paulo gonçalvesPor Cida Sepulveda

Não é fácil encontrar um livro de poesia contemporânea que apresente um conjunto de poemas de qualidade superior, digo, de incontestável valor estético.

Escrever poesia é muito difícil. É preciso romper com padrões estéticos. E isto não significa apenas “fazer diferente”.

“Fazer diferente” é não se preocupar com tendências e valores consagrados, mas deixar-se levar pelo magnetismo de imagens e sons que compõem a lírica.

É não cair no equívoco de artificializar a linguagem para chocar o leitor, acreditando que o choque é inovador.

Inovadores são a simplicidade, o desejo de expressão, a técnica apurada, a dúvida, a autocrítica e a coragem de romper limites de quaisquer naturezas.

Um poeta verdadeiro conhece os mistérios de sua língua ou, se não os conhece, os intui. Escrever um poema é arrancar música das palavras, é transformá-las em vozes da alma.

O livro de Paulo Gonçalves Em Maria da Fé prima pelas condições e características que listo acima. Trata-se de uma obra ímpar, sucessora legítima da poesia de Carlos Drummond de Andrade.

O autor vive em Maria da Fé, pequena cidade mineira, e desconectado do glamour do mundo literário dos grandes centros, produz o que há de mais nobre em poesia contemporânea.

Não exagero, apenas revelo o forte impacto dos seus poemas sobre minha sensibilidade estética.

Nota mil!

E, para ilustrar, leitor, transcrevo abaixo um dos muitos poemas primorosos de Paulo Gonçalves, do livro Em Maria da Fé, J.A. Cursino & Editores, 2014

As Meninas de Maria da Fé

Era 1989.
Eu acabara de me formar em não sei que curso de porquês.
Estava pronto para exercer não sei que dores,
assumir um cargo de comissariado de caos em qual comarca.
Tinha plantado e ia ter colheita farta não sei de qual das
minhas confusões.

Adquirira recentemente o Par de Tênis
que me levava a tudo quanto é beco,
a toda zona, a todo atrás de muro,
a qualquer palco caído.

Findavam os amados 80,
e eu, com olhos despoluidíssimos num rosto de menino besta,
olhava as meninas de Maria da Fé e tinha ainda, por essa
época, a imensa coisa chamada Ilusões.

Era hábito meu olhar pra frente.
E ficava de noite pensando em Míriam, Helena, Cássia,
Cláudia, Fernanda, Íris, Letícia, Camila, Jaqueline, Aline.
Eu escrevia – Deus meu, com que tinta que até hoje ainda
não saíram! – os nomes dessas que me eram mistério
em toda a extensão da minha pele.

Hoje…
Hoje olham pra mim e devem ver certa cor de cabelos…
É o fácil…
Queria é ver Van Gogh.
Van Gogh pintando, no fim, de duas a três obras-primas
da humanidade por dia.

Cida Sepulveda é escritora e colaboradora do Carta Campinas/[email protected]