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Em artigo, professor da Unicamp explica a atual situação das vacinas contra o coronavírus

As vacinas contra o novo coronavírus

.Por Luis Carlos Dias.

A comunidade científica mundial está trabalhando ativamente para desenvolver vacinas para a Covid-19. Segundo a Organização Mundial da Saúde, são 163 produtos em desenvolvimento, incluindo estudos de vacinas e medicamentos como profiláticos, sendo 140 em Fase pré-clínica in vivo, 10 em Fase 1, 10 em Fase 2 e 3 em Fase 3. Essa intensa atividade de pesquisas levou ao desenvolvimento destas candidatas a vacinas em tempo recorde, o que é absolutamente incrível e sem precedentes, mostrando uma coordenação global fantástica entre os cientistas.

Luis Carlos (foto antonio scarpinetti – div – unicamp)

Inicialmente, as candidatas a imunizantes passam por avaliação preliminar de Fase 1 em pequeno grupo de voluntários saudáveis soronegativos (que nunca contraíram Covid-19), monitorados de perto e onde se avalia a segurança (potencial de gerar efeitos colaterais adversos) e a imunogenicidade (capacidade de a vacina gerar imunização, uma resposta do nosso sistema de defesa). No caso de bons resultados, seguem para estudos clínicos de Fase 2, com centenas de participantes que nunca contraíram a Covid-19, coletando mais informações sobre segurança, doses, horários, modos de administração e imunogenicidade. Os voluntários são escolhidos de forma randomizada (aleatória) e são bem controlados, podendo incluir pessoas de grupos de risco ou com comorbidades. Se bons resultados são obtidos na Fase 2, as candidatas seguem para a Fase 3, que envolve ensaio com milhares de indivíduos de vários países, maior universo de pessoas (jovens, adultos, idosos ou imunocomprometidos) e pessoas agora expostas a ambientes com vírus circulante. Nesta fase, as vacinas precisam fornecer uma avaliação definitiva da eficácia e resposta de proteção, segurança e prever eventos adversos. O nível de exigência é elevado, segue protocolos rígidos, mas se a vacina se mostra segura e eficiente, é aprovada e após registro (no Brasil na ANVISA) pode ser produzida em larga escala e distribuída para a população.

No Brasil temos duas vacinas em estágios mais avançados de Fase 3. A vacina de Oxford (ChAdOx1 n-CoV-19) usa como plataforma um adenovírus de chipanzé, um vírus que causa resfriado e é geneticamente modificado para se tornar mais fraco, uma versão atenuada, não infecciosa e incapaz de se replicar no corpo humano. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), maior instituição de ciência e tecnologia brasileira na área da saúde, por meio do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos) vai contribuir para a produção dessa possível primeira vacina no Brasil em colaboração com a Universidade de Oxford, que desenvolveu o imunizante e o laboratório AstraZeneca, que detém o licenciamento.

O Ministério da Saúde assumiu o risco e está investindo na compra de 30,4 milhões de doses da vacina e da transferência da tecnologia, que poderá ser útil para outras doenças na produção de imunizantes, mesmo com o risco de resultado negativo de eficácia nos estudos para a Covid-19.

O resultado oficial de Fases 1/2, estudo randomizado, cego para os voluntários, multicêntrico e controlado, realizado em 5 centros no Reino Unido, foi divulgado nesta segunda-feira, 20 na revista médica The Lancet . A vacina foi testada em 1.077 voluntários (adultos na faixa 18-55 anos, 49,8% mulheres, 50,2% homens, 90,9% brancos), que não sabiam se estavam recebendo vacina ou placebo, sendo que 543 voluntários receberam a ChAdOx1 nCoV-19 e 534 receberam a vacina contra meningite MenACWY como placebo. Esse estudo visou avaliar segurança e o tipo de resposta imune provocada pelo imunizante.

É MUITO importante, tanto a resposta imunológica através de anticorpos neutralizantes como a resposta celular produzindo células citotóxicas. Uma dose de reforço é recomendada.

O ensaio clínico de Fase 3, duplo-cego, randomizado, controlado com placebo, iniciado em 20 de junho, terá a participação de 50.000 voluntários em 5 países, sendo 5.000 no Brasil, com o objetivo de verificar a segurança, a eficácia e proteção contra a Covid-19 em um grupo mais heterogêneo de pessoas. Em São Paulo, a Unifesp ficará responsável pela vacinação experimental, enquanto no Rio de Janeiro e em estados do Nordeste, a rede D’Or conduzirá os ensaios. Os voluntários serão divididos em dois grupos: metade tomará a vacina (intramuscular) e metade receberá a vacina contra meningite (MenACWY) como placebo e que não protege contra o Sars-CoV-2.

Os pesquisadores vão investigar o efeito da vacina em adultos saudáveis e pessoas com comorbidades conhecidas e imunossupressão, que comprovadamente não tiveram o vírus, mas se encontram em exposição. Voluntárias não podem estar grávidas e nem planejando gravidez. Profissionais da saúde e outras pessoas sob risco serão inclusos. Esse estudo em Fase 3 nos dirá se a vacina oferece proteção contra a Covid-19.

A Fiocruz produz a maioria de nossas vacinas e é referência internacional de pesquisa, ensino e inovação na área de saúde. Vale a pena correr o risco com este acordo mesmo que a vacina não funcione? Com certeza sim, o mundo está vivendo cada vez mais epidemias desse tipo de vírus respiratórios e dominar essa tecnologia é importante.

