Patrimonialismo e mandonismo: a verdadeira face do Future-se
. Por Sandro Ari Andrade de Miranda.
Qual seria a sua posição diante da possibilidade de repasse de bens públicos sem licitação para uma instituição privada? Que bens públicos, como laboratórios e prédios fossem doados graciosamente para terceiros? Se professores com dedicação exclusiva para as atividades de pesquisa, ensino e extensão pudessem realizar serviços “por fora” para grandes empresas?
Que unidades acadêmicas, como o Salão de Atos da Reitoria da UFRGS passasse a ser conhecido como “espaço Coca-cola”? Que laboratórios e hospitais que hoje desenvolvem pesquisas avançadas para a cura de doenças e atendem gratuitamente à população passassem a prestar serviços para caríssimos planos de saúde? Ou que os mesmos laboratórios que hoje trabalham na pesquisa da cura do câncer fossem redirecionados para a produção de cosméticos?
Ocorre que tais situações absurdas são apenas algumas das hipóteses concretas de acontecimentos que devem ocorrer caso o Future-se seja aprovado e posto em execução.
A escolha do verbo “devem” é uma forma de deixar clara a situação, não é uma condicionalidade, uma faculdade para as instituições, mas um imperativo. A “pseudo-autonomia” proposta pelo atual comando do Planalto e do MEC não tem nada de autonomia, é uma forma clara de privatização do ensino superior, da pesquisa e extensão pública e escravização destas aos interesses do mercado.
Na verdade, o projeto vai além, não destrói apenas com a predominância do interesse público, mas resulta na mudança da ética acadêmica, trocando o saber e o conhecimento pelo ganho privado. Espaços que hoje são utilizados para estudo e desenvolvimento de atividades de pesquisa devem ser transformados em lojas, bancos e outras formas de comércio.
A lógica do shopping center é a consequência de uma proposta que em momento algum fixa metas de desenvolvimento científico, cultural ou de ensino, mas tão somente as de capitalização financeira. [Deveria se chamar Fature-se]
Não há nada de novo no Future-se. É o mesmo projeto dos “acordos MEC-USAID” firmado pela ditadura, ou da fracassada proposta de Ensino Superior para a América Latina apresentada pelo Banco Mundial na década de 1990, ressemantizada e carregada de terminologias pirotécnicas sem significado algum, como empreendedorismo e modernização.
Ocorre que a chamada modernização é, na verdade, o velho ranço patrimonialista que visa afastar os serviços públicos das regras de controle público e dos princípios constitucionais da moralidade, da publicidade e da impessoalidade. A eventual transferência de instituições de ensino para entidades privadas seria uma negociata sem precedentes, um retrocesso à cultura do mandonismo da República Velha.
Se a educação superior no Brasil caminhou desde a democratização pelos caminhos da transparência, do mérito científico e da racionalidade acadêmica, tudo o que o bolsonarismo pretende é o caminho inverso, vender o que for possível e da pior forma, desde que aplaque o desespero de ganho dos setores representados no atual governo.
Sandro Ari Andrade de Miranda é advogado e doutor em Ciências Sociais