Uma questão de direitos: porque o ataque a José Maschio não deve ser ignorado

.Por Aline de Oliveira Rios e Marcelo Engel Bronosky.

Os jornalistas paranaenses [e do Brasil] acompanham, perplexos, os desdobramentos da situação envolvendo o jornalista e secretário geral do Sindijor Norte, José Maschio, o ‘Ganchão’. Nesta semana, o profissional precisou comparecer ao 5º Distrito Policial de Londrina para prestar esclarecimentos depois de ter denunciado a participação da juíza Isabelle Papafaburakis Ferreira Noronha nas manifestações com pautas antidemocráticas no último dia 7 e que, inclusive, pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) – órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro. E por que essa situação não deve e não pode ser ignorada pelos jornalistas e pela sociedade?

José Maschio na delegacia (foto regina utsumi -reprodução)

Infelizmente, o caso envolvendo Maschio não tem sido exatamente uma exceção no contexto recente de atuação dos jornalistas brasileiros. Dados compilados dos Relatórios de Violência Contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa, anualmente editados pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), indicam que o ato de acusar jornalistas no exercício da profissão – junto à Polícia, ao Ministério Público, ao Poder Judiciário ou outros órgãos do gênero – tem sido utilizado como uma forma eficiente (e com verniz de legalidade) de promover cerceamento, censura e calar estes profissionais nos últimos anos.

Entre 2012 e 2020, os relatórios da Fenaj indicam que jornalistas foram silenciados por meio de normas, determinações e/ou medidas judiciais pelo menos 113 vezes em todo o país, constituindo um cenário aprofundado de barramento oficial ao exercício da atividade jornalística. Deste total, em cerca de 35% das situações os ataques contra jornalistas partiram de agentes públicos ligados ao Judiciário como juízes, promotores e desembargadores.

Em outras palavras, justamente as autoridades que são remuneradas por meio de impostos pagos por todos, que conhecem a lei e a Constituição Federal de 1988 – que sacramenta o Direito Fundamental à Informação no inciso XXXIII do artigo 5º – e que ainda assumem publicamente o dever de resguardar o cumprimento da Carta Magna, acabam se valendo do arcabouço jurídico para calar jornalistas e sonegar informações que são devidas à sociedade.

Entre as motivações para ‘carregar os canhões’ contra os jornalistas estão situações como a de um magistrado de Alagoas, que recorreu à Justiça após ser alvo de uma notícia que expunha o fato de ele ter solicitado ao poder público uma cota maior de combustível (custeado pelo contribuinte) para que pudesse visitar uma fazenda de sua propriedade em outro Estado; o caso de um desembargador do Acre que após ter afirmado que não se pronunciaria em uma reportagem, recorreu ao Judiciário porque a matéria publicada não trazia a sua versão; a ocorrência em que uma apuração jornalística revelou que uma juíza se beneficiou de um leilão do Tribunal Regional do Trabalho no Mato Grosso; frequentes tentativas de violação do sigilo de fonte e ainda, os casos de juízes que acionam judicialmente jornalistas que informam à sociedade sobre os magistrados que recebem salários acima do teto – uma informação de interesse público, cujo acesso à população (que arca com estes custos) é garantido por lei no Brasil.

Este último exemplo, inclusive, protagonizou um dos maiores ataques a jornalistas por ativismo judicial de que se tem notícia na história recente quando, em junho de 2016, magistrados moveram nada menos que 40 ações, em Comarcas diferentes, contra repórteres de um jornal paranaense que produziram e divulgaram uma série de reportagens mostrando juízes do Paraná que recebiam salários acima do teto. As ações acabaram sendo suspensas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) mas, antes disso, tiraram o sono e assolaram a vida dos jornalistas que viajaram por todo o Estado, dias a fio, para participar de audiências e se defender das acusações, cujo único crime foi o de assegurar à sociedade o direito de saber o quanto lhe custa o salário dos magistrados.

Entretanto, este cenário também apresenta outras nuances, igualmente preocupantes, como nas situações em que ocorre uma simbiose entre quem defende e aplica a lei e agentes públicos do campo político. Isso se verifica quando políticos investigados pelos mais variados esquemas de fraude e corrupção recorrem à Justiça para retirar matérias do ar e impedir que tais escândalos sejam noticiados, mais uma vez, silenciando jornalistas e passando por cima dos direitos dos cidadãos.

Estas situações, que constituem apenas uma parte do iceberg de violências contra jornalistas no Brasil, interferem diretamente no direito à informação da sociedade e acabam por corroer os pilares da frágil democracia brasileira ao não permitir que os cidadãos tenham acesso às informações necessárias para tomar decisões, conhecer o tamanho da conta pública que pagam e, principalmente, para ter condições de decidir conscientemente sobre o futuro do país.

‘Preservar’ certas informações dos olhos da sociedade é um esforço para manter os cidadãos brasileiros na ignorância, que fortalece e alimenta continuamente um sistema de desigualdades que blinda poderosos e oprime, sobretudo, os mais humildes. Enfim, lamentavelmente, a sanha hipócrita estampa em frases que “Supremo é o povo”… O povo, no entanto, rapidamente deixa de ser ‘supremo’ quando se trata de honrar compromissos públicos e prestar contas a ele. (publicado originalmente no SindijorPR)

Aline de Oliveira Rios, jornalista, mestranda em Jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa e diretora de Interior do SindijorPR

Marcelo Engel Bronosky, jornalista e professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa

Usava paramentos verde amarelo por ser uma “tradição familiar”.