O brasileiro está trabalhando mais e em condições precárias, resultado da política econômica dos anos 90, marcada principalmente pelo governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Apesar de a jornada de trabalho ter sofrido, a partir de 2003, durante o governo de de Luiz Inácio da Silva (2003-2010) uma significativa redução no país, muitas evidências indicam que os brasileiros estão cada vez mais atrelados ao trabalho e em um trabalho que recebe constantemente uma pressão para a precarização e flexibilização.

trabalhador
Década de 90 foi a década da precarização do trabalho

A constatação faz parte da dissertação de mestrado apresentada no Instituto de Economia (IE) da Unicamp pelo economista Eduardo Martins Ráo e divulgado no site da Universidade (Jornal da Unicamp). De acordo com o pesquisador, há uma tendência em curso no Brasil, fomentada pela classe empresarial, de criar mecanismos para transformar tudo em hora de trabalho, até mesmo os momentos em que o trabalhador está em casa, na companhia da sua família.

O estudo trata do intervalo entre os anos de 1992-1998, 1999-2003 e 2004-2009.  Ráo utilizou os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) que apontam para a ocorrência de três padrões ou fases. A primeira, que vai de 1992 a 1998, é representada pelo alongamento da jornada de trabalho em todos os setores, ramos de atividade e ocupações. “Um dado interessante é que a jornada já era extensa antes mesmo desse movimento. Enquanto em países como Alemanha, Austrália, Bélgica e Canadá a jornada ficava abaixo de 1.800 horas por ano, aqui ela já superava 2.000 horas. Ou seja, nos anos 90 ela não somente anda mais estendida, como também começou se tornar mais flexível. Trata-se, segundo a hipótese que defendo na dissertação, do surgimento de uma nova jornada”, explicou o economista. 

Essa pressão em cima dos trabalhadores vai até o final do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e ocorreu, segundo Ráo, mesmo com a promulgação da Constituição de 1988, que introduziu dispositivos voltados à regulação do tempo de trabalho. “Na prática, porém, essa regulação não ocorreu. Para driblar a legislação, as empresas passaram a utilizar o mecanismo da hora extra, ainda que ela tenha sido onerada. Assim, os anos 90 começaram dentro dessa realidade. Dados do Censo de 1991 revelaram, por exemplo, que naquele ano 40% da população economicamente ativa cumpria horas excepcionais. Em 1980, a título de comparação, esse índice era de somente 28,5%”, afirmou ao JU.

O pior momento teria ocorrido a partir de 1995, quando o país estava com altas taxas de desemprego. Nesse momento, surgem mais pressões para a jornada de trabalho: o just in time, a polivalência, os trabalhos em grupo, as metas de produção atreladas a PLR (Participação nos Lucros e Resultados), o banco de horas, o trabalho a tempo parcial e aos domingos e feriados, a terceirização, a recomposição das escalas e turnos de revezamento, os sistemas de controle de qualidade e outros mecanismos mais sofisticados de controle do ritmo de trabalho.

A segunda fase da precarização do trabalho vai de 1999 até 2003. A jornada de trabalho se manteve estagnada, mas num patamar elevado, com 39,6% da população economicamente ativa cumprindo horas excepcionais. Já terceira fase, entre 2004 e 2009, durante o governo Lula (PT) é marcada pela redução da jornada de trabalho, mostram os dados coletados. O patamar das horas extras cumpridas pelos trabalhadores ao longo do período caiu de 38% para 31,8%.

“A jornada de trabalho tornou-se cada vez mais padronizada, permanecendo assim dentro das normas constitucionais [44 horas semanais]. Vale destacar que isso ocorreu de maneira generalizada. Ou seja, alcançou todos os setores, posições e ocupações. Mas a pressão dos empresários sobre os trabalhadores não diminuiu. Eles pressionaram por mecanismos como metas, tarefas em casas e outros. Ainda insatisfeitos, os empresários trabalham agora para que essas medidas sejam legalmente efetivadas, envolvendo as novas formas de controlar o tempo do trabalhador. Para os empregadores, a ideia é transformar tudo em tempo de trabalho, mesmo os instantes em que o empregado está em casa, com a família”, disse o economista

 No Brasil, o indivíduo tem que trabalhar até os 65 anos de idade ou contribuir por 35 anos para poder se aposentar. “Num mercado de trabalho marcado pela alta rotatividade, isso é inviável. Isso precisa ser repensado. É necessário atrelar a questão da jornada e do tempo de trabalho à qualidade de vida. Essa discussão tem de ser colocada, sobretudo porque inúmeras pesquisas vêm demonstrando o crescimento das chamadas doenças ocupacionais. Ou seja, as condições e o ritmo do trabalho têm influenciado cada vez mais na saúde do trabalhador”, alerta. 

O resultado desses anos de política contra direitos trabalhista é o assédio moral, epidêmico hoje nas empresas. Esta semana mesmo um gerente de uma distribuidora de medicamentos disse à vendedora que desejava passar o final de semana com a família: “o que é mais importante para você? Seu trabalho ou sua família?”. A imbecilidade humana não tem limites. (Carta Campinas com informações de divulgação)