Para além das reações emocionais ao duro discurso contra Lula e o PT do ex-candidato à presidência da República, Ciro Gomes, em entrevista a BBC Brasil, o mais importante é entender o movimento político do pedetista.

(imagem – foto de video bbc-youtube)

A entrevista de Ciro Gomes deixa claro qual o movimento que ele pretende fazer nos próximos anos. Ele já se lançou candidato a presidente da República em 2022 e vai manter uma agenda pelo Brasil.

Ciro acredita que pode abrir um espaço entre o PT e a extrema-direita bolsonarista. É uma aposta difícil e ele mesmo reconhece isso na entrevista. No entanto, ele tem certeza que o antipetismo vai ser alimentado nos próximos anos. Mas também precisa se diferenciar das ilegalidades da extrema-direita judicial e chama o ex-juiz Sérgio Moro de criminoso.

Os ataques ao PT é uma aposta arriscada e seria uma forma de se diferenciar e agregar num espectro entre a esquerda e a extrema-direita, o mesmo caminho que trilhou nas eleições passadas.

A aliança com o PT está fora de cogitação e só aconteceria se o bolsonarisimo se radicalizar em busca de legalizar um regime autoritário. Muita água deve passar por debaixo da ponte nos próximos anos, mas Ciro já definiu seu caminho.

Veja trechos da entrevista a BBC:

O erro do PT nas eleições de 2018

“O Haddad, na minha opinião, sendo uma boa pessoa, entrou nisso como consequência de uma grande fraude que estava perdida de véspera. Pouco importa que atitude eu tomasse, a grande força dominante no debate brasileiro era o antipetismo.”

O Haddad é uma fraude cuja origem eu denunciei ancestralmente, porque foi transformado num vice, convidou a Manuela para ser um terceiro não sei de quê de uma candidatura do Lula. Toda burocracia do PT sabia, como todas as pedras no caminho sabiam, menos o nosso povo mais simples, que o Lula não podia ser candidato por uma lei que ele próprio colocou em vigor, a lei da ficha limpa. …Por que não se cogita o inverso? Por que o PT nem de longe, nem remotamente, cogitou retirar a candidatura? Se quer me criticar, por que que não inverte? Ele perdia em todas as simulações e eu ganhava em todas as simulações.

A minha dureza com o Haddad é que ele se prestou ao papel de fraude e isso eu vou dizer com todos os esses e erres. E na campanha se comprometeu com a autonomia do Banco Central, com o movimento autoritário, golpista, de uma constituinte que o Lula mandou ele falar. Ninguém entendeu nada no debate. Eu cobrei isso [dele] só porque nós temos valores. [Perguntei a ele] “Haddad, que história é essa que está no teu programa sobre uma constituinte?”. Ele disse “não, foi o Lula que mandou botar”. Ele disse assim, quase igual com as palavras que eu estou usando.

PT de direita

Quem disse que esse PT é de esquerda? É uma pergunta muito simples. O que é ser de esquerda? Olha aqui, eles governaram o Brasil por 14 anos e nós temos o sistema tributário mais regressivo do planeta Terra. Que o inglês fique sabendo que o imposto aqui sobre lucros e dividendos empresariais não existe. Só no Brasil e na pequena Estônia, no leste da Europa, não tem esse imposto. (…)

Onde está o esquerdismo? O Brasil tinha 30% do PIB industrial e hoje é 11%. O Brasil tem a maior crise de endividamento das famílias e das empresas da história. Isso tudo foi político do Lula e da Dilma. Isso não tem nada de esquerda, é populismo, caudilhismo, culto à personalidade. …No Brasil, é tudo fraude. Então, o PT é um partido de centro-direita, na prática. Por quê? Porque aplicou o neoliberalismo e tentou humanizá-lo.

Ditadura

“Agora, se é isso que pensa o Bolsonaro, a gente precisa dizer com clareza para ele que a imoralidade do PT nos divide, a agenda de costumes tosca nos divide, mas na defesa da democracia nós vamos tocar fogo na rua, fique seu Bolsonaro sabendo. Ele que não avance na direção disso, porque a minha geração sabe o que custou retomar a democracia e ele se elegeu por conta de democracia”, continua Gomes, que afirma já estar em campanha para 2022.

Esse núcleo militar imaginou que num país latino-americano, de tradição autoritária, e no qual a intervenção das sargentadas ciclicamente acontecia na nossa história, iria tutelar o Bolsonaro, por quem eles têm um profundo desprezo. E está sendo o oposto. (…)

Então o Bolsonaro, um fascista, um projetinho de Hitler tropical, burro que só uma porta, se afirma de centro. Bolsonaro é ultradireita e não é tão ultradireita porque nem liberal é. É um fascista.

Os inúmeros apoios ao PT

Deixa eu falar. Em 2014, eu engoli muito cocô com arame farpado para curar a rejeição da Dilma. Foi isso que me pediram para fazer de novo. Em 2010, o Lula inventou a Dilma para continuar mandando no país, botando na Presidência da República uma pessoa que não tinha nenhuma experiência política e eu fui lá e ajudei.

É doído dizer isso, mas o Lula se corrompeu. Ele virou sabe o quê? Um caudilho sul-americano. É o culto à personalidade. Toda a agenda do país agora é refém do egoísmo do Lula

Em 2006, eu tirei minha candidatura e apoiei o Lula na reeleição dele. E não era trivial, não, porque havia o escândalo do mensalão. Essa petezada agressiva agora afrouxou toda, correu todo mundo embora, e eu estava seis e meia da manhã todo dia para esconjurar esse golpe. Em 2002, apoiei o Lula no segundo turno. Não chega, não? Até quando eu vou ter que engolir em nome de uma pseudounidade que essa gente se aproprie o país, roube feito um condenado, se acostume com a vida e as frivolidades da burguesia?

