.Por Christian Ribeiro.
“Eu sei, a nossa simples existência já é uma afronta
Os demônios em você
Não aguentam ver um outro preto que desponta.”
(Fogo nos racistas, Black Pantera)
Em época de considerações que envolvem o chamado “Dia mundial do rock”, comemorado em 13 de Julho, sempre ocorre uma discussão de valorização das raízes negras do rock and roll, de suas origens afro que lhe deram a base para se espalhar pelo mundo a partir dos medos do século 1950. Da trinca pioneira de Little Richard (1932-2020), Chuck Berry (1926-2017) e Bo Diddley (1928-2008), sem esquecer de Big Mama Thornton (1926-1984), Sister Rosetta Tharpe (1915-1973) e Esquerita (1935/1938 – 1986), passando por Jimi Hendrix (1942-1970), Arthur Lee (1945-2006) e Tina Tuner (1939-2023), até tomar novos caminhos e trilhas através das obras de Bad Brains, Fishbone e Living Colour, o rock em suas diferentes vertentes tornou-se um estilo de vida associado a diversão e rebeldia, intimamente ligado ao inconformismo e radicalismo juvenil.
Além de representar um não aceitar, um “mal-estar” perante o mundo, dos excluídos ou marginalizados pelo “Sistema”. Mas ao mesmo tempo, houve com o passar dos anos um apagamento do rock and roll enquanto um elemento oriundo e constante da cultura afro diaspórica desenvolvida a partir eletrificação e modernização do blues, até mesmo como representação simbólica de uma inserção das camadas populacionais negras aos padrões mínimos de direitos sociais e cidadania nos Estados Unidos. De uma sociedade pós “Segunda Guerra Mundial”, confrontada ante sua própria estrutura racista e discriminatória, pela militância negra antirracista que abalaria os alicerces da maior potência econômica e militar do chamado mundo ocidental. Em que o rock and roll, foi o estilo musical que num primeiro momento mais se associava as novas vertentes das alas negras presente as lutas pelos direitos civis nos Estados Unidos. Dando voz e discurso aos amores, sonhos, desejos, dores e angústias, em meio a construção de um sonho americano de sociedade, ao qual não tinham permissão para fazer parte. Antes, até mesmo, do processo de politização da soul music no começo dos anos 1960, por parte, dentre outros, de Sam Cooke (1931-1964) e Curtis Mayfield (1942-1999).
O que torna evidente a origem do rock and roll, em ser uma música que representa um estilo de vida contestador, antissistema e político. Que se deu e se desenvolveu a partir das demandas e reivindicações das oprimidas comunidades negras urbanas estadunidenses, sem as quais não haveria essa forma de cultura que por tantos é amada.
Nos fazendo buscar compreender como se deu a constituição de um ideário reacionário, de que ele não é gênero – musical ou cultural – político. De que seria um “absurdo” querer utilizá-lo para tal fim, de que é um gênero cultural em que a questão racial não se faz presente, sendo considerado “má fé” ou “lacração” caracterizá-lo como uma expressão artística-cultural negra. E por mais que tais absurdos não se sustentem historicamente, tornaram-se validados a tal ponto de boa parte do cenário rocker de hoje ser (ultra)conservador, saudosista dos “bons e velhos tempos”, sem saber especificar o que seria exatamente isso. Não por acaso, sendo cada vez mais o gênero preferido de grupos neonazistas e de supremacistas brancos, para divulgar – mensagens políticas – ódios, preconceitos e racismos, disfarçados como expressões de rebeldia.
Os mesmos grupos que levam o seu discurso e prática de ódio a chamada cultura pop, o tornando um ambiente tóxico e de intolerância máxima. Que se sentem incomodados quando consideram que suas “verdades”, ou visões de mundo distorcidas, estão sendo afrontadas. E atualmente do rock nacional, em suas vertentes alienadas ou preconceituosas, nada causa mais ojeriza do que musica rock produzida na contramão destes ideários.
Ainda mais quando realizada por um grupo como o Black Pantera, power trio formado por homens negros, com letras centradas no combate ao racismo e negritude. Ainda mais, quando este é oriundo de Uberaba (MG), um dos corações da agropecuária nacional, paraíso dos agros boys. Terra identificada com o gênero “novo sertanejo”, de viés político conservador. Dessa forma, nos revelando esse grupo – formado pelos irmãos Charles Gama na guitarra e vocal, Chaene da Gama no contrabaixo, além de Rodrigo “Pancho” Augusto – na bateria, como que constituído no sentido de quebrar estereótipos e romper expectativas predeterminadas.
No sentido de intencionalmente questionar e confrontar os preconceitos de cada um, como por exemplo o espanto ante o fato de serem uma banda de negros tocando o seu “Punk Rock Nigga Roll”. Sem máscaras ou dissimulações, dando vazão a um estilo musical que dialoga e se faz presente as suas vidas, tanto quanto influência cultural e política, como também afro diaspórica. E para não haver dúvidas do que almejam e representam, são canções e mais canções, transitando entre punk rock, heavy metal, trash metal e hardcore, com letras incisivas e diretas contra racismo, preconceito racial e intolerâncias em geral.
