.Por Marcelo Mattos.
Querido Sérgio, neste momento em que o sol disfarçadamente finge aquecer, as horas se alongam para além da janela do carro em movimento, apenas a umidade do colírio e lentas lágrimas percorrem a avenida Ana Costa, triste e intensamente vazia.
Até chegar à areia, colocar os meus pés frios no mar, percebo que não mais nos veremos, que outro tempo insone nos intercepta para deixar em suspenso àquela velha conversa, o abraço quente esquecido, adiado pelo isolamento volátil e verticalidade da Serra.
Descubro que ficaram palavras tantas e gestos amordaçados que rompem as manhãs, estas mesmas nossas manhãs de incertezas, assombradas pelo terror tirânico, o arbítrio e o medo.
Sérgio, meu amigo, enquanto caminho pela orla encoberta, recolho da fragata-tesoura, do maçarico-branco o derradeiro voo que poderia lembrá-lo ainda numa inesquecível interpretação cênica, num palco de flores de crepom e tule ou um breve aceno de gratidão etérea por tudo que tão apaixonadamente fizestes pela nossa cultura – hoje tão devastada e destroçada, não é mesmo, querido? –, por todo teu imensurável amor ao teatro e à sua doce cidade de Santos, numa manhã inexplicavelmente nublada, baça e fluida…