torturador é muito difícil e muito revoltante.

O impeachment passou na Câmara, a dupla Michel Temer-Eduardo Cunha está próxima de assumir o comando do nosso país, os deputados debocham do nosso voto e das nossas lutas, o judiciário se omite em certas frentes. As chances de esse golpe passar no Senado são altas, mas ainda que passem, é um alento saber que Jean Wyllys estará no Parlamento, lutando por cada um de nós, e tendo a coragem necessária para encarar de frente pessoas que fazem tão mal à democracia e ao Brasil. Um país que não pune um deputado que faz apologia à ditadura militar e atenta contra a democracia é um país muito injusto e, certamente, indigno de um deputado da qualidade intelectual e da fibra moral do Professor Jean Wyllys. Mas ele, felizmente, se dispõe a nos servir, bem como companheiros seus, a exemplo de Chico Alencar, Ivan Valente, Luiza Erundina, Jandira Feghali, Glauber Braga, homens e mulheres de luta e coragem suficiente para dizer uma série de verdades diante de Eduardo Cunha, ontem ainda em seu trono, amanhã, esperamos, sob o bastão da justiça.

Que esses homens e mulheres sigam com disposição para nos ajudar a construir um país melhor, especialmente neste momento horroroso, no qual é tão difícil manter a fé na política e no Brasil. E que a população LGBT possa seguir a ser representada por Jean Wyllys, uma pessoa de coragem como somos a maioria de nós neste mundo que nos é tão hostil. Viva Jean!

Em tempo: vale destacar a forma como votou o deputado. Segue abaixo o vídeo e a transcrição:

“Bom, em primeiro lugar eu quero dizer que eu estou constrangido de participar dessa farsa, dessa eleição indireta conduzida por um ladrão, urdida por um traidor, conspirador, e apoiada por torturadores, covardes, analfabetos políticos e vendidos, essa farsa sexista. Em nome dos direitos da população LGBT, do povo negro exterminado nas periferias, dos trabalhadores da cultura, dos sem-teto, dos sem-terra, eu voto NÃO ao golpe. E durmam com essa, canalhas!”