Um amigo empresário me relatou essa história que vos conto aqui:

“Há alguns anos contratei um empreiteiro para fazer uma pequena obra, mas no meio do serviço ele teve problema de saúde e acabou deixando a obra com dois ajudantes, sendo um mais experiente que assumiu o serviço. Sempre prestativo, com boa conversa e simpatia, começou a fazer outros serviços para mim.

(foto ilustr. marcelo camargo – ag brasil)

Tranquilo para o pagamento, com preço bom, foi ficando e fazendo alguns serviços. Disse que era conhecido como ‘neguinho’. Mas me recusei a chamá-lo assim e o chamava pelo nome próprio José.

Como sempre acompanho de perto, ouvi muitas histórias contadas por ele. De vez enquanto ele dizia, mas o “Bolsonaro tá certo”. Mas até chegar a esse “Bolsonaro tá certo”, vale a pena entender essa história de sua formação social e econômica.

Nosso pobre de direita e bolsonarista desta história teve pai ausente, farrista de bordel e cachaceiro, quando recebia um bom pagamento sumia e largava a mulher e filho por semanas. José, mais velho, começou a trabalhar pesado logo cedo na roça e na construção.

Já com um pouco de experiência mudou de estado e foi trabalhar por muitos anos com um empresário que montava empreendimentos que precisam de aprovação no governo federal, estadual e municipal. O empresário conseguia licenças com propina a políticos, prefeitos e servidores. Se o negócio enroscava, o empresário ia para Brasília e liberava propina, contava José.

Assim, o empresário foi construindo um pequeno império de cidade em cidade no interior e ele foi assumindo funções. Ele conta que o empresário arrumava sócios privados para os empreendimentos. Usava o dinheiro dos sócios e depois inventava uma briga danada com o próprio sócio. A tática era golpear o sócio: arrumar um sócio com recursos, mas não muito. Após o empreendimento estar quase pronto, ele arrumava a maior confusão e briga para poder comprar tudo por um preço baixo. O negócio dava certo até o dia que encontrou um sócio com muito dinheiro que tomou dele o negócio. Em uma cidade pelo menos, o empresário malandro se deu mal, contava José.

José se tornou uma espécie de pau para toda obra para o empresário. Certa vez contou que foi buscar R$ 500 mil em notas em uma cidade distante para pagamento de propina. Ele foi ganhando confiança do empresário e acabou terceirizando o serviço, montou sua própria empresa e contratava dezenas de funcionários para tocar as obras. Era um homem de confiança mas, como um bom bolsonarista, gostava de levar “vantagem” e não pagava nenhum imposto. Nessas grandes obras, tudo era corrupção, relatava José, menos ele que “não participava disso”. O empresário pagava propina, o engenheiro tirava por fora, o empreiteiro cobrava por fora, o mestre de obra cobrava propina e por aí as coisas funcionavam. Mas ele dizia que não gostava disso.

Quando os negócios desandaram para seu patrão, ele demitiu todos os funcionários e nunca havia pago imposto com a empresa. Era tudo na base do trambique. Seu nome está completamente sujo na Receita Federal, ele mesmo conta. Conseguiu muito dinheiro na época, mas trabalhando na ilegalidade constante acabou perdendo quase tudo. O que tinha passou para o nome de outra pessoa, a casa passou para a única filha e o resto foi perdendo e vendendo quando faliu. Hoje não pode ter qualquer coisa em seu nome para a Receita Federal não tomar. Isso ele teme. Não paga nem INSS, não coloca nada em seu nome, não pode comprar nada a prestações, não tem conta em banco, vive de bicos e compras no dinheiro vivo.

Bom de prosa, foi contando essas histórias numa pequena obra que fez para mim. O serviço básico dele era bom, mas os acabamentos uma tragédia. Mesmo assim, fazia um preço bom e parecia gostar de trabalhar para mim. Ele dizia isso e sempre se colocava disponível. “Se precisar, é só chamar. Dou prioridade aqui. Os outros que esperem. Prefiro trabalhar aqui com você, é mais tranquilo…”, dizia. Fui acreditando.

