A residência da família, tão exaltada pelos chamados conservadores e “cidadãos de bens”, é talvez o lugar mais perigoso e violento para idosos, mulheres e crianças, segundo levantamentos de governos, organizações e instituições de pesquisa. A vida privada, isolada socialmente entre 4 paredes, pode servir muitas vezes para facilitar e esconder a agressividade. A “defesa da família” de forma a torná-la algo que não se pode falar ou questionar, também serve para esconder e perpetuar a violência.
Idosos
Levantamento dos últimos 11 anos reunidos em uma pesquisa de doutorado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Gerontologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, e coletados do Sistema de Notificação de Violência em Campinas (SISNOV), mostra que praticamente 93% dos casos de violência contra idosos ocorrem dentro de casa e 56,6% dos casos são cometidos pelos próprios filhos.
A pesquisa, realizada por Emmanuel Sousa Lopes, doutor em gerontologia, constatou que a negligência e o abandono são as principais formas de violência sofridas pelos idosos que vivem em Campinas, mas também há muitos casos de agressões psicológica, física e financeira. A pesquisa também constatou que a maioria dessa violência contra idosos é praticada contra mulheres idosas, principalmente viúvas com baixa escolaridade. Isso também ocorre por causa da longevidade feminina, que é maior do que a dos homens. Mais uma vez a desigualdade social e econômica e a falta de investimento em educação estão na raiz da violência.
Mulheres
O estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública revela que em 28,5% dos homicídios de mulheres, os crimes foram dentro de casa, o que o Ipea relaciona a feminicídio e violência doméstica. Entre 2012 e 2017, o instituto aponta que a taxa de homicídios de mulheres fora da residência caiu 3,3%, enquanto a dos crimes cometidos dentro das residências aumentou 17,1%. Já entre 2007 e 2017, a taxa de homicídios de mulheres por arma de fogo dentro das residências aumentou em 29,8%.
Crianças e Adolescentes
Uma pesquisa do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – IPEA, através do Sistema de Informações de Agravo e Notificação do Ministério da Saúde (SINAN) revelou que 70% dos estupros no Brasil são praticados contra crianças e adolescentes. Dados ainda mais graves indicam que a maioria destes estupros ocorre dentro de casa e que os principais responsáveis são os pais ou padrastos (24,1%) ou amigos e conhecidos da família (32,2%).
O “Atlas da Violência de 2018”, publicado pelo IPEA e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e o “Mapa da Violência de 2012: Crianças e Adolescentes do Brasil”, produzidos pela FLACSO, mostraram que quanto a vítima e o criminoso se conhecem 78,6% dos estupros ocorrem dentro de casa, índice que cresce quando as vítimas são crianças e adolescentes em razão da vulnerabilidade.
Todas essas informações foram coletadas com critérios científicos e levantamentos de casos em registros oficiais do Brasil. Não são achômetros de políticos e religiosos conservadores de direita. Isso talvez explique por que grupos que se dizem “defensores da família” são contra a ciência e contra qualquer investimento ou política pública para combater essa violência praticada dentro das residências.