Frente com o PT

Acho que todas as tentativas do PT de anunciar uma frente de esquerda têm dois vícios. Primeiro: não é nenhuma intenção boa do PT de fazer frente de esquerda, eles querem subjugar o pensamento progressista ao pragmatismo deles, ao hegemonismo deles. Sem nenhuma visão de Brasil.

Podemos fazer essa discussão: qual é a visão de Brasil do PT? Qual é a proposta? Qual é a matriz? Qual é o projeto? Para gente poder refletir se isso é progressista radical, progressista moderado, centrista e tal. Não tem esse projeto, nunca teve.

A segunda questão é que o Brasil não cabe na esquerda. Sabe? (…) O PT não entendeu nada do novo Brasil neopentecostal, evangélico e como não tem proposta de esquerda, nenhuma, se refugia no identitarismo. Então tem uma imensa afinidade com as teses identitárias, como se a soma de interesses identitários desse um interesse nacional. Isso não existe.

O que eles estão fazendo? Se você não for petista, você é Bolsonaro. Que conversa é essa? Eu não sou petista nem sou Bolsonaro e quero falar para os 50% de brasileiros que não são petistas nem Bolsonaro.

Moro

Sabe, eu falo a verdade. “Ah, quem é anti-PT não pode falar do Moro!”. Ora, o Moro é criminoso, é um politiqueiro. O Moro passou de qualquer limite do razoável. Sou um profissional de Direito, um professor de Direito. “Ah, então nesse caso você está contra o Moro e a favor do PT”. Não, se tem um brasileiro que sabe que o Lula não tem nada de inocente sou eu. Olha como é difícil minha vida.

Tabata Amaral

Ela estava fazendo uma aposta na ignorância das pessoas, e isso é desonesto. Porque o sistema de Previdência que eu defendia era casado com uma reforma tributária. Eu estabelecia que nós iríamos cobrar um imposto sobre lucros e dividendos que arrecadaria R$ 70 bilhões num único exercício, no primeiro exercício possível, e estabeleceria um corte de 20% nas renúncias fiscais, o que arrecadaria mais R$ 80 bilhões, atenuando o deficit estratégico do país.

E iríamos fazer um sistema de Previdência baseado em três pilares. Um [seria o] de renda mínima, de um salário mínimo para todo brasileiro independentemente de ter podido ou não contribuir, em direção, inclusive, ao futuro do não-emprego, dessa imensa geração de brasileiros que não vai ter nenhuma capacidade de assumir os empregos modernos, por falta de preparo, capacitação e treinamento – ela conhece os números disso; o segundo [seria o] de repartição, com um teto de até R$ 4,5 mil, que tirava 80% das pessoas, e um terceiro pilar de capitalização, público, com contribuição patronal e sob o controle dos trabalhadores. … Isso é o oposto do que ela votou, que era privado, sem controle dos trabalhadores e tirando a contribuição patronal. … Portanto, não é honesto o argumento.

O erro do PSDB

Se o PSDB deixasse o tempo influir, teria ganhado as eleições. Ao estabelecer um clima de ódio, rancor e a sensação de golpe para muitos, predispôs o Brasil à negação da política e das suas linguagens, seus limites, seus ritos e deu no que deu: um fascistoide como o Bolsonaro, completamente despreparado, que navegou nessa onda de ódio.

Democracia com Bolsonaro

Agora, todo mundo está vendo a mesma coisa: se ele cometer um crime de responsabilidade doloso, não tem conversa, vai para o impeachment. Mas se não cometer, eu, por exemplo, não participarei de nenhum tipo de golpe contra o Bolsonaro. Governo é assim: se a gente elege ruim, a gente aguenta. E no presidencialismo aguenta por quatro anos. Se a gente elege um bom presidente, a gente recebe de volta o acerto do nosso voto. Isso tudo é pedagógico e a gente tem que insistir nesse regime errado, que é o presidencialismo, mas o povo também optou pelo presidencialismo.

O Bolsonaro é uma ameaça real à qualidade da nossa vida republicana. Neste momento, eu não o vejo como ameaça à democracia. Acho que o PT fez uma chantagem emocional, de que a eleição do Bolsonaro era uma ameaça à democracia, isso é terrorismo, terrorismo do mais puro. Bolsonaro, até o presente momento, não transgrediu a virtude democrática, o regramento democrático.

A democracia está mal. E não que está mal agora, está mal há muito tempo. Então quando você tem um presidente da República que diz que o presidente da Ancine tem que ser um cara evangélico, ele está violentando tradições republicanas mundiais, universais, iluministas, introduzindo na vida brasileira uma coisa que nós não precisávamos: o fim da laicização do Estado, essa mistura macabra de política com religião, e tudo isso é uma deformação de costumes.

Mas não o vi transgredindo ainda, vamos dizer, o regramento democrático. E nisso nós precisamos fazer uma homenagem ao Congresso brasileiro. Eu tenho tudo contra a maioria que se formou do Congresso pela agenda conservadora, mas o Congresso tem contido o Bolsonaro no ambiente do regramento democrático. (…)

Veja vídeo da entrevista concedida à repórter Ingrid Fagundez: