“A alegria é a prova dos nove” (Oswald de Andrade, in Manifesto Antropófago)
.Por Marcelo Mattos.
O Carnaval não é apenas a mais importante, a mais referencial manifestação cultural e popular, o evento com maior notoriedade e expressão artística reverencial no mundo. Este espetáculo pode ser contextualizado pela interação da sua rica diversidade de expressão artística, a integração de diferentes classes, gêneros, raças, dogmas, como também indicar para as fontes acadêmicas, da chamada representação letrada do conhecimento, incontáveis teses, tradições e rupturas.
É neste contexto, com 38.304 milhões de casos de Covid-19 no mundo, mais de 151 mil mortes subnotificadas no Brasil, cujo governo inepto negligenciou o seu combate, onde a Europa retorna ao lokdown com mais de 300 mil novas infecções e a presente declaração da vice-diretora da OMS (Organização Mundial de Saúde), Mariângela Simão, afirmando que “o Brasil não terá uma vacinação em massa contra o novo coronavírus em 2021”, que se discutem as definições quanto a possível realização do Carnaval nesse ano.
Claro que a ausência do Carnaval ou a sua aparente realização com a transferência de data (para inglês ver?) em muito agravará a já debilitada comunidade que vive em razão dela, “interna corporis” às Escolas de Samba, Blocos, ao universo carnavalizado, da sua indústria criativa com milhares de ferreiros, aderecistas, carpinteiros, costureiras, músicos, etc. ou situam-se no âmbito externo econômico, das políticas públicas do entretenimento, cultura e turismo: liame quase estéreo entre Estado, sociedade e mercado.
Segundo a Riotur, o Carnaval 2020 injetou quase R$ 4 bilhões na economia do Rio de Janeiro, com 2.1 milhões de turistas na cidade e mais de 10 milhões de pessoas circulando nos 4 dias de folia, com uma lotação hoteleira em quase 100% e 12 navios de cruzeiro com 27 mil turistas. Esta movimentação econômica repercute, impacta fortemente a economia da cidade horizontalmente, do ambulante, do coletor de latinhas, dos arranjos produtivos locais de geração de renda à paradigmática verticalidade das grandes redes de comércio, hotéis, restaurantes.
Ou seja: o Carnaval é um processo de produção, vitalidade e transformação sociocultural permanente, além de ser um espaço de interação e participação comunitária, de inclusão social, de manifestações orgânicas dos sonhos, afetiva, plástica, política, histórica e sociologicamente revolucionária. Mesmo sendo o mais atrativo e importante evento cultural para a economia do Estado, ainda assim seus principais atores não conseguem se autogerir, mantendo uma dependência quase autofágica de submissão com o poder público, à margem do processo institucional.
Neste momento de completo desmonte do Estado e programas sociais, da constante eliminação de direitos trabalhistas e sociais, da ingestão pública no combate à pandemia do Covid-19 é que a unidade das comunidades ligadas ao Carnaval deveria exigir das autoridades públicas as proteções inerentes, devidas, a mesma que todos os demais brasileiros perfazem direito.
Por fim, a realização do evento carnavalesco apenas para a satisfação cabotina de propaganda institucional ou para cumprir o ritual de uma falsa agenda alegórica, implicará na sua desestruturação e não resolverá a gravíssima crise orgânica daqueles que estão encerrados nos barracões, dos que padecem nas inúmeras comunidades em vulnerabilidade social, invadidas pelo milicianato, daqueles entes apartados que necessitam de efetivas políticas públicas, da restituição de ações e direitos sociais usurpados, nelas incluídas o Carnaval.