Por Guilherme Boneto

Brasília vermelha: na curiosa "ditadura comunista" de Dilma, membros de seu próprio partido são punidos por corrupção
Brasília vermelha: na curiosa “ditadura comunista” de Dilma, membros de seu próprio partido são punidos por corrupção

Que o discurso de parte da classe média “contra a corrupção” é extremamente hipócrita, nós já sabemos. Desvios de verbas públicas, recebimento de propinas e toda a bandidagem que segue acontecendo com os impostos pagos pelos brasileiros não são exclusividade do PT; basta ser minimamente politizado para saber disso. E a despeito dos erros e omissões do partido, que não foram poucos, o Brasil de hoje é muito melhor do que o era quando o PT assumiu o país, em 2003. Hoje as pessoas não estão mais morrendo de fome. Isso é um avanço que há uma década, poderia parecer inimaginável.

O pensamento geral nos diz que a luta contra a corrupção, porém, deixou muito a desejar, e pode ser que seja verdade. Mas ainda que o PT tivesse favorecido a criação de todos os mecanismos possíveis para investigação e punição desse tipo de crime, ainda assim o discurso hipócrita iria continuar, porque o problema para muitas pessoas, como bem sabemos, é a simples presença do partido à frente do governo federal. A “corrupção”, palavra cujo significado nem sempre é da compreensão de todos os que protestam, tornou-se apenas o pretexto. É preciso admitir, contudo, que mesmo nesse cenário o partido que hoje ocupa o governo agiu de forma consideravelmente favorável.

Acusam a presidenta Dilma Rousseff de liderar uma “ditadura”; os que o dizem exemplificam bem o fato de que não têm a mais remota ideia do significado dessa palavra. Há algumas semanas, um senador do PT foi preso. Ele era, além de um membro do partido, o líder do governo no Senado Federal. Sua detenção causou comoção no governo, mas vejamos que curioso: na “ditadura” de Dilma, membros de seu próprio partido são presos sob acusações graves – e na cadeia permanecem. O mesmo já aconteceu a outros petistas no passado. Hoje, graças à autonomia dada a instituições importantíssimas como o Ministério Público e a Polícia Federal, muitos políticos estão sendo investigados e punidos por supostos malfeitos, e dezenas de outros aguardam os desdobramentos da Operação Lava Jato, que pode atingir homens públicos de terno muito bem cortado.

O Supremo Tribunal Federal também foi aos poucos sendo preenchido por pessoas de reputação reconhecida e conhecimento jurídico notável. Os juristas indicados ao tribunal pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pela presidenta Dilma Rousseff parecem possuir total autonomia em relação ao governo. Não há melhor exemplo que o julgamento do “mensalão“, conduzido há alguns anos pelo ex-ministro Joaquim Barbosa, indicação de Lula, no qual vários políticos ligados ao PT foram condenados num processo polêmico, que passou semanas a despertar paixões. Na semana passada, os ministros que hoje ocupam o tribunal deram ao país um presente de Natal antecipado: detiveram a sanha de Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, de passar por cima das regras para atingir os fins que lhe interessam, e praticamente anularam o processo de impeachment da presidenta Dilma; tudo terá de ser reiniciado. Como eu já disse aqui em várias outras oportunidades, o STF surge como bombeiro ao apagar os incêndios causados pelo poder legislativo, quando não é instado a preencher suas inúmeras omissões.

Reconheço a crise política e a falta de habilidade absoluta de Dilma Rousseff para governar. Também não acho razoável isentar a presidenta de suas responsabilidades quanto à recessão e as consequências que ela ainda nos trará. Mas menos razoável é acreditar que ela seja corrupta, quando não lhe pesa sobre os ombros nenhum tipo de acusação. Não há prova alguma de que Dilma tenha cometido o crime de responsabilidade necessário para lhe retirar do cargo para o qual foi reeleita em 2014, com mais de cinquenta milhões de votos. As pessoas que pedem o impeachment não estão minimamente preocupadas com o Brasil, como gostam de alardear; apenas querem ver sangue, incapazes de aceitar o resultado das urnas de 2014. Parte da oposição presta um grave desserviço ao país. Deveriam torcer para que o processo de impeachment que ajudaram a insuflar acabe dando em nada, do contrário, a história se encarregará de apontar os responsáveis pelas consequências gravíssimas que serão oriundas da retirada de Dilma de seu cargo. O país não merece os momentos de instabilidade que podem decorrer disso.

Curioso é notar que, em todo esse debate acerca da corrupção, nunca houve tanta investigação e punição contra o mau uso do dinheiro público quanto agora – e devemos reconhecer que o governo Dilma, embora seja essencialmente ruim, nada faz para constranger as ações dos órgãos competentes. Trata-se de um alento aos brasileiros que estão de fato preocupados com a corrupção, e talvez seja por isso que estes mesmos brasileiros se posicionam de forma contrária ao impeachment. O resto é apenas um inconformismo despolitizado.

O Papai Noel poderia trazer esta noite um pouco de luz sobre o obscuro cenário político nacional. Mas mesmo que os brasileiros que atribuem a corrupção como exclusiva ao PT possam acreditar no bom velhinho, creio que nem mesmo eles terão fé nessa possibilidade. Nos resta usar o Natal para emitir boas energias: que 2016 seja um ano um pouco menos turbulento e instável do que este cujo fim se avizinha, e que o próximo presidente seja escolhido mais uma vez pelo voto popular só em 2018, respeitando-se os ritos das instituições democráticas.