Nova Delhi (índia) – Pesquisadores da Escola Nacional de Medicina Tropical no Texas, sul dos Estados Unidos, passaram cinco anos tentando desenvolver uma vacina para a Síndrome Respiratória Aguda Grave. A Sars é a doença causada pelo vírus Sars-CoV, que matou 774 pessoas na Ásia entre 2002 e 2003. Eles produziram um lote piloto e estavam prontos para iniciar os testes clínicos quando o estudo foi interrompido, por falta de financiamento, em 2016.
“Embora estivesse muito avançado e as evidências fossem sólidas, infelizmente tivemos de colocar esse material em um congelador. Porque já não era prioridade fabricar uma vacina para Sars”, lembra Maria Elena Bottazzi, codiretora da Escola e do Centro de Desenvolvimento de Vacinas do Hospital Infantil do Texas.
Com a suspensão dos repasses do Instituto Nacional de Saúde, órgão público de fomento, os cientistas buscaram apoio no setor privado. A resposta foi que não havia interesse no projeto.
A semelhança entre os materiais genéticos do Sars-CoV e do Sars-CoV-2, vírus que causa a covid-19, é superior a 79,5%. Em ambos os casos, a porta de entrada para que o vírus se reproduza em outras células é uma molécula localizada nos pulmões – ACE2.
O preço da inovação
Essa descoberta, publicada em fevereiro pela revista britânica Nature, animou os pesquisadores que tiveram seus estudos sobre SARS interrompidos. Para Bottazzi, a vacina congelada em 2016 permitiria pular etapas e responder à atual pandemia com mais agilidade.
“Ainda que tenha sido formulada contra a SARS, ela poderia resultar em proteção cruzada contra o SARS-CoV-2. Temos evidências concretas dessa possibilidade e gostaríamos de confirmar isso em humanos”, completa a cientista. Na pior das hipóteses, ela acrescenta, um resultado negativo evitaria que outros pesquisadores gastassem tempo e dinheiro repetindo o mesmo percurso científico.
A interrupção dos testes clínicos ilustra a lógica de mercado que orienta os estudos sobre vacinas. Passado o pico de uma epidemia, grupos de pesquisa são desmantelados e avanços científicos se perdem simplesmente porque a demanda diminui.
Então, o que explica, em plena pandemia do novo coronavírus, o desinteresse da indústria farmacêutica em vacinas que já estariam em fase final de elaboração? Por que eles preferem começar “do zero” e não dar seguimento a estudos já em estágio avançado? Bottazzi tem uma hipótese.
Alto custo
“A maioria das vacinas que se tem tentado desenvolver contra o novo coronavírus – e certamente as que recebem mais recursos – apostam em tecnologias novas, nunca usadas antes”, analisa. Ao priorizar métodos inovadores e de alto custo, grandes laboratórios tendem a concentrar a fabricação, retardando o acesso em escala global.
“As vacinas priorizadas hoje respondem a uma lógica de interesse comercial sobre a propriedade intelectual. Tenho muita preocupação sobre como isso poderá ser implantado globalmente, porque o preço será alto e as pessoas não saberão fabricá-las. Mesmo que elas sejam seguras e eficazes, demorará muito para outros países poderem produzi-las e, mesmo, comprá-las”, acrescenta a pesquisadora.
O método de fabricação de vacinas considerado mais inovador pela indústria utiliza fragmentos de material genético modificado. A vacina desenvolvida na Escola Nacional de Medicina Tropical no Texas, por outro lado, baseia-se na produção de proteínas recombinantes.
“É um processo mais barato, simples e conhecido no mundo todo”, afirma a diretora da Escola. “Assim que a vacina é descoberta e devidamente testada em um laboratório nos EUA, por exemplo, o Brasil poderia começar a produzir no dia seguinte, como já faz com a de hepatite B”.
Dos 115 estudos para desenvolvimento de vacinas para covid-19 contabilizados até a primeira semana de abril, 23 utilizam proteínas recombinantes, segundo levantamento da revista Nature. (Do Brasil de Fato – Ver texto integral Aqui)