O veto integral do presidente Jair Bolsonaro (PSL) ao Projeto de Lei 3.688/2000 que estabelece a obrigatoriedade da prestação de serviços de psicologia e de assistência e promoção social nas redes públicas de educação básica do país vem sendo criticado por representantes dos Direitos Humanos e Saúde Mental.

( foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

A justificativa utilizada no veto, após ouvir os ministérios da Educação e da Saúde, foi a questão orçamentária. “A propositura legislativa, ao estabelecer a obrigatoriedade de que as redes públicas de educação básica disponham de serviços de psicologia e de serviço social, por meio de equipes multiprofissionais, cria despesas obrigatórias ao Poder Executivo, sem que se tenha indicado a respectiva fonte de custeio”, diz a justificativa do veto.

Outro argumento é de que a proposta seria inconstitucional e contrária ao interesse público.

O advogado Ariel de Castro Alves, do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de São Paulo (Condepe) e ex-membro do Conselho Nacional de Direitos Humanos (Conanda), discorda. A proposta vetada, segundo ele, tem amparo constitucional e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), além de ser antiga demanda dos ativistas.

Castro Alves cita o artigo 227 da Constituição Federal, que estabelece: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

O veto foi publicado no mesmo dia em que o governo enviou o projeto de lei que reforma a Previdência das Forças Armadas, que permite aumento de salários e gratificações para este setor. A estimativa é que o governo gaste em dez anos R$ 14,9 bilhões a mais do que o anunciado inicialmente para a reestruturação da carreira dos militares.

Para Castro Alves, Bolsonaro se mostra insensível com a violência nas escolas, mesmo após o massacre ocorrido na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, e a casos como o do menino de 12 anos acusado de matar a menina Raíssa na semana passada. Segundo ele, tragédias com jovens que poderiam ter sido atendidos na escola e encaminhados para acompanhamento psicossocial.

“São questões relacionadas a conflitos entre os professores e estudantes, entre os próprios estudantes, principalmente nas escolas públicas”, completa.

Omissão

Após o massacre em Suzano, por ocasião do Dia Nacional de Combate ao Bullying e à Violência nas Escolas, em abril passado, o Ministério da Educação e Cultura havia anunciado a criação de um grupo de planejamento específico para trabalhar a questão da violência, e da formação de professores nessa questão.

O ativista critica a omissão e negligência do presidente da República com medidas de prevenção à violência. Segundo ele, o objetivo do governo é tornar o país um “verdadeiro faroeste”, armando a população.

“Ao mesmo tempo que ele [presidente] prega a redução da maioridade penal, que adolescentes sejam colocados num sistema prisional falido, superlotado, dominado pelo crime organizado, onde diariamente nós temos massacres, conflitos entre facções criminosas, ele não quer prevenir a violência entre os jovens, e por isso vetou essa proposta extremamente importante”.

O conselheiro do Condepe disse que a prática de veto à proposta de equipe técnica dentro da escola também foi adotada pelo então governador Geraldo Alckmin (PSDB). “Inclusive, o governo estadual acabou com um programa importante que era de professores mediadores. Demitiu professores mediadores, profissionais que estavam dando atendimento individualizado aos estudantes, para entender a origem de indisciplinas”, esclarece o advogado.

Psicólogos podem atuar na mediação de conflitos, ouvindo e aconselhando estudantes em situações de indisciplinas, bullying e outras violências. Também podem contribuir no aconselhamento de familiares, já que muitos dos conflitos começam no ambiente familiar.

Da mesma forma, os profissionais assistentes sociais estão capacitados para atuar em situações conflitivas, verificar estudantes que são vítimas de violência doméstica.

Parceria com saúde

Na proposta do ex-deputado José Carlos Elias, equipes com estes profissionais deveriam atender os estudantes dos ensinos fundamental e médio, buscando a melhoria do processo de aprendizagem e das relações entre alunos, professores e a comunidade escolar.

O texto ainda estabelecia que, quando houvesse necessidade, os alunos deveriam ser atendidos em parceria com profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS).

A coordenadora de Saúde Mental da Secretaria de Saúde de Suzano, Dulce Ramos, disse que a decisão de vetar o PL reforça o cenário de retrocesso nas políticas públicas e se traduz em perda.

“Com psicólogo e assistente social na escola, a [chance] de trabalhar muito mais a prevenção e promoção do que o enfrentamento direto a uma suposta violência que se direciona ao ambiente escolar”.

Segundo ela, os problemas de violência no ambiente escolar hoje estão muito concentrados na figura do aluno.

A gestora esclarece que o papel desses profissionais na escola pública não é para retirar o atendimento na saúde, mas promover o diálogo e orientação. “Trabalhar as relações no ambiente escolar, fazer prevenção, promoção, isso é uma política eficaz e fundamental.

O veto será analisado por deputados e senadores quando ele for incluído na pauta do Congresso Nacional. (Por Cecília Figueiredo – Do Saúde Popular)