O Instituto Butantan fechou uma parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac Biotec para testar uma vacina contra a Covid-19 em Fase 3, também um estudo clínico randomizado, duplo-cego, controlado com placebo. As Fases 1 e 2 foram realizadas em voluntários chineses e após duas doses (intramuscular) no intervalo de 14 dias, produziram anticorpos neutralizantes em 90% deles, aqueles que podem neutralizar o vírus e impedir a infecção, 28 dias após a primeira dose.

O Hospital das Clínicas da Unicamp será um dos centros e testará a vacina em 500 voluntários, priorizando profissionais da saúde atuando no combate à Covid-19, maiores de 18 anos, que não estejam participando de outros estudos clínicos, não tenham contraído a Covid-19 e não possuem doenças ou não precisem de medicações que alterem a resposta imune. Mulheres não podem estar grávidas ou pensando em engravidar nos próximos três meses.

A AstraZeneca e a Sinovac já estão produzindo doses dessas vacinas e caso a eficácia seja confirmada, o Butantan deve receber a transferência de tecnologia e terá acesso a 60 milhões de doses a partir de setembro de 2020. Após registro, a distribuição será organizada pelo Programa Nacional de Imunizações e distribuída pelo SUS. A eficácia dessas vacinas dependerá da epidemiologia, da exposição das pessoas ao vírus, vivendo suas vidas normais.

O Brasil também poderá exportar e atender outros países vizinhos, pois poucos países na América Latina possuem fábricas de vacinas, entre eles, Brasil, México, Argentina e Cuba. A Argentina, aliás, vai testar a candidata à vacina da Pfizer e da BioNTech (CoronARdx), em fase 2b/3. Existem também vários outros exemplos de pesquisas em desenvolvimento de imunizantes realizados no país, mas ainda em estágios iniciais de ensaios pré-clínicos in vivo ou em Fase 1.

Uma vacina experimental (mRNA-1273) do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas (NIAID) dos EUA e da empresa farmacêutica Moderna, sediada em Cambridge (EUA) foi testada em Fase 1 em 45 pessoas e após a aplicação de duas doses, os pesquisadores observaram altos níveis de anticorpos neutralizantes, com poucos efeitos adversos. A Moderna está realizando Fase 2 e anunciou que vai iniciar um ensaio de Fase 3 com 30.000 voluntários saudáveis até o final de julho. As ações da Moderna dispararam na Bolsa.

É preciso cautela e é importante lembrar que precisamos de produção em larga escala pois estamos falando em vacinar 8 bilhões de pessoas no mundo e 212 milhões no Brasil. No caso de ótimos resultados preliminares de eficácia em Fase 3, como as vacinas estão sendo produzidas à risco, embora em lotes limitados, isso pode levar à liberação antecipada para grupos prioritários ou mais expostos à doença, no final de 2020 ou início de 2021.

É bem possível que uma única formulação vacinal não seja suficiente e talvez uma segunda vacina com plataforma diferente possa ser usada como reforço cruzado. Fatores como a eficácia das vacinas e o número de pessoas a serem vacinadas podem levar a uma imunização de apenas uma parcela da população, o que permitiria uma doença mais amena.

A OMS sugere eficácia vacinal acima de 50% para considerar aprovação de vacina para Covid-19. No entanto, uma imunização mesmo parcial poderá ter um papel crucial para minimizar o número de contaminações, sendo útil para que possamos pensar em medidas conscientes de flexibilização e relaxamento do isolamento social até que um imunizante mais robusto seja desenvolvido.

O risco seria as pessoas terem uma falsa sensação de segurança e relaxarem nas medidas de higiene. Uma vacina será importante mesmo funcionando apenas nos mais jovens, que são os maiores espalhadores do vírus, pois poderá ajudar a proteger os idosos. Nós não vamos acabar com a infecção, mas vamos proteger contra a doença. Certamente, tudo o que aprendermos com essas primeiras vacinas, vai nos ajudar a melhorar as outras vacinas em fases preliminares. E por que não pensar, em futuro próximo, em uma única vacina com combinação de duas plataformas diferentes para induzir um desempenho de resposta de anticorpos e resposta celular, de células T?

Enquanto a vacina, um importante instrumento de saúde pública não vem para somar, no sentido de quebrar a cadeia de infecção, aqueles que podem, devem se manter em casa e respeitar o isolamento social. Nem todos podem ficar em casa, muitos precisam sair para trabalhar, mas todos devem respeitar as intervenções não farmacêuticas como o distanciamento físico, os hábitos de higiene e usar máscaras.

Também seria imprescindível realizar controle epidemiológico adequado para permitir o isolamento de pessoas infectadas ou com sintomas gripais, mesmo que casos não confirmados por testes, rastreando e isolando os seus contatos. Para isto, precisamos melhorar a qualidade da comunicação com a sociedade, para que as pessoas respondam de forma adequada às políticas públicas. Fato é que estamos presenciando a força da resposta das instituições públicas de pesquisas e de ensino superior brasileiras, da ciência e do conhecimento científico em benefício da saúde pública.(Publicada originalmente no site da Unicamp)

Luiz Carlos Dias é professor Titular do Instituto de Química da Unicamp, membro Titular da Academia Brasileira de Ciências  (ABC) e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (ACIESP) e Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico (Presidência da República). Ele lidera parcerias da MMV e da DNDi  na América Latina, na área de desenvolvimento de novos medicamentos para o tratamento de doenças parasitárias tropicais negligenciadas. 

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