Feita essa pequena obra, perguntou se não teria mais obras para fazer. Disse que, se tudo desse certo, dentro de seis meses teria uma obra maior. E foi o que aconteceu. Ele começou a fazer e foi tudo bem até chegar na fase de finalização da obra. E aí o bolsonarista José mostrou a sua verdadeira face, mas não percebi de início.

Quando chegou na fase do serralheiro e de madeiramento, ficava indicando e falando de um serralheiro conhecido dele. Dizendo que o cara estava precisando, que tinha preço bom etc etc. Dizia que o serralheiro estava desesperado ligando para ele. Sempre vinha com essa conversa. “Não aguento mais esse cara, o cara tá desesperado, você vai conseguir um bom preço”, me dizia. Mas eu conhecia o serralheiro, já tinha trabalhado para mim, e não gostei, mudava o preço no meio, enrolava para fazer o serviço, apesar de tecnicamente bom profissional.

O José bolsonarista também queria que eu contratasse um carpinteiro indicado por ele e que eu já tinha contratado na obra menor feita anteriormente. Aliás, foi a coisa mais cara da pequena obra. O carpinteiro foi muito caro e foi o que encareceu a pequena obra feita anteriormente. Por isso, também evitava.

Aí ele começou a contar umas histórias mais pesadas, que ele tinha uma arma, que comprou na feira do rolo, que já tinha dado uma paulada na cabeça de um cara, que já tinha sido preso. Que um delegado não deixou ele ser preso, que um cara foi morto na obra que ele trabalhava, que fugiu do PCC etc etc. Ouvia como uma história qualquer, pois tinha plena confiança no José, apesar de suas ideias bolsonaristas sobre economia. Dizia: “Onde já se viu, funcionário público ganhando tanto, isso é vagabundo, não trabalha. Fulano não trabalha e ganha tanto etc etc”. Tinha verdadeiro ódio aos funcionários públicos.

Obra seguindo, acabei contratando outro carpinteiro que cobrou um preço menor do que o que o José havia indicado anteriormente e fez um serviço melhor. Também contratei outro serralheiro, que fez um ótimo trabalho e por um preço menor.

Num dia que o carpinteiro estava trabalhando, o José bolsonarista ficou irritado. E, do nada, disse que não trabalharia mais na minha obra. Disse que o carpinteiro não tinha educação, blá blá blá, e que não trabalharia na obra com aquele carpinteiro. Tentei argumentar para ele ficar, mas largou tudo jogado e foi embora da obra. Até aí não tinha percebido nada além do que ele dizia.

O carpinteiro foi talvez o melhor contratado da obra em qualidade do trabalho e preço. Como José desistiu da obra, já fui atrás de outros e, por sorte, consegui rapidamente. E a obra não parou. Então liguei para o José Bolsonarista e disse que iria juntar as coisas dele que havia ficado para que ele pudesse pegar depois. Ele explodiu de raiva ao telefone, ficou furioso como nunca havia visto e disse que faria uma loucura, que já era velho, que tinha arma e me ameaçou.

Mas conseguimos contornar, oferecendo uma recompensa. Ao final, ele recebeu seu pagamento com bônus, pegou suas coisas e sumiu. Afinal, nada como uma propina para acalmar bolsonaristas honestos.

A obra continuou e não entendíamos a reação do José Bolsonarista. Até que o carpinteiro um dia me contou que o José Bolsonarista disse que ele tinha cobrado muito barato. Que outros carpinteiros cobravam o triplo do preço. Aí a ficha caiu. Comecei a ligar todos os pontos.

José Bolsonarista ficou irritado e abandonou tudo porque não conseguiu a propina na serralheira e na carpintaria. Na obra anterior, ele já tinha feito isso provavelmente. E gostaria de fazer isso de novo.

É um pouco complicado entender a mente bolsonarista porque ela percorre caminhos tortuosos. Veja que ele tinha minha total confiança e não haveria problema de pagar mais para ele, caso ele quisesse. Assim, ele ganharia mais até do que tentando cobrar pedágio de outros serviços. E estaria trabalhando de forma correta e honesta.

Mas não, na cabeça desse bolsonarista o caminho da enganação, da trapaça, parece ser mais sedutor, quase que um vício. Havia ali uma formação cultural da trapaça, do levar vantagem, da enganação. Não é à toa que o nosso pobre de direita dizia: “você não conhece os pobres, o povo pobre não presta”.