A final. Afinal, há final?

É a grande final. A rivalidade de décadas exala das feições e xingamentos dos torcedores. O Operário defende seu título contra o arqui rival, Capital.

futebolDentro de campo, o enfrentamento promete ser ferrenho. Zé Lopes, técnico do Operário e ex-pupilo de Orlando Garrucha, treinador do Capital, quer provar que a vitória do ano passado não foi um golpe de sorte. Garrucha, por sua vez, não esconde sua antipatia por Lopes e faz questão de diminuir as conquistas do adversário.

Wilber, o centro avante do Capital, traz no rosto a cicatriz que marca seu último encontro com a chuteira de Pedrão, zagueiro do Operário, responsável pela contusão que o afastara dos  campos por 3 meses.

Adnelson, o jovem meia atacante criado nas categorias de base do Operário e apontado como a nova promessa do futebol brasileiro, afirma que a vitória é questão de honra e questão pessoal, já que a semana toda vem engolindo calado as provocações de Paçoca, volante do Capital.

O juiz, Lícito da Silva, promete rigor e imparcialidade na condução da partida, como é comum os juízes prometerem.

Os presidentes das duas equipes, Rui Leonino e Augusto Mendaz também trocam acusações e questionam publicamente a integridade um do outro.

Discretamente postados num camarote vip, o presidente da federação, alguns empresários da bola e alguns políticos aguardam o começo do jogo, observando as duas torcidas inflamadas que já ocupam todos os espaços do estádio. Os vips fumam charutos, tomam uísque, comem muito e não conseguem disfarçar um sorriso estranho quando olham para o povo irado nas gerais.

É dado o pontapé inicial, seguido por vários outros pontapés, empurrões, cotoveladas, cusparadas e xingamentos que, é claro, Lícito da Silva, não vê.

Com 10 minutos, Pedrão e Wilber dão seu primeiro encontrão, e o árbitro, muito imparcial, expulsa ambos.

O campo fica maior com dois a menos e Adnelson começa a brilhar. Paçoca tenta apagar o brilho do Adnelson de forma faltosa, mas não na interpretação do juiz, que dá amarelo pro Adnelson por simulação.

Zé Lopes ofende o juiz, questionando sua integridade e a de sua mãe, dona Elza. Garrucha grita pro Lopes calar a boca e parar de pressionar o árbitro.

Adnelson foge da marcação do Paçoca, cai pela esquerda, se livra do Pirulito, ala direita do Capital, com uma bela meia lua. Pirulito ainda acerta Adnelson por trás, no último recurso de um carrinho atabalhoado. Adnelson corre catando cavaco, se reequilibra, entra na grande área e toca no contrapé do goleiro Xandão. Ela morre no barbante e Adnelson corre alucinado pra comemorar com Zé Lopes e o banco do Operário. A torcida enlouquece. O juiz não aponta o meio do campo. Fica ali, parado a dois passos da grande área apontando o chão. Marca a falta de Pirulito em Adnelson sem dar a lei da vantagem, questão de interpretação da regra e não há ninguém mais capacitado pra isso que o juiz. Adnelson discorda da decisão de Lícito e reage com palavras que muito maculam a ilibada conduta da dona Elza. O Juiz ergue o cartão vermelho. Zé Lopes perde a razão, invade o gramado e peita a inquestionável autoridade arbitral. Também recebe o vermelho. Garrucha tripudia do rival e de passagem da um tabefe carinhoso na cara de Lopes, que tenta revidar mas é contido, também carinhosamente, pela polícia.

Os vips continuam provando tudo de bom e sorrindo, mas quase não olham pro gramado. Programado, parece, mas não há provas.

Termina o primeiro tempo. No intervalo, alguns torcedores cantam, outros se ofendem, outros se batem, outros se matam, outros vão aos toilettes… tão limpos como a reputação da dona Elza. Depois compram pipoca, ou amendoim, ou espetinho, dependendo do poder aquisitivo. E cerveja.

Enquanto isso, sem serem notados pelas pessoas comuns, Leonino e Mendaz adentram discretamente ao camarote vip. Se cumprimentam com um abraço cúmplice e passam a sorrir como os outros lá de dentro.

Começa o segundo tempo. O Capital, agora com um a mais, passa a jogar no ataque. Paçoca trata de frustrar as raras tentativas ofensivas do Operário, com sua peculiar truculência que o juiz não vê.

O zero a zero se arrasta, como o time do Operário. Na arquibancada o clima é tenso. No camarote vip, o clima é de gargalhada. Num quarto de motel, Wilber e Pedrão param o que estão fazendo para assistir, sorrindo, ao final do jogo. No vestiário, Adnelson ainda chora de raiva. Zé Lopes, agora nas gerais, transmite, ou no grito, ou pelo celular ou gritando pelo celular, orientações ao Soneca, assistente técnico.

O clássico caminha para a decisão por pênaltis. Quarenta do segundo. Lucianinho domina a bola no meio campo, parte pela intermediária e chuta despretensioso, contra o gol do operário. A bola vai ainda mais despretensiosa rumo às mãos de Guenzo, mas o goleiro aceita o frango de forma bizarra e põe a culpa no morrinho.

No camarote vip, alternam piadas, gargalhadas e olhadelas ao gramado.

Lícito da Silva põe fim ao espetáculo, ainda ouvindo barbaridades sobre a dona Elza. Saber separar a mãe familiar da mãe profissional, para um juiz, não tem preço. O resto tem.

Lucianinho, Xandão e Pirulito se abraçam e comemoram o título. Paçoca se ajoelha no tapete verde agradece a Deus. Guenzo passa e da um tapinha nas costas do Paçoca. Manter um bom relacionamento profissional com os adversários, para um goleiro, não tem preço.

Leonino e Mendaz apertam as mãos e brincam, rindo, que o ano que vem será do Operário.

Uma metade feliz e outra indignada. E assim segue a política…e não se sabe de nada.


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