O escritor, astrólogo e autoproclamado filósofo Olavo da Carvalho, ideólogo da extrema-direita morto em 24 de janeiro, não tem nenhum atributo que o faça merecedor de uma homenagem póstuma conferida pela Prefeitura de Campinas, conforme proposta do vereador Nelson Hossri (PSD) encaminhada ao prefeito Jonas Donizete (PSB). Essa é a principal avaliação da moção aprovada pelo Conselho de Representantes da ADunicamp (Associação de Docentes da Unicamp) e encaminhada ao prefeito reivindicando que a proposta do vereador seja prontamente recusada.
Hossri, baseado no fato de Olavo de Carvalho ter nascido em Campinas, sugeriu que a prefeitura o homenageasse oficialmente com a instalação de um busto na cidade. O vereador afirma que já teria recebido uma “sinalização positiva” de que a construção da estátua poderia ser financiada pela Secretaria de Cultura do governo federal, órgão chefiado por Mário Frias, seguidor das ideias do escritor astrólogo.
A moção da ADunicamp afirma que uma “análise criteriosa” dos escritos de Olavo de Carvalho mostra que a homenagem proposta é “injustificável e descabida”, uma vez que as ideias dele, expressadas em seus livros e ensaios, não têm “nenhuma qualificação científica, cultural, política ou moral para ser honrado pela população de Campinas”.
A moção traz um rápido histórico do “pensamento olavista”, forma adotada por seus seguidores para falar de seus escritos, e mostra que ele apoiou incondicionalmente a ditadura militar e se manifestou abertamente “por prisões arbitrárias, desaparecimentos e assassinatos, assim como pelo sistemático exercício da tortura” no país.
Negacionista científico, Olavo de Carvalho negou a pandemia da Covid-19, foi um crítico radical da vacinação e das medidas sanitárias como distanciamento social e uso de máscaras. A moção mostra que, contrariando todas as evidências da ciência, ele chegou a afirmar que as medidas sanitárias representam “o mais vasto e mais sórdido crime já cometido contra a espécie humana inteira” e que o medo do que ele chamou de “suposto vírus” era apenas uma “historinha de terror para acovardar a população e fazê-la aceitar a escravidão”.
A moção ainda mostra as tentativas insólitas e repetidas de negação de toda a história da ciência feitas pelo escritor astrólogo, que buscam “desqualificar decisivos sistemas filosóficos, desde o pensamento clássico à atualidade, e desdenham as descobertas e contribuições científicas de Newton, Giordano Bruno, Galileu e outros”.
Recentemente, Olavo de Carvalho tentou “refutar” a teoria da relatividade e o heliocentrismo e afirmou que não encontrou nada que pudesse contestar o terraplanismo.
Leia abaixo a integra da moção, que tem recebido apoio e adesão de docentes e de pessoas e entidades da sociedade civil. As adesões podem ser feitas no site: www.adunicamp.org.br.
A ÍNTEGRA DA MOÇÃO
CONTRA A HOMENAGEM A OLAVO DE CARVALHO
Por meio desta Moção, aprovada pelo Conselho de Representantes da Associação de Docentes da Unicamp (ADunicamp), os docentes reunidos no dia 23 de fevereiro de 2022 solicitam, respeitosamente, que o Exmo. Senhor Prefeito de Campinas não concretize uma proposta a ele encaminhada que visa à construção e instalação na cidade de um busto em homenagem ao sr. Olavo Luiz Pimentel de Carvalho.
Consideramos injustificável e descabida a aludida proposta de homenagem, pois uma análise criteriosa da trajetória jornalística do sr. Olavo de Carvalho demonstra que o ensaísta não reúne nenhuma qualificação científica, cultural, política ou moral para ser honrado pela população de Campinas.
Ideólogo da extrema direita brasileira, sempre defendeu veementemente a ditadura militar e, incondicionalmente, apoiou a política de terror que – notadamente, a partir do AI 5 – se manifestou por prisões arbitrárias, desaparecimentos e assassinatos, assim como pelo sistemático exercício da tortura contra brasileiros e brasileiras que lutavam pela redemocratização do país.
Lembre-se que, nos anos recentes, o blogueiro foi um destacado porta-voz de setores da direita radicalizada que – nas ruas e nas redes sociais – continua defendendo a volta dos militares ao poder, um novo AI 5, o fechamento do STF e do STE, a censura aos meios de comunicação, o fechamento de partidos políticos de oposição e a sistemática repressão a toda forma de pensamento crítico e democrático.
Destituídos de qualquer consistência científica e filosófica, os escritos do astrólogo-ensaísta e autoproclamado filósofo buscam desqualificar decisivos sistemas filosóficos, desde o pensamento clássico à atualidade, e desdenham as descobertas e contribuições científicas de Newton, Giordano Bruno, Galileu e outros.
Recentemente, em janeiro de 2019, publicou um vídeo em que, de forma canhestra e caricatural, tenta “refutar” a teoria da relatividade e o heliocentrismo. Em várias ocasiões, afirmou também não ter conseguido encontrar nada que refute o terraplanismo. Nos meios acadêmicos e culturais sérios e responsáveis, é consensual que o conjunto de escritos assinados pelo sr. Olavo de Carvalho mais se aproxima do obscurantismo, da bizarrice, do ressentimento e da irrelevância cultural e científica.
Examinemos, por exemplo, como o astrólogo-ensaísta trata a grave e dramática situação de saúde que afeta todo o planeta.
Diante do avanço da crise sanitária representada pela Covid-19, os escritos e falas desse panfletário sempre negaram a sua dramaticidade e jamais se comoveram com as milhões de mortes em todo o mundo – seja no conjunto do país, seja na cidade de Campinas. Como um dos expoentes do negacionismo científico e um crítico radical da vacinação contra a Covid-19, afirmou em 23/4/2020: “essa campanha para nos proteger da pandemia é o mais vasto e mais sórdido crime já cometido contra a espécie humana inteira”. Ou ainda: “O medo de um suposto vírus mortífero não passa de historinha de terror para acovardar a população e fazê-la aceitar a escravidão como um presente de Papai Noel”. Outras tantas afirmações ignominiosas como essas foram por ele escritas e difundidas em suas lives, entrevistas, e por blogs de direita que ainda o apoiam, incondicionalmente.
Impõe-se, pois, a indagação, Exmo. Senhor Prefeito: é aceitável e responsável que a cidade de Campinas renda algum tipo de homenagem a quem, de forma sistemática e fanatizada, repudia os valores democráticos e nega a contribuições da ciência e da tecnologia que, socialmente aplicadas por governos democráticos, podem beneficiar a saúde e salvar a vida de milhões de homens e mulheres?
Por último, entendemos que a notoriedade nacional alcançada pelo cidadão campineiro Olavo de Carvalho não deve ser justificativa para ser ele homenageado pela Prefeitura desta cidade, cuja população preza as liberdades democráticas e deseja uma sociedade mais justa, mais tolerante e mais solidária.