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Desejo a floresta sem conhecê-la profundamente. É uma fantasia. Há florestas em mim. Umas latentes. Outras viventes. Menina, morei numa chácara. Tempo morto. A morte vem gradativa. Quem a pensa repentina se equivoca. A menina não existe mais. É fantasia como a floresta o é. Depois da morte, a fantasia: inferno, céu, mistério, nada.  

A chácara, minha floresta particular. Uma esmola do proprietário, conquista do pai: ser caseiro. Orgulho de criança: pai e mãe juntinhos, dois burros de carga a lutar contra a realidade estúpida. Quem deseja vencer não olha para os lados. Às vezes, pensa em se jogar no poço, mas logo se afasta do mal com um sinal da cruz ou uma cusparada no pé.    

Ah, lirismo agressivo, a floresta me chama: vem morar em mim! Ouça-a, densa e soluçante. Ela também morrerá. Depois de mim. Mais tarde, nos encontraremos no oco da história, entre dinossauros e robôs – tudo seco e frio, o sangue vertido até à última palavra proferida.     

O fantasma da floresta atormentado pela urbanidade sórdida me deseja. Eu a ele. São estados d’alma. Do corpo magoado por tantas esperas inúteis. Por tantas cicatrizes mesquinhas. A floresta em estado de estupro. Minha alma em desgraça cotidiana – o Brasil é assim, violento. Mas, a Amazônia ainda brilha na tela da TV, nos olhos dos gringos. Dos violadores da natureza.      

Meu pé de laranja lima, chorei por dias depois de ler o romance. Imaginei o pezinho crescendo na minha terra e dela sendo arrancado. Berrei. A mãe perguntava: o que você tem, manhosa? Eu a olhava de esgueira, esperava um toque de mão, mas seu olhar irado interrompia a fome de amor. Ela me alimentava com sua própria carência.        

E a floresta?    

Cresci. Fui embora para a cidade grande onde a floresta não me escutava mais. Nem eu a ela. Para amenizar a dor da ausência, comecei a frequentar parques. Perscrutei-lhes sons, cores, movimentos, cenários, silêncios e solidão, e uma infinidade de lixo e barulho, tudo que a floresta odeia.     

Na pequena cidade, eu caminhava porque esta era a única forma de sair do lugar. Em Campinas, aprendi a caminhar para salvar a floresta que resta em mim: volúpia de verdes, perfumes, sombras, umidade, perigos, mistérios. O Parque Taquaral me acolheu na atemporalidade divina: por ele caminham ricos, pobres, felizes e infelizes, saudáveis e doentes, toda gente à procura de um pedaço de terra livre para nela reconhecer o próprio pertencimento, a gratuidade do viver.   

A paixão por parques é um dos sentimentos que me compõem a alma. Quando penso na morte definitiva, reflito sobre o meu destino físico, sobre meu corpo e concluo: desejo-o solto na floresta urbana que me livrou do tédio paralisante. Quero ser cremada, as cinzas jogadas num parque.                               

Ao assinar o documento que pede a transformação da Fazenda Rio das Pedras no maior parque de Campinas, fiquei em polvorosa: um parque imenso, um templo para meus devaneios, para o alívio e até cura de doenças físicas e psíquicas…centelha de Deus ofertada aos pecadores. É neste parque que desejo libertadas as cinzas que serei.