
(foto: larissa Moraes/divulgação)
Em São Paulo – Três cineastas planejam uma ação política-artística: invadir a fazenda do tio de um dos membros do grupo, pecuarista e um dos maiores empresários do agronegócio do país, para denunciar os crimes cometidos no campo. Durante a ação, porém, o grupo é capturado por um jagunço que parece estar fora do seu tempo. É essa a história contada no espetáculo “Magma-Jagunço”, que estreia nesta quinta-feira (30) no TUSP Maria Antônia, em São Paulo. A temporada, gratuita, segue até 23 de fevereiro, com sessões de quinta-feira a domingo.
Criada pelo diretor e dramaturgo Clayton Mariano a partir de reflexões sobre as novas formas de “jagunçagem”, a nova peça do grupo Tablado_SP estabelece uma relação direta entre o agronegócio e a ascensão da extrema direita, ao mesmo tempo que questiona os limites da arte engajada diante do poder das elites no Brasil.
“Magma-Jagunço” se estrutura como se fossem dois filmes. “Jagunço”, o primeiro filme (ou ato), é contado pela ótica dos militantes de esquerda. Já “Magma”, o segundo, é uma espécie de remake, só que pelo olhar dos empresários do agronegócio. Os filmes têm posicionamentos e linguagens diferentes, mas se entrelaçam no fim.
Messianismo religioso e violência
“A ideia parte de algumas provocações do filósofo Paulo Arantes e do sociólogo Gabriel Feltran. Para esses estudiosos, é possível entender a extrema direita atual como uma verdadeira ‘revolta de jagunços´. A base da jagunçagem é a mesma, o que significa uma aliança entre a fé, o messianismo religioso e a violência”, conta Mariano.
A partir dessa premissa, o dramaturgo iniciou sua pesquisa e entrou em contato com os estudos do jornalista Bruno Paes Manso e do economista Marcio Pochmann: “Paes Manso publicou o livro ‘A fé e o fuzil: crime e religião no Brasil do século XXI’ em 2023, sobre a relação entre membros do PCC ou da milícia com a igreja. Marcio Pochmann discorre em seus estudos sobre os ciclos da jagunçagem”.
Ao mesmo tempo, o diretor se debruçou sobre a figura literária do jagunço que atravessa a história da literatura e também do cinema. “Desde o século 19 até os dias de hoje, em obras como o livro ‘Torto Arado’, de Itamar Vieira Junior, e o filme ‘Bacurau’, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, o jagunço e o sertão ocupam um espaço de destaque na nossa cultura, enraizando-se no imaginário nacional. O jagunço é personagem-símbolo do Brasil profundo”, comenta.
O diretor observa que, desde a década de 1990, com a industrialização do campo, assistimos a uma mudança na cultura sertaneja. “Assim como o agro hoje é apresentado como pop e tech, o jagunço também se modernizou. Podemos entender as periferias e comunidades das grandes metrópoles como extensões daquele antigo sertão”, diz.
“Por isso, o jagunço de hoje é representado tanto pelos velhos capangas a serviço de fazendeiros quanto por novas lideranças, a exemplo de pastores neopentecostais, pequenos proprietários, policiais, milicianos e qualquer outro que se impõe à força para garantir a ordem e a manutenção do poder”, acrescenta.
Indústria cultural agro
Hoje, afirma Mariano, o agro domina a maior indústria cultural do país. “Basta acompanhar as músicas mais tocadas nas plataformas de streaming para ver que nove entre dez fazem parte do que se chama de música sertaneja. Isso sem falar nas novelas, séries, podcasts, moda etc”, diz.
A pergunta que move “Magma-Jagunço” é justamente essa: o que pode a arte engajada diante dessa quase onipotência do agronegócio? “Na nossa peça, os cineastas acabam reféns do agronegócio, como muitos de nós que temos uma posição crítica a essa cultura, acabaremos, com sorte, estrelando ou escrevendo alguma ‘novela rural´, financiada por essas grandes empresas. Trata-se de uma contradição antiga, obviamente, a novidade é que hoje isso não aparece mais como contradição”, reflete.
Se não há resposta pronta a esse questionamento, Mariano encontra algumas pistas na tradição artística sobre os jagunços e que, para ele, são sintetizadas na obra de Glauber Rocha. “Tanto em ‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’ como em ‘O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro’, Glauber parece questionar os limites de uma aliança entre a militância de esquerda e o jagunço, na figura de Antônio das Mortes. Pensamos se era possível recolocar o questionamento de Glauber diante dos ‘novos jagunços’. Faz sentido imaginar uma aliança, hoje, com parte dessa extrema direita?”, questiona o autor.
Sertão pop
O Cinema Novo, aliás, e outros filmes nacionais aparecem em referências na peça, que cria em cena um clima de sertão pop. A trilha sonora original de Eduardo Climachauska mistura aboios tradicionais, música eletrônica e o agronejo, enquanto os cenários e figurinos de Jessica Mancini se distanciam da caracterização tipicamente associada ao tradicional imaginário do sertão.
A peça conta ainda com trabalho de iluminação de Camille Laurent e tem direção cinematográfica do cineasta Luan Cardoso, mesclando imagens ao vivo com cenas pré-gravadas. O elenco é composto por uma maioria de atores vindos do interior de São Paulo, com novos e antigos parceiros do diretor: Vinícius Meloni (indicado ao prêmio shell por “Agropeça”), André Capuano, Maria Tendlau, Rodolfo Amorim, Rafael Lozano e Bruna Betito. (Com informações de divulgação)
Serviço
Data: 30/1 a 23/2
Horário: de quinta-feira a sábado às 20h e aos domingos às 18h
Local: TUSP Maria Antonia
Endereço: Rua Maria Antônia, 294 e 258, Vila Buarque, São Paulo-SP
Ingressos: gratuitos, com retirada na bilheteria com uma hora de antecedência