Categories: Ideias e Prosas

Ah, Nelson, por que me abandonastes?

Por Cida Sepulveda

“Um gênio não move uma palha, não ameaça, nem influi. Ninguém morre por um gênio, ninguém mata por um gênio…Um gênio não convence ninguém, o idiota sim. Ponham um pateta na esquina e deem o caixote ao pateta. Ele trepa no caixote e fala. Imediatamente, outros idiotas vão brotar do asfalto, dos ralos e dos botecos…O idiota é uma “força da natureza”. Ele chove, relampeja, venta e troveja.”  Nelson Rodrigues

 Ah, Nelson, por que me abandonastes?

 Porque o abandonaram? Quem se lembra, se importa? O maior dramaturgo brasileiro!

 Estamos em 2015. Entre numa escola pública e pergunte aos jovens: já ouviu falar do teatrólogo Nelson Rodrigues? Eles vão franzir os cenhos e perguntar: teatro…o quê? Teatrólogo! O que é isso, eles vão perguntar, com desprezo. Pior…os seus professores também franzirão o cenho e disfarçarão a ignorância: Ah, não sei, acho que li, mas faz tanto tempo…

Mas, Nelson, a culpa não é deles. É do sistema. Já ouviu falar no Sistema? Havia isso no seu tempo? Claro, eu estive no seu tempo. Eu era mocinha e você adulto. E, já, naquela época, quando ainda cultivávamos o gosto pela filosofia e pela estética, o Sistema era a desculpa dos idiotas para continuarem no poder.

 O amor pela filosofia e pela estética esfacelou-se. Quem se atreve a pensar? Não é possível sobreviver e pensar ao mesmo tempo. É necessário escolher: ou se pertence a uma tribo (sindicato, clube, panelinha, ideologia de aluguel, etc.), ou se está frito. Criar então, para quê? Hoje tudo é criação! Então, nada é criação. Faz sentido?

 Pensar é perigoso. Dizer o que pensa então! Ofende-se aos idiotas. O Sistema está mais ativo do que nunca e se sofisticou. Agora ele se traveste de discursos libertários (claro, sempre roubados à orelha de um livro de autoajuda, política, social, pessoal; agora tem autoajuda para todo tipo de necessidade) para servir de escudo a legiões dos chamados politicamente corretos que predominam nas esquinas do mundo.

Ah, Nelson, mocinha, aprendi com meu professor de Português que olhar não é apenas mirar, é enxergar a coisa e pensar sobre ela, analisá-la.

 Mas, está muito difícil pensar. Hoje a liberdade é para não pensar, para não se aprofundar, para não se questionar. A liberdade é para nivelar ideias e ações ao chão. Não se pode mais voar.

 A dimensão da idiotia que nos cerceia é inédita. A nós, frágeis e malditos, só resta a solidão poética, cada vez mais estranha à humanidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

Carta Campinas

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