.Por Marcelo Mattos.
Entre os requisitos para a indicação de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) presentes no artigo 101 da Constituição Federal estão o notável saber jurídico e reputação ilibada. O presidente da República que tem a competência de indicar o substituto a vaga surgida no STF com a aposentadoria do Ministro Marco Aurélio de Mello, propôs o nome do ex-Ministro da Advocacia-Geral da União (AGU) e Justiça, André Mendonça.
A sua indicação representa um retrocesso violento ao Estado Democrático de Direito, através de uma tenebrosa estratégia ideológica de aparelhamento do Estado e de ocupação da instância máxima do poder judiciário, quer pela sua afinidade política fascista, antidemocrática e pela orientação moral-religiosa ultraconservadora, fundamentalista.
O Estado brasileiro é laico e essa laicidade também se projeta e recobre o STF que é parte desse Estado laico e independente, conforme previsto na Constituição de 1988, enfatizando os valores democráticos e assegurando a liberdade religiosa como direito fundamental, não podendo ser exclusivista ou uma obsequiosidade evangélica fundamentalista como pretende o dogma bolsonarista, a transformar o STF num templo de personificação abjeta ou de desmandos legais.
É fundamental que qualquer membro do STF mantenha um necessário distanciamento entre religião e direito, entre fé e o interesse público. Dogmas, verdades irrefutáveis para quem é religioso, não podem ser trazidas para o campo do Direito, sob o risco de aviltá-lo. Além disso, os ministros são os garantidores das liberdades fundamentais expressas na Carta Magna.
Portanto, a indicação de André Mendonça à Suprema Corte não é somente a sugestão de alguém com base na sua filiação religiosa “terrivelmente evangélica”, mas de um agente político “terrivelmente bolsonarista”, subserviente, de questionável formação jurídica e humanista, alinhado ideológico com o que há de mais obscuro, desprezível e aviltante na vida democrática brasileira.
O nome do pastor-jurista é um insulto às instituições e os Poderes da República, pois a sua aceitação representará uma pactuação com os excessos de um desgoverno genocida, responsável por mais de 576 mil mortes pela Covid-19, defendido por Mendonça, um ativista fervoroso, crítico a diversos direitos civis e valores laicos como o aborto, uso medicinal da cannabis e direitos da população LGBTQI+. Portanto, a indicação tem relevante interesse social, pois um ministro do STF se posiciona sobre temas que afetam a vida de milhões de pessoas, decide sobre interesses de todos os grupos sociais, podendo mesmo alterar a história do país.
Mais de 100 entidades jurídicas e coletivos sociais seguem uma intensa campanha nacional, iniciada em 19 de julho, contra a indicação de André Mendonça para o cargo de ministro do STF, que representa um “retrocesso nos pilares da Justiça brasileira e da democracia”, pelo seu perfil antidemocrático e ditatorial, servindo sustentação aos arroubos autoritários de Bolsonaro, com a finalidade de sufocar tanto o Congresso como o STF.
Mendonça é responsável por inúmeras medidas autoritárias e antidemocráticas como a produção de um dossiê sobre a atuação de 579 professores e policiais identificados como antifascistas; na sua gestão como Ministro da Justiça, Bolsonaro se tornou o presidente que mais se utilizou indiscriminadamente da famigerada Lei de Segurança Nacional (LSN – Lei 7170/83) no regime democrático. Até o fim de 2020, pelo menos 41 inquéritos postulados à Polícia Federal contra adversários e críticos ao presidente da República, incluindo jornalista, colunistas, advogados, professores e cidadãos, por prepotência desmedida e ditatorial. Tais ações eram claramente abusivas e inconstitucionais, com o objetivo de intimidar a liberdade de expressão.
Em outra atuação polêmica, se insurgiu com uma ação no STF contra as medidas restritivas de um decreto do governador de São Paulo, em meio ao crescente numero de mortes pela pandemia da Covid-19, que proibia a realização de atividades religiosas. A sua defesa em audiência foi uma deprimente sustentação sem base e uma medíocre fundamentação jurídica, valendo de versículos bíblicos fora do contexto.
É evidente que, pela sua autoritária vinculação bolsonarista à barbárie, fundamentalismo religioso e a sua parcialidade ideológica, a indicação de André Mendonça ao STF compromete a sua capacidade de julgar com isenção temas sensíveis ao governo federal, sem falar na sua inclinação de favorecimento em decisões em processos criminais que envolvam os filhos do presidente da República e seus correligionários.