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População deveria estar em pânico com a destruição do SUS, único capaz de enfrentar o coronavírus

Em artigo publicado esta semana, a professora titular da USP e coordenadora do doutorado em Saúde Global e Sustentabilidade da Faculdade de Saúde Pública (FSP), Deisy Ventura, fez um alerta sobre como a destruição de um sistema público de saúde, como o SUS, pode ser perigoso em caso de epidemias como o coronavírus e outras emergências.

Postagem e Deisy Ventura (foto antonio scarpinetti – unicamp – div)

Os planos de saúde particulares não vão fazer nada e também não podem fazer nada contra a entrada de vírus no Brasil. Esses planos só serão acionados após você já estar infectado. A prevenção é responsabilidade de um sistema público bem organizado, com profissionais bem pagos, valorizados e qualificados. Como bem lembrou postagem de Patricia Jaime, o combate depende de um trabalho de vigilância sanitária e controle epidemiológico. “Todas as manchetes sobre o coronavírus que estão alarmando as populações mundo afora fariam melhor serviço se semeassem o pânico quanto ao desmonte dos sistemas públicos de saúde e à desvalorização da ciência”, afirmou Deisy Ventura. Veja artigo:

Coronavírus: não existe segurança sem acesso universal à saúde

.Por Deisy Ventura.

Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou quinta-feira, 30 de janeiro, que o coronavírus é uma emergência internacional de saúde pública, com base no Regulamento Sanitário Internacional vigente em 196 países desde 2007. A declaração produz efeitos positivos, como o de chamar a atenção dos governos para um tema de saúde, incentivar o compartilhamento de informações, inclusive científicas, e encorajar investimentos em pesquisa.

Mas também pode produzir efeitos negativos como o pânico, a inversão de prioridades em saúde pública e a profusão de notícias falsas. Pode, sobretudo, criar a equivocada impressão de que o coronavírus é atualmente a maior ameaça à saúde pública mundial, quando ele é não mais do que a ponta de um descomunal iceberg.

O coronavírus é a sexta emergência internacional declarada pela OMS. A primeira foi a gripe A (H1N1), entre 2009 e 2010, propagada a partir do México. A segunda foi a expansão do poliovírus, sobretudo em regiões de conflitos armados, declarada em 2014 e ainda em vigor. A terceira e a quinta referem-se ao vírus ebola, sendo declaradas, respectivamente, entre 2014 e 2015 na África Ocidental; e em 2019 na República Democrática do Congo. A quarta emergência teve como epicentro o Brasil: foi a síndrome congênita do vírus zika, em 2016.

É difícil comparar tais emergências porque suas causas e características são múltiplas e complexas. O traço comum entre elas é justamente o conceito de emergência de saúde pública de importância internacional (sigla em inglês: PHEIC). Segundo o Regulamento Sanitário Internacional, a declaração de emergência não se deve ao número de casos, à letalidade de uma doença ou mesmo ao desempenho dos países que são seu epicentro.

O que motiva tal declaração é o risco de propagação internacional da ameaça, além da necessidade de coordenação intergovernamental da resposta.

Em outras palavras, se cada Estado adotar medidas por conta própria, em uma escala que pode ir da negligência ao exagero, sem levar em conta informações e recursos compartilhados por centros de pesquisa, agências internacionais e outros Estados, as possibilidades de controle da doença serão radicalmente diminuídas, enquanto as de causar danos desnecessários serão muito aumentadas.

No plano das relações internacionais, há um elemento decisivo na nova emergência: o de ter a China como epicentro. O surto de Síndrome Respiratória Aguda Grave (sigla em inglês: SARS), ocorrido em 2003, também na China, teve crucial importância na história da saúde global. A tomada de consciência sobre o impacto do vertiginoso aumento do tráfego internacional de pessoas sobre a propagação internacional das doenças contribuiu para desbloquear as negociações do Regulamento Sanitário Internacional, que se arrastavam há anos. A relevância econômica e o regime político da China são complicadores que a OMS deverá gerir com máxima cautela durante esta emergência.

Devem ser igualmente objeto de cautela as liberdades fundamentais e a dignidade das pessoas. Segundo a Organização Mundial do Turismo, um bilhão e meio de viagens internacionais ocorreram em 2019 para fins de turismo e negócios. Comparado a este dado, o número de migrantes internacionais é muito inferior, sendo estimado em cerca de 300 milhões.

Mesmo o número de pessoas refugiadas não supera estimativas de cerca de 40 milhões. No entanto, em geral são migrantes e refugiados, e não turistas ou executivos, os alvos de represálias indevidas durante emergências sanitárias. Com razão, a OMS destaca em suas recomendações a importância de evitar a discriminação e o estigma por conta da origem, pois o que garante a segurança de todos é que as pessoas, em qualquer caso, sejam alvo de cuidado e respeito.

Por fim, cabe abordar a possibilidade de chegada do coronavírus ao Brasil, lembrando que só existe segurança sanitária verdadeira em sistemas capazes de cobrir a totalidade do território com acesso universal à saúde. A detecção de uma doença não pode depender de recursos financeiros para pagar um atendimento, e ainda menos a sua prevenção e o seu tratamento.

Este sistema já existe no Brasil: é o Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar de seu subfinanciamento crônico e incontáveis mazelas, o SUS revelou para o mundo a Síndrome Congênita do Vírus Zika, graças aos notáveis profissionais de saúde que atuam no sertão nordestino e aos centros de pesquisa que resistem aos ataques brutais à ciência brasileira recentemente intensificados.

Todas as manchetes sobre o coronavírus que estão alarmando as populações mundo afora fariam melhor serviço se semeassem o pânico quanto ao desmonte dos sistemas públicos de saúde e à desvalorização da ciência. Estes sim são as grandes ameaças à segurança da saúde global. (Do Jornal da USP)

Por Deisy Ventura, professora titular, coordenadora do doutorado em Saúde Global e Sustentabilidade da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP e presidente da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI)

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