Abre-alas da escola de samba paulistana Mocidade Alegre: muitos liam livros enquanto a agremiação desfilava
Abre-alas da escola de samba paulistana Mocidade Alegre: muitos liam livros enquanto a agremiação desfilava

O brasileiro adora jogar na sua cara que é mais inteligente que você.

Há algumas semanas foi por conta do carnaval. Centenas de pessoas postavam displicentemente nas redes sociais que iriam passar todos os dias de festa em casa, vendo filmes e “lendo livros” – sempre os livros –, enquanto os mundanos estariam fantasiados, em blocos de rua ou nas escolas de samba país afora. “Olhem”, diziam eles nas entrelinhas de seus posts repisados de anos anteriores, “como eu sou muito melhor do que você, porque não me rendo à folia e fico aqui, produzindo toda essa cultura”. Logo eu, que amo carnaval e estava justamente fantasiado, em duas escolas de samba diferentes, me senti ofendidíssimo.

Tão próximo ao carnaval, em janeiro, temos também sempre o famigerado Big Brother, alvo de toda crítica possível. Todo ano é a mesma pataquada. As pessoas acham que quem assiste ao programa é alienado, burro, ignorante. Pregam de maneira xiita que se interrompa a produção do reality, que as pessoas deixem de ser “burras”, que não assistam mais. E questiono: quantos livros os pregadores da sabedoria leram durante o ano passado inteiro? São sempre os livros, pobres deles, o alvo mais manjado das pregações. “Desligue a TV e vá ler um livro!”, bradam, como se eles próprios lessem absurdos, como se devorassem obras de autores consagrados e fizessem reuniões mensais para discutir a traição de Capitu e procurar coincidências entre a obra Vidas Secas e a atual crise hídrica em São Paulo.

Pessoas realmente letradas, ou pelo menos a maioria delas, costumam respeitar gostos alheios porque prezam a pluralidade de opiniões e mesmo de hobbies. Enquanto passa o Big Brother, eu não estou mergulhado em “Grande Sertão: Veredas”, mas provavelmente estarei navegando na internet, ou mesmo assistindo a algum outro programa na televisão, que ainda produz muito conteúdo de qualidade. A vida das pessoas inteligentes não está resumida a uma biblioteca: justamente por serem inteligentes, elas dividem suas atividades nos mais diversos pontos. E que mal há nisso?

É importante ressaltar que a minha crítica não é contra todas as pessoas que constroem uma opinião contrária à exibição de um reality show como o Big Brother, ou mesmo à realização do carnaval. Neste ano, por exemplo, vários municípios cancelaram a festa por conta da falta d´água, privando a população de uma manifestação cultural tão rica, mas evitando um esgotamento prévio de seus respectivos sistemas de abastecimento. Não cabe a mim questionar a decisão dos governantes que optaram por não festejar este ano – afinal, a crise hídrica é gravíssima, favor prestar atenção nela. De igual modo, há pessoas que montam seus pontos de vista a partir da maneira como o Big Brother é exibido, da banalização de conteúdo sexual, da criação de um estereótipo cruel de como deve ser um corpo humano, e são esses pontos que afastam a mim mesmo desse tipo de show na TV. É uma visão construída a partir de raciocínio. No Facebook, porém, a imensa maioria dos que surgem criticando o fazem apenas porque, a seu ver, malhar o Big Brother em público é parecer mais inteligente à vista dos outros, um comportamento que eu considero absolutamente discutível.

Conheço pessoas inteligentíssimas que assistem Big Brother todos os dias como uma maneira de desestressar. Gosto duvidoso? Talvez. Da mesma forma que eu torço o nariz a um clássico de futebol que mobiliza cidades numa tarde de domingo, talvez haja pessoas que não consigam compreender como alguém consegue assistir a um programa desse nível. Mas diante da rotina do século XXI, dos horários rígidos de trabalho e da quantidade infinita de informação que nos trazem os nossos smartphones, vinte e quatro horas por dia, é compreensível que cada ser humano busque uma forma própria de canalizar o stress. Alguns assistem Big Brother. Outros pulam carnaval. E há ainda quem se dedique a criticar, pelo Facebook, o gosto dos outros, julgando-se detentor de maior erudição e inflando, assim, o próprio ego.

Criticar é bom e desejável, porém fazê-lo sem a base necessária para isso é um perigo – corre-se o risco de renegar a opinião alheia e colocar a si próprio num nível falsamente superior. E no fim das contas, acabar sendo o grande bobo da história. (Guilherme Boneto)