.Por Isabella Cota/openDemocracy.

“Entra, meu amor, logo vem alguém te atender”, diz uma mulher ao me receber no Centro de Ajuda à Mulher Latino-Americana em um subúrbio da Cidade do México. “Bem-vinda, deixa eu te dar um abraço”, completa, com um beijo na bochecha.

(foto de vídeo – opendemocracy)

Seu cumprimento é caloroso e condizente com a descrição da organização em sua divulgação no site “interrumpir-embarazo.com”. Ali, o grupo se define como “um coletivo de mulheres que sabem o quão difícil é enfrentar uma gravidez indesejada”. E promete: “Te acompanhamos com segurança e discrição”.

O site insinua também que o centro pratica abortos. No topo da lista de serviços prestados, consta o termo “ILE”, sigla em espanhol para “interrupção legal da gravidez”. No entanto, como descobri, isso é enganoso.

Esse lugar na Cidade do México é parte de uma rede antiaborto de “centros de gravidez em crise” (CPC, na sigla em inglês), apoiada por poderosos grupos conservadores cristãos dos Estados Unidos ligados ao governo de Donald Trump. Muitos se opõem até mesmo aos anticoncepcionais de última geração.

Em uma investigação da openDemocracy em 18 países, repórteres que se fizeram passar por mulheres grávidas e vulneráveis receberam informações médicas incorretas – por exemplo, que o aborto aumenta significativamente os riscos de câncer e doenças mentais. Depois, foram pressionadas a seguir com a gravidez, independentemente de sua vontade.

Congressistas do México, Argentina e Equador pedem ações de resposta às revelações. Para elas, esses centros conseguem driblar as regras que regulam a assistência médica, uma vez que não é exigido que se registrem como provedores de serviços de saúde. Mónica Macha, deputada da coalizão do governo argentino, afirma que não se deve “permitir que operem nas sombras” e que “é fundamental que a Justiça investigue o grau de legalidade das atividades”.

No Equador, a presidenta da Comissão de Justiça do parlamento, Ximena Peña, diz que as descobertas “deveriam ser entregues às autoridades competentes para que se possa iniciar uma investigação”. Já a secretária de Saúde da Cidade do México, Oliva López, afirma que seu departamento “realiza ações de revisão, vigilância e monitoramento e, se for o caso, de sanção” desses centros.

Marta Lamas, professora da Universidade Nacional Autónoma do México e uma das feministas mais proeminentes do país, qualifica as descobertas como “realmente escandalosas”. Ela condena “toda a estratégia de aterrorizar” as mulheres “contando mentiras”.

“Não entendemos como, com tanta mentira, eles ainda têm permissão para funcionar”, complementa Ana María Camarillo, presidente da rede de direitos reprodutivos Coletivo de Associações para a Interrupção Legal da Gravidez (Camile). Por sua vez, a senadora Patricia Mercado, do partido mexicano de centro-esquerda Movimiento Ciudadano, acredita que esses centros estão “desonestamente se aproveitando de brechas na lei”, já que não estão sujeitos a controle porque não é exigido que sejam registrados como serviços de saúde.

“Mais que uma legislação”, Patricia pede políticas públicas para generalizar a informação e o acesso ao aborto.

Terror em um centro na capital mexicana

Na manhã de um dia de semana, fui a um centro no subúrbio da Cidade do México divulgado pelo site interrumpir-embarazo.com. Na divulgação online, não havia menção de sua agenda contra o aborto.

Sentada em uma sala sem janelas com uma pequena cama improvisada e uma almofada, ouvi funcionários do centro garantirem, incorretamente, que três em cada dez mulheres sofrem de complicações graves do aborto, como perfuração do útero ou do intestino, e mortes dolorosas (complicações graves de abortos seguros são, na verdade, extremamente raras).

A mulher que me atendeu disse, também incorretamente: “Você sabia que não te aceitariam em um hospital se você chegasse com uma hemorragia como consequência do procedimento?”. (Por lei, os hospitais públicos no México devem atender qualquer pessoa que chegue em uma sala de emergência.)

Durante 50 minutos, ela mencionou meu companheiro e seu “direito de escolher” mais de 20 vezes, e inclusive me disse que precisaria do consentimento escrito dele ou de um familiar para conseguir um aborto legal (ao contrário, abortos por vontade da mulher são legais na Cidade do México durante as 12 primeiras semanas de gravidez).

A mesma mulher colocou cópias de supostos formulários de consentimento sobre a escrivaninha que nos separava. No papel, havia espaços para duas assinaturas. “Meu parceiro teria que assinar?”, perguntei. “Sim, precisa de um familiar ou alguém responsável”, ela me respondeu.

“Se seu intestino for perfurado ou se tiver dano no útero, se você tiver uma hemorragia que não se estanca, você estaria autorizando, junto com seu parceiro, se necessário, a retirada do seu útero”, continuou.

Veja abaixo vídeo e reportagem completa na Agência Pública