Da RBA
A situação preocupante da crise brasileira, com a ameaça de Bolsonaro provocar o caos institucional, é “programada”, na opinião do historiador Manuel Domingos Neto, do Observatório das Nacionalidades, grupo formado por pesquisadores de diversas instituições, e doutor pela Universidade de Paris. “Bolsonaro é fruto de uma articulação lá atrás, com apoio maciço das Forças Armadas. As ameaças eram claras e as providências não ocorreram em tempo hábil”, diz.
Para ele, os “golpistas desde sempre atacaram as instituições” sem que fossem punidos. “Prometiam sangue, guerra, morte de ministros, falavam em ‘cabo e soldado’ no STF”, continua. A referência é ao deputado federal e filho do presidente Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que em 2018, em pleno processo eleitoral, afirmou que, “se quiser fechar o STF” bastariam “um soldado e um cabo”.
As consequências da crise – que preocupa cada vez mais representantes das instituições, da sociedade civil, ministros de tribunais superiores e governadores de amplo espectro político – são imprevisíveis. Nesta segunda-feira (23), governadores de 23 estados e do Distrito Federal se reuniram e concluíram por pedir uma reunião com Jair Bolsonaro e os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Em São Paulo, João Doria (SP) afastou o comandante da Polícia Militar Aleksander Lacerda, por insuflar comandados contra a democracia. Chefe do Comando de Policiamento do interior, ele tem sob suas ordens cerca de 5 mil pessoas de sete batalhões da região de Sorocaba. Lacerda participa ativamente de campanhas bolsonaristas nas redes sociais, caso agora da manifestação prevista para 7 de setembro. O oficial desferiu ofensas contra o presidente do Senado, o governador Doria e o deputado federal Rodrigo Maia (sem partido-RJ). “Precisamos de um tanque, não de um carrinho de sorvete”, ameaçou.
Na reunião da tarde de hoje, os governadores reafirmaram o “compromisso” de controlar suas polícias estaduais. No Twitter, Flávio Dino (MA) manifestou “preocupação geral com agressões e conflitos em série, que prejudicam a economia e afastam o país da agenda real”, mas afirmou que “a democracia deve prevalecer e as polícias não serão usadas em golpes”. No domingo, partidos políticos divulgaram duas notas em defesa das instituições e em apoio ao Supremo Tribunal Federal, em especial ao ministro Alexandre de Moraes, vítima preferencial dos ataques de Bolsonaro. Um dos documentos é da oposição e outro, de MDB, PSDB e DEM. A tensão aumentou muito com o pedido de impeachment de Moraes protocolado pelo presidente da República na sexta-feira (20).
Ameaça crescente
Domingos Neto acredita que a preocupação e reação dos governadores ante a ameaça cada vez maior de ruptura institucional são justificáveis, mas foram “retardatárias”. Para ele, o comandante da PM exonerado por Doria sequer poderia ter assumido o comando de sete batalhões. “Ele deveria estar sumariamente preso e seu staff também. Isso poderia intimidar um pouco os golpistas e arruaceiros. Os governadores já estavam alertados e não tomaram providências.” Ele lembra que Bolsonaro “fez apelos às milícias e forças auxiliares do Exército permanentemente” e desde o início de seu mandato o uso de armas foi ampliado, ao mesmo tempo que retirava o controle sobre a venda e porte de armas no páis “e o Exército acatou sem dizer nada”. Assim como o Congresso manteve uma postura passiva e ações judiciais foram postergadas.
Em vídeo nas redes sociais, o jurista Pedro Serrano afirma que a não observância de determinações de Doria pelo comandante exonerado e o ataque ao governador paulista “só teria um caminho: a prisão desses militares por razão disciplinar”. Serrano classifica o pedido de impeachment de Alexandre de Moraes por Bolsonaro como “um absurdo jurídico”.
“Sociedade letárgica”
Na opinião de Domingos Neto, o fato de a parcela da população que apoia as saídas golpistas do bolsonarismo ser minoritária não é motivo para que as preocupações diminuam. “Os contingentes decididos, galvanizados e eletrizados podem muita coisa diante de instituições frágeis e de uma sociedade letárgica.” O professor concorda que não há hoje apoio das instituições, da imprensa, da Igreja Católica e da sociedade civil a saídas não institucionais. Mas, por outro lado, no Brasil de hoje essas saídas não viriam por meio de um “golpe clássico”. “Isso não haverá. Mas Bolsonaro caminha firmemente em busca do caos. Se vem o caos, alguém tem que fazer alguma coisa. O caos legitimaria uma atuação para garantir a lei e a ordem pelo Exército, através do Comando de Operações Terrestres”. conjectura.
“O tumulto já aconteceu muitas vezes na história do Brasil”, diz o professor, citando a morte do Getúlio Vargas no contexto de “um quebra-quebra” de vários dias. “Essas coisas começam e não se sabe como terminam”, acrescenta. Finalizando, Domingos Neto afirma que, “se houver um golpe de força, não será para dar mais força a Bolsonaro”. (Eduardo Maretti – Da RBA)