
Um olhar mais atento pelas ruas de Campinas revela um cenário vibrante de cores, traços e narrativas que transformam o cinza urbano em expressão, identidade e pertencimento. Nos entornos da Rodoviária, Estação Cultura, avenidas Francisco Glicério e Moraes Salles, o fluxo intenso da metrópole convive com um novo repertório visual, desenhado pelas mãos de artistas que dão novas cores e significados ao espaço público.
A cidade tem se consolidado como uma galeria a céu aberto, onde muros e fachadas ganham vida com temas que celebram diversidade, ancestralidade e meio ambiente. Nos últimos anos, a cidade tem ampliado o incentivo à arte urbana e fortalecido a produção local por meio de editais municipais.
Esse apoio se refletiu em números expressivos: em 2023, foram contemplados quatro projetos voltados à arte urbana; em 2024, o total saltou para treze iniciativas e, em 2025, o investimento alcançou 19 projetos selecionados.
Mais do que intervenção estética, o grafite em Campinas tem se consolidado como ferramenta de democratização da arte, estímulo à criatividade e construção da memória coletiva — transformando a cidade em um território onde cultura, história e rua se encontram.
Os quatro elementos
A palavra grafite vem do italiano graffito (“risco”, “inscrição feita em parede”) e designava originalmente inscrições e desenhos encontrados em ruínas da Antiguidade, como nas paredes de Pompéia. No século XX, o termo passou a se referir à arte urbana e contemporânea surgida em Nova York, nos anos 1970, como forma de expressão popular e política.
O grafite – feito em muros, paredes, fachadas ou outras superfícies urbanas com tintas em spray, pincéis, marcadores ou rolos, criando desenhos, letras, símbolos ou mensagens – se firmou como um dos pilares da cultura hip-hop, movimento que está em processo de reconhecimento como Patrimônio Imaterial de Campinas.
A cidade é considerada um dos berços do movimento no Brasil, reunindo seus quatro elementos fundamentais: além do grafite, os DJs (disc jockeys), responsáveis pela base musical com batidas e scratchs em discos de vinil; os MCs (mestres de cerimônias), que improvisam ou cantam versos ritmados contando as histórias e a realidade das ruas, e o breaking, expressão corporal da cultura, com seus passos acrobáticos e batalhas de dança.
“Pensar o hip-hop como um patrimônio imaterial é entender as práticas sociais, as expressões culturais, os conhecimentos, as técnicas que estão envolvidas com os espaços e os recursos a eles associados, que essas comunidades culturais criaram, desenvolveram, transformaram como parte dos modos de vida”, explica Marcela Bonetti, mestre em Estudos Culturais pela Universidade de São Paulo (USP) e Especialista Cultural da Prefeitura de Campinas.

Cultura e identidade
Entre os muitos nomes de destaque na cena do grafite na cidade está o artista visual e muralista campineiro Maicon Gomes, conhecido como Maicongo. Suas obras, espalhadas pela cidade, abordam temas como ancestralidade, identidade e valorização da cultura brasileira.
Parte dos trabalhos de Maicongo foi viabilizada por editais da Secretaria de Cultura e Turismo, como o mural “Raiz Fundamental”, que estampa uma das fachadas mais altas da Avenida Francisco Glicério, no Centro de Campinas.
A obra retrata uma criança indígena yanomami segurando o livro “Sobrevivendo no Inferno”, do grupo Racionais MC’s, cercada por referências a artistas e ao pioneiro do hip-hop campineiro, Malachias.
Maicongo também é fundador do projeto Galeria das Ruas, que tem o objetivo de transformar Campinas em uma grande galeria urbana. Em 2023, ele realizou o primeiro mural em prédio, intitulado “Pelo que eu Acredito”, também com apoio da Secretaria de Cultura e Turismo.
“O nome do mural é ‘Pelo que eu Acredito’ porque eu lutei por uma coisa que eu acreditava. Fiz muitas reuniões. Todo mundo que me conhecia na época sabia da minha vontade de pintar o prédio. Também tinha a questão que eu coloquei diversos artistas pra poderem subir na máquina, ter experiência de pintar um prédio, coisa que ninguém nunca fez comigo”, conta Maicongo.
Assim como Maicongo, dezenas de outros artistas imprimem suas marcas na cidade, que se transforma em telas para contar histórias, gravar memórias, como suporte para protestos e reflexões com seus desenhos, formas, cores e assinaturas (as tags), colorindo as ruas e expandindo o território das artes.
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