Vida

Por Luís Fernando Praga

Ouço comentários sobre o suicídio do ator Robin Williams e procuro extrair algum ensinamento. Não irei diminuir nem colocar qualquer senão em tudo que ele foi e nos deixou, apenas pelo fato de ter tomado a decisão de trazer a morte para si antes do tempo. Também, como um fã inveterado da vida, não vou valorizá-lo mais por causa disso, claro! Ou vou?

Visando reduzir essa triste casuística, devemos analisar e tentar compreender os suicídios de forma realista e sem a hipócrita pretensão de que sejamos perfeitos.

Talvez Robin Williams tenha sentido que sua contribuição existencial já estivesse de bom tamanho e tenha decidido descansar. Talvez acreditasse que só poderia viver com mais carinho do que recebia. Talvez sua visão tenha ficado turva e limitada, pela depressão ou qualquer outra condição patológica, e ele tenha passado a enxergar apenas as coisas ruins da vida. Talvez ele tenha gerado expectativas diferentes das realidades que a vida trouxe para ele, tenha se frustrado e perdido a vontade de viver. Talvez ele tenha se tornado um escravo da vaidade e a fim chamar a atenção para si, tenha investido nesse último ato extremo. Talvez tenha sentido tanta culpa a ponto de não se considerar mais digno de viver. Talvez não seja nada disso, mas o fato é que ele preferiu morrer e usou seu livre arbítrio uma última vez na vida.

Por motivos diversos, segundo dados da OMS, diariamente, cerca de 3.000 pessoas ao redor do mundo cometem suicídio. Uma pessoa se mata a cada 30 segundos. O equivalente a população de Campinas, pouco mais de 1.000.000 de pessoas se mata por ano e para cada suicídio concretizado, outras vinte tentativas são registradas . Depois de mortos, ganham, como última homenagem da nossa sociedade perfeita, a pecha de fracos, covardes, maus-caracteres, imbecis e ainda vão para o inferno.

Não acho que seja nada disso. Não somos tão importantes a ponto de a vida decidir se vingar de nós ou conspirar contra nossa felicidade e nem tão desimportantes a ponto de não termos o direito de buscar a felicidade e evoluir. O suicida é um ser não mais limitado e passível de equívocos que qualquer humano, mas cometeu um equívoco irreversível contra sua própria vida.

Ninguém deve conhecer alguém melhor do que esse próprio alguém, mas o que todos devemos saber é que outras pessoas podem conhecer particularidades nossas que não conhecemos ou nem sempre podemos enxergar.O que nós podíamos enxergar e que o Robin Williams não via, é que mesmo que ele nunca mais fosse um grande astro, mesmo que ele recomeçasse tudo do zero e se tornasse um medíocre em qualquer outra área, a vida não havia desistido dele. A vida não é como esperamos que ela seja, ela apenas “é”. Podemos interpretar os eventos que a vida nos manda como golpes fulminantes, como injustiças do destino, como terríveis pesadelos ou simplesmente, como vida, surpreendente para todo mundo. Tediosa, a vida só fica quando acreditamos que já conhecemos todas as suas esquinas e curvas, caminhos, desvios e horizontes, quando nos vemos presos a ela. Isso nunca é uma verdade. Por mais que já se tenha um conhecimento absurdo ou vivido muitas experiências, mais incomensurável é o que falta para se conhecer. A vida não é prisão, é liberdade. A morte, eu não sei o que é.

A vida é caminhar, errando e aprendendo. Podemos optar por percorrer este caminho reclamando das subidas, das pedras, dos espinhos, das surpresas e das desilusões e teremos poucos momentos felizes. Podemos optar por ficar parados e seremos infelizes e cruéis com os que caminham. Podemos optar por seguir admirando paisagens inesperadas, aprendendo com os ciclos, com nós mesmos e com nossos semelhantes, procurando alternativas para os momentos de sofrimento, entendendo que eles vêm para todas as pessoas e que há ângulos menos doloridos para se focar o sofrimento, que podem  mostrar o quanto ele é pequeno, efêmero e o quanto há de belo e de vida ao redor dele.

Nós, os indivíduos imperfeitos que compomos a sociedade, devemos nos livrar de preconceitos e tolerar coisas que possamos considerar imperfeições. Devemos desejar que nossos semelhantes vivam plenamente, sem tolhe-los em sua liberdade e nos preocupando com a nossa própria. E devemos, sempre que possível, mostrar as positividades de se viver.

Nossa sociedade não deve se ocupar em cobrar a perfeição de seus membros e nem despejar o peso da culpa sobre suas costas. Nossa sociedade não deve ficar parada julgando suicidas como pecadores infernais. Deve sair do limbo em que se encontra e lutar para que as pessoas extraiam o máximo da vida e que não abram mão de conhecer aquilo que ainda não conhecem. Nada ficará conosco, nem o dinheiro, nem os prêmios, nem os amores, nem os filhos, nem as sensações de prazer, talvez nem mesmo o conhecimento adquirido seja propriedade nossa, nem o sofrimento será eterno. Mas nós ficaremos para os outros e temos o livre arbítrio de escolher de que forma queremos ser lembrados.

Me lembrarei de Robin Williams como um cara que me fez rir muitas vezes. Que me fez acreditar na humanidade outras tantas vezes. Um cara que me fez pensar sobre o suicídio e argumentar em favor da vida. Me fez abrir os olhos e ver como uma sociedade imperfeita, composta por indivíduos imperfeitos, opressora, que alimenta a hipocrisia com valores ilusórios, pode desviar as pessoas de suas reais prioridades e criar a desesperança onde ela não existe, a ponto de que prefiram morrer a continuar vivendo nela. (Luís Fernando Praga)