Nesse processo, não abdicando de confrontar apropria cena rocker brasileira que, em geral, não se abre em reconhecer a importância e o significado que artistas como eles representam e simbolizam. Realidade que acreditamos nos explica, por que a Black Pantera, assim como outras bandas de rock negras brasileiras como Devotos e Punho de Manhin, mesmo nos circuitos alternativos e independentes, são por vezes ignorados ou invisibilizados nas suas existências, estéticas e discursos. Com um reconhecimento, respeito e valorização, muito maior no exterior do que em solo nacional. Sendo que tais impedimentos ou cerceamentos, se dão por fatores outros, que passam longe de critérios artísticos de qualidade. Mas são de fato reflexos de uma sociedade estruturalmente racista como a nossa.
Eles falam sobre meu cabelo
Eles falam sobre minha pele
Tentando encontrar a solução
Contra meu poder em cena
Punk Rock Nigga Roll
Eu mostro para geração meu orgulho e minha coragem
Respeite minha história
Panteras negras são minha fé
Punk Rock Nigga Roll
Malcolm X, Luther King, Tupac e Mandela correm em minhas veias
Em minhas veias corre atitude contra racismo e dor
“Vidas negras importam”, para você é apenas uma piada com nossa dor
Dê o fora filho da puta, é hora de mostrar meu grito
Eu quero alto e rápido
Mostre-me respeito! (BLACK PANTERA, PUNK Rock Nigga Roll, 2019)
Racismo estrutural que eles comumente situam em suas entrevistas como o grande inimigo a ser combatido e vencido através de sua arte. O que não diminui em nada, a qualidade artística de sua obra.
É rock na veia, em alto e bom volume, gritado e distorcido! Música no talo, urgente e pujante como a vida que não se contenta na mediocridade dos covardes e canalhas. É música de celebração e honra aos ancestrais, que se constituí e se renova não apenas musicalmente como influência destes – nesse sentido, não só o elemento rock and roll, mas também o samba, o reggae, James Brown (1933-2006), Jorge Ben, Tim Maia (1942-1998), Racionais MC’s…- mas também através do diálogo constituído entre suas canções e posicionamentos políticos, com as pensatas negras de Malcon X (1925-1965), Angela Davis, Abdias Nascimento (1914-2011), Clóvis Moura (1925-2003), Silvio Almeida. Dentre tantas que se fazem presentes na elaboração de seu discurso musical e postura artística.
Artistas compromissados em contribuir para superação das mazelas de seu país, através do exercício de sua arte como instrumento de conscientização racial, antirracista e pró negritude. Para além de uma militância artificial, mas organicamente inserida e resultante de todo um processo histórico e políticos de lutas negras não só no Brasil, mas por todo mundo! Uma comprovação de que a afro diáspora não possuí fronteiras, não respeita nem tempo e nem espaço, para se fazer manifestar, por vezes, de maneira inesperada e atípica para aqueles que se encontram reféns de suas bolhas de ignorâncias e sectarismos.
A potência de suas verdades sonoras, são como as descidas do Oxé de Xangô abrindo os caminhos da justiça em tempos de obscurantismo e intolerância. Em que ser racista e preconceituoso passou a ser visto de maneira tolerante, quando não positiva, enquanto forma de autenticidade e espontaneidade. Lá estão eles enfrentando as hegemonias opressoras, nos fazendo perceber constantemente, como um alerta, de que algo está errado. E de quem se omite ou se acovarda, tendo ciência dessa realidade, é tão cumplice, e tão culpado, quanto os realizadores de tais crimes e injúrias que cotidianamente se repetem ao nosso redor.
Em tempos que o Brasil parece querer se reencontrar consigo, em que parece estar disposto a reconhecer aquilo que possuí de melhor. De não ter medo ou vergonha de enfrentar os seus males e enaltecer as suas melhores virtudes. Nesse sentido respeitando, valorizando as suas origens, historicidades e sapiências negras, para além de discursos ou retóricas formais, mas enquanto práticas que impeçam a continuidade do genocídio sistemático dessa população.
Se faz mais que necessária a existência e as resistências sonoras afro poéticas da Black Pantera. Cantando e distorcendo os sentidos dos que fingem estar tudo bem… Afinal de contas, o rock and roll nasceu por isso e para isso! Para desafinar o coro dos contentes, a ilusão dos alienados e a dissimulação dos acomodados! E como bons herdeiros dessa tradição de resistência cultural e política afro diaspórica, esses mineiros do barulho vão continuar a tocar o seu rock and roll radicalmente negro, das encruzilhadas da vida para o mundo! Sempre em honra dos seus, para os seus e pelos seus!
Pode aumentar o volume, que esse som é de primeira! Não perdoa racistas e fascistas. Banda que – insistimos – se faz mais atual e necessária do que nunca em sua atitude, compromisso e, não nos esqueçamos, da altíssima qualidade de sua obra! A patada dessa pantera, ainda vai deixar muitas marcas em nosso universo musical! Que sorte a nossa!
“Eles que lutem
Vão querer te dizer
Qual é o seu lugar
Vão querer te convencer a não acreditar
É preciso entender
Não vão te aceitar
Nada pode nós deter
Eles que lutem.” (BLACK PANTERA, “Eles que lutem”, 2022)
Viva ao Black Pantera e a sua quilombagem sonora! Na certeza de que sua roda, de que a sua gira, está só começando… E de que a afro diáspora nunca para… Rock and roll forever! Let’s play that!
Discografia:
BLACK PANTERA. Perpétuo, 2024.
BLACK PANTERA. Ascensão, 2022.
BLACK PANTERA. Capítulo Negro – (Extended play), 2020.
BLACK PANTERA. Agressão (2019).
BLACK PANTERA. Black Pantera no Estúdio Showlivre – Ao Vivo, 2018.
BLACK PANTERA. Projeto Pantera Negra, 2015.