
Eunice Paiva ao pegar a certidão em 1996 e, acima, Daniel com Fernanda Torres (fotos: agência gov e reprodução/redes sociais)
No dia 23 de fevereiro de 1996, depois de uma longa busca e de uma batalha judicial, Eunice Paiva entrava no Fórum de São Paulo para buscar a certidão de óbito do marido, o ex-deputado Rubens Paiva, cassado no golpe de 1964 e desaparecido desde 1971 após ser levado de casa por agentes da ditadura. Emblemática, a cena reproduzida no filme “Ainda Estou Aqui” tem a participação do ator Daniel de Almeida, que dá aulas de audiovisual e é diretor de um grupo de teatro em Campinas.
No longa, dirigido por Walter Salles, ele é o porteiro Marlon, que abre caminho para Eunice, interpretada por Fernanda Torres, finalmente ter em mãos o documento que comprovava a morte do marido, 25 anos depois de ter sido torturado e morto nos órgãos de repressão. “Meu personagem abre essa porta . É uma cena de uma humanidade muito grande”, diz Daniel.
O convite para “Ainda Estou Aqui” partiu de uma produtora do Rio de Janeiro. “Eu só fui descobrir qual era o filme quando cheguei ao Rio. Até então, sabia apenas que o diretor era o Walter Salles”, disse. As cenas foram gravadas todas em São Paulo e Daniel teve a oportunidade de ver o filme ainda na pré-estreia, com todo o elenco, também na capital paulista. “Estou muito feliz, muito alegre. Parece que a ficha não caiu. É incrível”, comemora Daniel.

A experiência de contracenar com Fernanda Torres, afirma, foi gratificante. “Eu agradeci porque aquele trabalho era um portal que se abria para mim. E ela me respondeu que para ela também, porque quando, em sua idade, poderia ter a oportunidade de contar a história dessa mulher maravilhosa (Eunice Paiva)?”. Daniel conta que também teve a chance de gravar com Fernanda Montenegro, em uma cena que não fez parte da montagem final do filme.
Um menino que sonhava com o Oscar
O artista e educador social é professor do curso de audiovisual na Sala dos Toninhos, espaço cultural e de formação na Estação Cultura. Com duração de oito meses, a última turma formou 26 alunos, que produziram dois curtas como atividade final. Lá também funciona o grupo de teatro Carcaça, dirigido por Daniel, com participação de sete artistas. Atualmente, eles trabalham na peça “Casa de Orates”, baseada no livro “O Alienista”, de Machado de Assis.
Direto da Sala de Toninhos, Daniel contou um pouco de sua história e a trajetória que levou à sua participação em um filme que coloca em cena um capítulo importante da história política do Brasil, que vem sendo premiado em diversos festivais no Brasil e internacionais, vencedor do Globo de Ouro inédito para o cinema nacional de Melhor Atriz dramática para Fernanda Torres e que está na disputa pelo Oscar em três categorias.
Vindo de uma família de seis irmãos, mãe costureira, pai trabalhador na construção civil, ele lembra que desde menino já sonhava em fazer arte, cinema e TV. “Me lembro de dizer para minha mãe que ainda seria ator”, diz.
Natural de Alagoas, Daniel se mudou, ainda pequeno, para Peruíbe, na Baixada Santista. Lá, um amigo de seu pai lhe contou sobre Campinas e a cena cultural da cidade. Se mudou para cá em busca de oportunidades, que vieram em forma de um curso de teatro. “Eu trabalhava num restaurante no Cambuí, com 14 anos, e me lembro de ter visto uma matéria sobre uma aula gratuita de teatro no Sesi Amoreiras. Pensei que era aquilo mesmo que precisava”, conta.
Começava ali uma história com a arte, incentivada pela professora Maria Inês Rezende Vianna, do Sesi. “Desenvolvi ainda mais esse meu gosto pela arte, pela técnica e fiz grandes papéis, ao mesmo tempo em que exercia outras atividades para sobreviver. Era vendedor, ajudante de cozinha, uma luta diária”, relembra.
“Comecei a trabalhar com produtoras, carregando fio, sendo cinegrafista e hoje posso dizer que sobrevivo da arte. Sou educador social, dou aula de teatro e cinema em projetos próprios, com organizações não governamentais, como o Progen e o Ideia Coletiva, e em parcerias”, diz.
“Vejo hoje, esse menino que sonhava com o Oscar, ver sua carreira dar uma guinada, com representações interessantes e oportunidade de trabalhar com diretores como Fernando Meirelles, Marco Dutra e Juliana Rojas, além do Walter Salles”, comemora.

Reparação histórica
Motivos para comemorar não faltam. “Ainda Estou Aqui”, baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho de Rubens Paiva – interpretado por Selton Mello -, já era recorde de bilheteria e teve um salto de público após as indicações para o Oscar. Já foi visto por 3,84 milhões de pessoas nos cinemas brasileiros, jogando luz sobre um dos mais tenebrosos períodos vividos no país para um público de várias gerações e colocando o assunto em pauta em um momento em que o Brasil vê a ascensão da extrema direita e tentativas de um novo golpe de Estado.
Também em um momento de reparação e reconhecimento à luta das famílias de mortos e desaparecidos durante a ditadura militar. A certidão de óbito de Rubens Paiva foi corrigida. Agora, o atestado afirma que sua morte foi “não natural; violenta; causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial instaurado em 1964”. (Com informações de divulgação)
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