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Após o 7 de setembro, finda a exposição grotesca do governo mais entreguista da história

Debatendo o conceito de imperialismo no século 21

.Por Bruno Lima Rocha.

Introdução

Alguns debates são urgentes, não podem ficar para outro dia. Quanto mais urgente é sua temporalidade, mais rigor e cuidado é necessário para avançar teoricamente. Se a meta for fazer campanha, panfleto, difusão doutrinária, algo muito relevante, aí a pressa é outra e tudo fica para o curtíssimo prazo. Não é o caso dos textos deste analista quando faz análise.

(foto fabio rodrigues pozzebom – ag brasil)

Nas redes sociais a presença é outra, mas na palavra escrita, toda a precisão é fundamental. Como já foi por mim descrito na primeira parte do debate, imperialismo se contrapõe, imperialismo se contrapõem e nacionalismo tem um significado nos países que são ou foram potência – e tem vocação, pretensões de expansionismo – e outro em países do Sul Global, da periferia do planeta e por vezes também na Semiperiferia, tal é o caso brasileiro.

Cabe ressaltar que o tema do desenvolvimento capitalista também pode ser anti-imperialista, mas jamais rompe em si com a dominação interna e tampouco supera a luta de classes em sua versão latino-americana, a luta popular.

Acabaram os “festejos” do sete de setembro; finda a sensação grotesca do governo mais entreguista da história “comemorar a independência” que de fato não há por completo, vejo como necessário mergulhar no tema do imperialismo e alguns modelos para descrever este conceito.

O problema da modelagem na teoria

Ao contrário de muitos colegas, não consigo tragar, engolir ou digerir modelos. É impossível pensar fora deles, ao menos supondo que os modelos são construções conceituais com alguma coerência interna. Mas a total abstração modelada serve mais como difusão de doutrina – o que vale na luta política e ideológica- mas nunca como TEORIA.

Há uma coleção de modelistas de várias cores e matizes. Destes, vamos da calhordice mais pura e simples, como o homus economicus dos neoliberais, passando pelo sincericídio de Milton Friedman – quando este afirma que seu modelo é “racional” porque ele, Friedman, diz que é. Vale observar; quem tiver curiosidade ver Essays in Positive Economics com trechos do próprio nas páginas 13 e 19.

A defesa desse absurdo é reproduzida nas teses de “ciência” política da escola de Chicago, incluindo o próprio Anthony Downs, bibliografia gringa e reducionista que se fez obrigatória nos cursos da área). Ou seja, a modelagem abstrata, incluindo os pressupostos total ou parcialmente falsos que Friedman assume, vai da estupidez da doutrina neoclássica até a complexidade da interdependência nos estudos das ciências sociais em geral, nas relações internacionais (RI) em particular.

Falando em RI e entrando no mérito do imperialismo como conceito operacional e verificável, será que a interdependência supera o realismo? Dúvida cruel nas Relações Internacionais para a qual posso tentar responder por um viés nada convencional. Em geral, os modelos operam para referendar a própria modelagem e existe uma crença reforçada, crença mesmo, que a interdependência pode ser – ou que seria – multidirecional.

Afirmo o oposto. Existe Interdependência e existe o realismo duro, brabo, baseado em criar excedentes de poder, projeção de força – hard power – através de análise geopolítica e geoestratégica. Existe tudo ao mesmo tempo, e o jogo pode ser dar em escala global ou em escalas regionalizadas ou setoriais.

Por que esse fenômeno se caracteriza como imperial ou imperialista? Simplesmente porque o arranjo de poder na camada superior de Estados com assento permanente no Conselho de Segurança da ONU consegue impor suas vontades mesmo que estas estejam presas numa trama através de controles e desenhos estratégicos das cadeias globais de valor, da vigilância dos três sistemas de telecomunicações e cibernéticos que não se conversam (EUA, China e Rússia) além de controles de cadeias de alto valor agregado, royalties e segredos tecnológicos – como o embate da Huawei do 5G – e todas as capacidades de gerar a internalização de interesses de um Estado, centro de poder ou instituições vindas de uma soberania sobre outra.

Não, a Interdependência não se manifesta de forma simétrica, e sim, esta reflete toda a assimetria realmente existente no Sistema Internacional. Se cruzarmos a Interdependência com a capacidade de gerar influência cultural de um Estado sobre os demais territórios, aí a assimetria entra em níveis astronômicos. No mundo da produção de riquezas também. Podemos observar a Interdependência se manifestar no bloqueio ou embargo econômico sobre alguns países, tais como Irã e Venezuela. No primeiro, a ação imperialista dos gringos afeta medicamentos de alta complexidade que não são produzidos no bom parque farmacêutico do Estado persa. Logo, há uma maior necessidade de apelo a redes de contrabando, ou se sobrecarrega a ação diplomática com países que não estabelecem o embargo. O mesmo se dá no mercado de tecnologia, onde consumidores iranianos dependem de acesso através de mercado chinês.

Já na Venezuela, a agressividade se dá em todos os níveis. Há congelamento de contas externas; sequestro de depósitos em reservas ou metais; apagam o país de quase todas as operações junto ao Sistema Swift e nestes momentos, quem tem capacidade instalada vive e quem não tem sobrevive. No período da Guerra Fria, a União Soviética assegurava através de convênios tecno-científicos alguma modernização controlada – como com Cuba, que houve avanços importantes em áreas fundamentais. Mas, é bom lembrar, o Kremlin jamais permitiu a instalação de um parque industrial na ilha.

