4c_woolf_1902“Ainda lembrando como outrora em algum maio primevo ela passeara com seu amado, essa bomba enferrujada, essa velha alquebrada com uma mão estendida para algumas moedas, a outra apertando a lateral, ainda estaria lá em dez milhões de anos, lembrando como outrora passeara em maio, por onde agora corre o mar, com quem não importava – era um homem, ah sim, um homem que a amara. Mas a passagem das idades tinha embaçado a claridade daquele antigo dia de maio; as flores de pétalas brilhantes estavam brancas e argênteas de geada; e ela não via mais, quando lhe implorava (como implorou muito claramente) “fita meus olhos com teus doces olhos”, ela não via mais olhos castanhos, suíças negras ou um rosto bronzeado, mas apenas uma figura indistinta, uma figura de sombra, para a qual, com o frescor de pássaro dos anciões, ela ainda chilreava “dá-me tua mão e deixa-me apertá-la de leve” (Peter Walsh não pôde deixar de dar uma moeda à pobre criatura ao entrar no táxi”, “e se alguém vir, o que importa?” perguntou ela; e o punho se apertou na lateral, e sorriu, embolsando seu xelim, e todos os olhos inquisitivos e perscrutadores pareceram se apagar, e as gerações passando – a calçada estava repleta de uma classe média afobada – desapareceram, como folhas, para ser pisadas, embebidas e maceradas, convertidas em húmus por aquela fonte eterna – “.

Mrs. Dalloway, Virginia Woolf