Bancada ruralista transformou o Brasil no lixão químico mundial do agrotóxico

(foto zeca ribeiro – câmara dos deputados)

Do BdF – Movimentos sociais, especialistas e representantes do governo e do Ministério Público se reuniram na Câmara dos Deputados para um ato político, na quarta-feira (3), em referência ao Dia Mundial de Luta Contra os Agrotóxicos. A sessão foi convocada pela Frente Ambientalista e coordenada pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.

“Estar aqui na Câmara tem também toda essa simbologia de qual é o papel desse espaço, que precisa ser ocupado por nós, que precisamos estar aqui permanentemente propondo, construindo e avançando nas políticas públicas que defendem a bandeira da agroecologia, que defendem a redução de agrotóxico”, declarou Jakeline Pivato, coordenadora da campanha.

“Esse dia ele tem uma simbologia muito forte porque ele articula o conjunto do movimento contra os agrotóxicos no âmbito internacional, trazendo as mais diversas problemáticas enfrentadas nas mais diversas realidades que nós temos nos territórios, desde o contexto da arma química, que tem sido cada vez mais presente nas comunidades e povos tradicionais, indígenas, com esse cenário dos drones, da pulverização aérea, essa presença de contaminação permanente, como também a dificuldade de avanço do nosso movimento agroecológico, da produção agroecológica, da produção orgânica”, pontuou Pivato.

A data de 3 de dezembro recorda o desastre de Bhopal, na Índia, onde um vazamento de gás em uma fábrica de agrotóxicos tirou mais de 6 mil vidas de imediato e seguiu matando pessoas nos dias seguintes. Segundo Pedro Serafim, coordenador do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos do Ministério Público do Trabalho (MPT), essa catástrofe “ainda está acontecendo de forma pior em vários lugares, inclusive no Brasil”.

“Cada dia acontece uma Bopal aqui [no Brasil]. Quando você encontra leite materno com agrotóxico, é uma consequência já daquilo que Bopal também fez, matando vidas, contaminando, intoxicando”, apontou o procurador.

“Eu vejo que precisamos avançar, levantar essa bandeira sempre num compromisso nas mão de todos, Ministério Público, sociedade entidades, academias nesse trabalho e vocês, poder Legislativo, nacional, parlamento, precisa mostrar ao Brasil e ao exterior que leva a sério a questão da vida e do meio ambiente. Esse é o caminho”, considerou Serafim.

Brasil: lixão de venenos
O cenário brasileiro é preocupante. O país é caracterizado como uma “grande lixeira mundial química”. Dentre os dez agrotóxicos mais utilizados internamente, sete são proibidos em outros países por questões de saúde, evidenciando, segundo o procurador Pedro Serafim, um duplo padrão ético relacionado à produção e comercialização desses produtos.

“A substância é proibida há mais de 23 anos na União Europeia, mas fabricada lá e vendida aqui. [Isso] não pode continuar assim. A justiça brasileira deve dar o exemplo como as outras fazem: condenando quem contamina”, disse Serafim, em referência ao recente pedido do Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul (MPF-RS) de proibição da atrazina, herbicida largamente utilizado em plantações de milho, soja e cana-de-açúcar, com fartas evidências de estar associado a cânceres.

O papel do Congresso
O Congresso brasileiro tem sido um muro de contenção no avanço da agroecologia no país e, em muitas situações, promove o atual modelo de agricultura, altamente dependente do uso de agrotóxicos. Mas há resistência.

Para o deputado federal Nilto Tato (PT-SP), o parlamento deve atuar no sentido de “aprimorar a legislação”, perseguindo o objetivo de banir o uso da química na agricultura, incluindo fertilizantes e agrotóxicos.

“Nós temos aí o aumento da incidência de algumas doenças causadas pelo veneno que vem no alimento que a gente come no dia a dia. Eu estou falando de Alzheimer, estou falando de Parkinson, estou falando de câncer, um conjunto de doenças que gera muito sofrimento para as pessoas, sofrimento para as famílias, um custo alto para a saúde pública, de tal forma que se um dia a gente colocar na balança o quanto o poder público, a população gasta para curar as doenças causadas pelo veneno que vem deste modelo de agricultura, a gente vai entender que, de repente, a população brasileira, o Estado, o poder público carrega esse modelo de agricultura, carrega o agronegócio nas costas”, afirmou o deputado, agregando que é preciso acabar com os incentivos fiscais aos agrotóxicos.

Tato defende a necessidade de subsídios para a produção agrícola, mas não a qualquer custo. “Não pode ter o subsídio para esse modelo de agricultura que traz esses prejuízos para população, para o meio ambiente, para a sociedade como um todo, mas, sim, os subsídios para a agricultura na perspectiva agroecológica”, defendeu.

Por sua vez, o deputado Pedro Uczai (PT-SC) defende que está na hora de partir para a ofensiva contra os agrotóxicos no país e cita o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara). “Eu acho que isso [o programa] dialoga bem com a sociedade, inclusive com muitos agricultores que querem fazer a transição”, afirmou o parlamentar, destacando ainda o aumento da especialização em oncologia em seu estado, refletindo a disparada nos casos de câncer no pais.

“Na minha região de Santa Catarina só tinha Chapecó”, ressalta, destacando que, nos últimos anos, a especialidade explodiu no estado catarinense. “Todo mundo está se habilitando para a oncologia. Tem alguma coisa errada nessa história”, pontuou.

Uczai alertou que, na próxima semana, haverá a votação do orçamento de 2026, sem perspectivas de priorização das políticas de transição agroecológica. “Nós vamos votar semana que vem o orçamento aqui. E olha, é tímido os recursos que vão ser destinados no próximo ano para essa política alternativa”, destacou.

Avanço de consciência
No balanço entre avanços e retrocessos, o assessor jurídico da Fian, organização internacional de direitos humanos focada na luta pelo direito à alimentação adequada, Pedro Vasconcelos, mencionou que um grande avanço é o processo de mudança de mentalidade de que “outras formas de produção de alimentos” são possíveis e necessárias, como as práticas agroecológicas e o uso de bioinsumos.

“É um reconhecimento, pelo menos ao nível da mentalidade, da sociedade, de que outras formas de produção de alimentos, de distribuição de alimentos, que sejam melhores para as pessoas, para a saúde humana, para o planeta, para a saúde de todos os seres, são possíveis, mas não só possíveis, como também necessárias”, avaliou, destacando, por outro lado, os retrocessos nesse debate.

“Mas os retrocessos são no nível normativo, regulatório, de decisões, tanto ao nível nacional quanto internacional, que não reconhecem, não dão espaço para essas vozes, para essa mudança de mentalidade acontecer”, completou.

Pronara
Um dos pontos altos das discussões foi o Pronara, aprovado por deliberação do presidente Lula em 30 de junho, mas que vem sofrendo ataques da bancada ruralista no Congresso. Na última semana, foi aprovado, na Comissão de Agricultura da Câmara, o projeto que tenta suspender o decreto que instituiu o programa de redução de agrotóxicos. O parecer do PDL 443/2025 é de autoria do deputado Rodolfo Nogueira (PL/MS).

Patrícia Tavares, da Secretaria-Geral da Presidência, que coordena o comitê gestor do programa, explicou que o colegiado foi nomeado em 3 de outubro, composto por 13 órgãos de governo das seguintes áreas: saúde, meio ambiente, agricultura, desenvolvimento agrário e agricultura familiar, segurança alimentar e nutricional.

“Hoje nós estamos na etapa de fechar uma matriz de ações que vão compor o primeiro plano de implementação do programa. Nós fizemos um exercício bastante intenso nesses últimos meses de diálogo com os ministérios, principalmente os que compõem o comitê gestor, e nós estamos nas etapas finais de aprovação dessas iniciativas. Então, nos próximos meses, a gente imagina que o mais rápido possível, a gente consiga já publicar essa resolução do comitê gestor, que vai ser a matriz inicial de iniciativas do Pronara”, anunciou Tavares. (Leonardo Fernandes – Brasil de Fato)


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