Agora no Pós Guerra Fria e com a chance de contrabalançar o poder Anglo Saxão confrontado a uma aliança Eurasiática, sendo que toda a economia mundial é de base capitalista privada – sequer temos mais o Capitalismo de Estado como no “socialismo” real – a ajuda e os convênios da Rússia com a Venezuela são muito mais tímidos, embora importantes. Já a presença da China sempre joga em vários níveis simultâneos, podendo tanto ser um aliado estratégico no Grande Jogo dos BRICS como pode virar a mesma balança e ver este ex-quase aliado se transformar em alvo de economia predatória, tal é o caso brasileiro.

Escapar da Interdependência mono-direcionada – a exemplo do que vem ocorrendo com o Paquistão na Ásia Central e sua cada vez maior necessidade de render-se aos termos de Beijing para tentar se livrar de Washington – seria um desígnio de todo país soberano ou nação que deseje ser dona de seu próprio destino.

Para não dizerem que esqueci do óbvio, cabe observar. O conjunto de pressões advindas dos EUA é nosso pesadelo de cada dia. E a ausência de reciprocidade até na famigerada “Cooperação Jurídica Internacional” é uma das facetas mais asquerosas deste domínio. Isso sem falar no estamento jurídico fascinado por dar palestra em Washington.

O controle dos sistemas como exemplos de ação imperialista

Para além dos debates de modelagem e a eterna polêmica se há um conceito e um imperialismo ou imperialismos, existem realidades complexas no Sistema Internacional e estas não cabem nos jogos interpretativos, tanto os acadêmicos como os das correntes de esquerda. Conceito é importante, mas se o conceito não incide e analisa, o conceito é propaganda doutrinária no formato conceitual. Ou seja, serve para fazer propaganda partidária (o que é muito importante), mas jamais para analisar e menos ainda intervir.

Dito isso, reitero: entendo que existem imperialismos, e áreas de influência. A superpotência consegue se impor no mundo inteiro? Não, mas quase. A expansão da Nova Rota da Seda e dos cinturões chineses vai da extrema segurança, como nos territórios conexos ao Estado Confuciano, indo até às áreas de influência na África e os investimentos no setor primário na América do Sul. Já os territórios conexos ao Estado Russo, são muito mais “quentes”, uma vez que a dissolução da União Soviética é considerada – pelo próprio Vladimir Putin – como a “maior tragédia geopolítica do século XX”. Logo, de forma direta ou indireta, a Superpotência pode exercer seu exercício permanente de projeção de poder através de alguns mecanismos.

Se pensarmos o comércio de longa distância e a capacidade de operar como praça bancária como sendo um dos trunfos do capitalismo em sua etapa mercantil (aqui me afiliando diretamente a tradição de Braudel e Arrighi, este último com quem tenho mais familiaridade), a penetração tanto de mercadorias produzidas ou transformadas em um centro específico como a base transacional destas – e as formas de compensação – estamos por tanto diante de uma gigantesca teia de aranha. Isso porque a presença de redes cibernéticas controladas, passando por mídias sociais que já ultrapassam a mediação forçosa dos conglomerados de comunicação burgueses, faz com que a maior parcela da humanidade esteja sob a vigilância do Pentágono e seu Complexo de Inteligência (sugiro acompanharem os textos de Ricardo Camera no tema). Isso sem falar no FCPA e derivados, a base “legal” de uma “auto autorização” dos Estados Unidos reivindicando para si o “direito” de ser a polícia do mundo, ao menos do mundo que transaciona sobre ou com alguma parcela deste país.

Ou seja, o mundo inteiro está sob a mercê da tutela ou da capacidade punitiva do Departamento de Justiça. Qualquer semelhança com o acordo de compliance da Petrobrás e a fixação dos preços do combustível no mercado interno brasileiro segundo as especulações do Barril Brent não se trata de “coincidência” e sim de intencionalidade imperialista. Simples e duro assim.

Podemos observar um exemplo mais evidente, como no papel da agricultura de escala, de alta intensidade e voltada para a exportação em um país como o Brasil. Em 2017 no Mato Grosso, o custo com sementes transgênicas por hectare girava em torno de R$ 139 a R$162. De 2013 a 2017 houve um aumento deste custo da ordem de 653,48% apenas em royalties de biotecnologia no Mato Grosso (ver http://www.agrolink.com.br/noticias/produtores-mato-grossenses-pagam-r–916-milhoes-em-royalties-para-plantar-soja?fbclid=IwAR2Tn-r6ZJQp6_dDjq_FNCsiXVUSBaN1MfNIjs07ey1CIPFV89D-r9yz0_I).

Ou seja, a dependência dupla – na matriz primário exportadora e na ciência aplicada nesta economia pós-colonial – significa a subalternidade no Sistema Internacional, neste caso para a Bayer (de matriz alemã ainda no período da unificação sob comando prussiano) uma vez que esta comprou a igualmente famigerada Monsanto (EUA) -iniciando a fusão em 2016 e concluindo-a em 2018.

A China, através da empresa estatal ChemChina, comprou a suíça Syngenta em 2016, e disputa este mesmo mercado de subordinação das economias primárias. Como é possível considerar que só existe “um imperialismo” depois disso?!

Bruno Lima Rocha (blimarocha@gmail.com / t.me/estrategiaeanalise / https://estrategiaeanaliseblog.com/) é doutor e mestre em ciência política e pós-doutorando em economia política; professor universitário nos cursos de relações internacionais, jornalismo e direito; membro do Grupo de Pesquisa Capital e Estado (https://www.facebook.com/capetacapitaleestado/)

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