A seletividade da Operação Lava Jato chegou ao ponto de escolher qual setor poderia permitir o risco de quebrar e qual não poderia. O empresário e lobista Adir Assad foi condenado por lavagem de dinheiro e tem suas digitais em diversos escândalos de corrupção – inclusive na Petrobras, alvo da Lava Jato.
Os bancos brasileiros “faturaram muuuuuuito” com suas movimentações bilionárias. Mas apesar de terem passado pelas mãos dos procuradores da Lava Jato suspeitas de crimes graves cometidos pelas instituições financeiras, os agentes do Ministério Público em Curitiba – diferentemente do que fizeram com as empreiteiras – preferiram deixar o setor mais concentrado e lucrativo da economia brasileira de fora.
Segundo as novas revelações da Vaza Jato, publicadas nesta quinta-feira (22) pelo El País, em parceria com o The Intercept Brasil, a República de Curitiba encarregada de tocar a operação preferiu buscar acordos com os bancos em vez de fuçar as suspeitas. Enquanto desenhava a estratégia, o coordenador da operação, Deltan Dallagnol, fez palestra na Federação Brasileira de Bancos (Febraban), informa o site.
A frase do procurador Roberson Pozzobon, um dos colegas de Dallagnol na Lava Jato, postada em conversa no grupo de procuradores no aplicativo Telegram, não deixa dúvidas de que esses integrantes do Ministério Público sabiam muito bem com o que estavam lidando: “O Banco, na verdade os bancos, faturaram muuuuuuito com as movimentações bilionárias dele (Adir Assad)”.
Procuradores sabiam da corrupção dos bancos
Ao analisar as operações do doleiro, haviam descoberto que Assad tinha conta no Bradesco nas Bahamas para lavar dinheiro “a rodo”. E que, em 2011, o Compliance Officer, setor responsável por fazer o banco cumprir normas legais, teria alertado o Bradesco de que havia algo errado com essa conta. “E o que o Bradesco fez?”, perguntou Pozzobon. “Nada”, ele mesmo responde, de acordo com a reportagem.
Deixaram de ser investigadas a omissão dos bancos a respeito de movimentações suspeitas e o uso de informações privilegiadas do Banco Central. E a parte da delação premiada negociada entre a força-tarefa e o ex-ministro Antonio Palocci que dizia respeita à falcatrua dos bancos foi deixada de fora do acordo – “ainda que o ex-ministro tivesse afirmado que houve prática de crimes de grandes instituições financeiras”, prossegue a reportagem. “O banco Safra aparece 71 vezes ao longo das 87 páginas de proposta de delação premiada do ex-ministro entregue à força-tarefa e obtida pelo El País. O banco Bradesco, outras 32.”
Mais grave ainda, os procuradores já tinham conhecimento do envolvimento lucrativo dos bancos em corrupção mesmo antes da delação de Palocci. E já haviam optado pelo “desinteresse” nos casos. Escolheram como estratégia fazer acordos com os banqueiros, e não investigar a fundo seu modus operandi, ao contrário do que fizeram com as empreiteiras. Para as grandes construtoras, o objetivo era ir fundo para responsabilizá-las. Para os bancos, o objetivo foi negociar acordos “a título de indenização por lavagem de dinheiro e falhas de compliance”.
Essa opção, segundo conversa entre os procuradores, levava em conta o chamado “risco sistêmico”. Ou seja, a Lava Jato tinha consciência da paralisia que provocaria nos negócios do setor de óleo e gás – afetando toda uma economia e empregos decorrentes de uma gigantesca cadeia produtiva liderada pela Petrobras. Sabia que o setor de infra-estrutura capitaneado pelas grandes empreiteiras abalaria igualmente a atividade econômica brasileira. Mas teve receio seletivo em relação à “segurança” do sistema bancário.
As receitas das empreiteiras envolvidas na Lava Jato caíram 85% desde 2015. Já os lucros do sistema bancário não param de bater recordes, com crise ou sem crise, com PIB em alta ou com a economia despencando.
Fica escancarada mais uma faceta da seletividade que define o caráter de toda a Operação Lava Jato. A escolha dos delatores foi determinada de acordo com a conveniência. Alguns trechos das delações interessavam, outros não. Outros, ainda, tinham de ser alterados ou adequados ou inventados para satisfazer a incriminação dos “réus” que a força-tarefa pretendia condenar e encarcerar. Para contribuir com essas condenações, vazamentos seletivos de informações sigilosas eram distribuídos para a imprensa corporativa, como o Jornal Nacional.
Aliás, a seletividade de caráter leva também personagens como Sergio Moro e Deltan Dallagnol a crer que os seus vazamentos são mais legítimos do que os outros. Como seletiva também é a Globo, que adorava receber ou repercutir os vazamentos seletivos da Lava Jato. Mas tenta ainda hoje omitir, desqualificar ou criminalizar as revelações da Vaza Jato. -Da RBA)
Leia a reportagem completa do El País.