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Governo Bolsonaro quer contratar sistema de satélite que ‘não existe’ e MPF também investiga

‘Sistema Planet’ de satélites que governo quer contratar ‘não existe’, alerta ex-diretor do Inpe

.Por Lilian Milena.

“Apelo a todos os jornalistas que cobrem o meio ambiente. Por favor, parem de errar. Não existe um ‘sistema Planet’, apenas imagens soltas que uns e outros querem comprar para maquiar sua pseudo-modernidade”, alerta Gilberto Camara, ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e atualmente membro do Group on Earth Observations (GEO), ou Grupo de Observação da Terra.

Gilberto Camara (foto de vídeo – you tube)

Em junho, o jornal Folha de S.Paulo revelou que representantes da empresa americana “Planet”, representada no Brasil pela “Santiago & Cintra Consultoria”, se encontraram com o ministro Ricardo Sales ao menos duas vezes neste ano.

Finalmente, no mês passado, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) divulgou um edital de chamamento público para prospectar eventuais fornecedores de serviços de monitoramento de solo via satélite, estabelecendo regras de dados que somente a “Planet” seria capaz de atender: alertas diários e com cobertura mínima de 3 metros por áreas.

Por meio da sua conta no Twitter, Gilberto Camara explicou que essas especificações não colaboram, necessariamente, para salvaguardar as reservas ambientais no país.

Apelo a todos os jornalistas que cobrem meio-ambiente. Por favor, parem de errar. Não existe um “sistema Planet”, apenas imagens soltas que uns e outros querem comprar para maquiar sua pseudo-modernidade. Segue o fio.

— Gilberto Camara (@gcamara) September 6, 2019

“Um sistema monitoramento ambiental com imagens requer, para começar, uma descrição do que se quer medir e como serão feitas as observações. Quantas classes serão informadas? Floresta nativa? Degradação leve? Degradação por incêndios rasos? Quais os tipos de queimadas?”, pontua

“Depois de definido o objetivo, é preciso criar o protocolo de interpretação, que relaciona o que se vê na imagem com o que se quer medir. Isso aqui é corte raso ou só uma queimada descontrolada? Esse protocolo tem de ser validado com muitas idas ao campo”, prosseguiu.

“Depois de muito trabalho de comparar as interpretações de imagens com a realidade, então podemos medir a validade estatística dos resultados. Qual a proporção de erros, acertos e omissões? É preciso saber se o sistema é confiável”, explicou ainda.

Segundo reportagens do G1 e do O Globo, o “sistema Planet” já foi testado gratuitamente no Pará no período de um ano, entre 2017 e 2018. Mas o contrato não foi renovado porque o estado concluiu que o serviço oferecido pelo Inpe, gratuito, já atendia as demandas para o monitoramento de florestas e de modo mais eficiente.

Os jornais apuraram ainda que o custo do plano mais básico do serviço de monitoramento da empresa norte-americana é de 1 a 2 dólares por quilômetro quadrado. No edital do Ibama, a exigência é de cobertura 1 milhão de quilômetros quadrados, com um custo anual estimado para a contratação do novo sistema de monitoramento de um R$ 7 milhões.

A proposta de contratação de um novo sistema de satélite suscitou também críticas de especialistas em sensoriamento remoto do Brasil, reunidos pela Academia Brasileira de Ciências do Rio de Janeiro, e entrevistados pelo jornal O Globo.

Eles apontam, primeiro, que o país não precisa de um novo sistema de monitoramento na Amazônia, uma vez que o Inpe já realiza esse serviço de graça e com eficiência.

Sobre a oferta do Planet de obter dados diários com resolução espacial de até três metros quadrados, eles rebateram que isso é pouco, considerando o alto nível de desmatamento na Amazônia e, ainda, que os dados da empresa americana levam muito tempo para serem interpretados, apesar de a captação ser diária.

“Para se ter uma ideia da demora em analisar o gigantesco volume de dados gerados pelo Planet, para que imagens de alta resolução espacial de uma área de 18 mil hectares seja analisada, é necessário um mês de cálculos de interpretação. Inútil na prática do dia a dia da fiscalização”, disseram os cientistas ao jornal.

Eles acrescentando ainda que os dados da companhia estrangeira não são abertos à sociedade, diferente das informações do Inpe, algo que ameaça à soberania nacional e aumentaria a dependência à uma empresa privada e não brasileira.

Segundo observações feitas ao G1 por Marcos Reis Rosa, coordenador técnico do projeto Mapbiomas, que usa dados pela Planet, a companhia americana utiliza mais de 120 microssatélites espalhados na órbita da Terra, do tamanho de uma caixa de sapato. Gilberto Camara questiona essa estrutura, reafirmando que a Planet, de fato, não existe.

“O tal ‘sistema Planet’ não existe. No jargão do vale do Silício, é ‘vapourware’. O que há de concreto é a intenção de comprar imagens sem saber como e porquê usá-las. Fazer um sistema é trabalho que exige seriedade, algo em falta hoje”, pondera

Vaporware é como são chamados softwares ou hardware anunciados por um desenvolvedor muito antes do seu lançamento, mas que nunca chegam a entrar em produção.

Investigação do MPF

Após o lançamento do edital do Ibama, o Ministério Público Federal do Pará abriu um inquérito para apurar as razões do órgão para contratar os serviços.

Em ofício para responder a questionamentos iniciais do MPF, o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim disse que “embora o Deter

tenha se constituído no passado em uma exímia ferramenta de gestão da fiscalização ambiental, […] atualmente os agentes dos ilícitos ambientais já se adaptaram à tecnologia”.

O documento do Ibama ainda faz elogios ao sistema oferecido pela Planet: “São inegáveis a maior velocidade de detecção dos polígonos e a maior precisão das imagens obtidas”, pontuou.

O Inpe também enviou ao MPF um ofício dizendo que não foi consultado ou informado sobre o chamamento público lançado pelo Ibama para contratar uma nova empresa de monitoramento por satélites. (Do GGN)

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