O trabalho de assessoria de imprensa cresceu muito nas últimas décadas ao mesmo tempo em que os meios de comunicação empresariais diminuíram suas redações. Parte do trabalho que era feito exclusivamente pelos meios, hoje é feito pelas assessorias bem estruturadas e qualificadas.
Mas existem alguns momentos em que o jornalista assessor de imprensa trabalha contra a própria empresa, organização ou instituição. Vou revelar aqui alguns casos verídicos que aconteceram com a Plataforma Carta Campinas, sem revelar nomes para não causar polêmicas desnecessárias. Mas o texto pode servir de material para discutir o papel dos assessores de imprensa.
A Plataforma Carta Campinas procura ser bastante rigorosa com os créditos, principalmente em respeito ao leitor. Fomos o primeiro jornal do país a incluir ao final do texto “com informações de divulgação”, quando trabalhamos ou editamos textos ou parte de textos feitos por assessorias de imprensa. Normalmente, isso não acontece nos jornais, mas é uma prática normal e correta porque o material de assessoria é para servir para isso mesmo, auxiliar o jornalismo.
Também inovamos jornalisticamente com relação ao “ouvir o outro lado”. Diferente da TV, rádio ou jornal, veículos antigos de mídia, a internet permite que o comentário seja incluído no próprio texto da publicação, formando um único texto, basta escrever e enviar. Assim, é possível publicar ou responder questionamentos sem intermediação. O jornalismo da plataforma Carta Campinas é totalmente digital. Enquanto os meios de comunicação antigos trabalham em horário comercial, na internet o sistema de comentários fica 24h no ar e está livre para manifestações e comentários de qualquer cidadão. Ou seja, é uma mudança e tanto a intertextualidade provocada pela rede mundial de computadores. (Veja LINK).
Percebemos, diante da inovação tecnológica, que não fazia mais sentido antecipar o “ouvir o outro lado” com empresas e instituições que usam recursos gratuitos ou pagos de alertas sobre citações na rede mundial de computadores. Isso sem contar com a valorização de um outro lado que, por exemplo, comprovadamente cometeu violência contra pessoas, empresas ou toda a sociedade. Essa é uma grande discussão dentro do jornalismo, não vamos entrar nesses conceitos. Mas é nesse caso que surge nossa primeira história sobre como uma assessora de imprensa pode trabalhar contra a própria empresa.
Noticiamos, a partir do belo trabalho de assessoria de imprensa do Ministério Público, que uma empresa da região de Campinas havia contaminado o solo e destruído a saúde de pessoas e famílias com contaminação. O fato estava concluído na Justiça, a empresa reconheceu o crime cometido e pagou indenização. Em um país mais sério, os dirigentes dessa empresa estariam presos e a empresa funcionando. Mas estamos no Brasil, não é mesmo. Aqui é um pouco, vide Lava Jato: os corruptos soltos vivendo em mansões e as empresas quebradas.
Pois bem, a assessora da empresa entrou em contato de forma arrogante perguntando se tínhamos diploma de Jornalismo porque não ouvimos “o outro lado”, ou seja, os criminosos. Dissemos que os editores não só tinham o diploma de Jornalismo, mas também os títulos de Mestrado e Doutorado nas melhores universidades do Brasil, além de experiência com pesquisa no exterior e cobertura jornalística internacional. Up, God! A assessora de imprensa de uma empresa contaminadora de pessoas e do meio ambiente queria nos ensinar jornalismo. Ninguém quer ensinar física quântica, mas jornalismo parece que não faltam professores.
Para nós, a assessora se portou como o espelho da empresa, que não só contamina o solo e pessoas, mas também impõe uma condição de trabalho contaminada, arrogante e agressiva. É um caso típico de criminoso querendo influenciar a sociedade em igual direito com a vítima. Ouvir o outro lado é problemático e precisa ser muito bem posto pelo jornalismo. Claro que a qualquer sinal de parcialidade da Justiça, as coisas se invertem. Nesse caso específico não havia, visto que a empresa reconheceu judicialmente as negligências praticadas.
Num outro caso bastante estranho, um grupo de teatro contratou uma pessoa para assessorar na área fotográfica. A fotógrafa fez imagens das peças de teatro e foi paga por isso. Ou seja, o grupo de teatro comprou os direitos sobre as fotografias e por isso as usou em releases que foram produzidos, inclusive pelo Sesc, e divulgados como imagens de divulgação. Trabalhamos gratuitamente para o grupo de teatro, divulgando seus eventos. E não é que a fotógrafa decidiu processar todos os meios de comunicação que divulgaram a peça de teatro porque nas imagens não havia o nome dela nos créditos, mas apenas “divulgação”. É inacreditável, mas é isso mesmo. Ela vendeu os direitos e depois cobrou os direitos que ela vendeu. A Plataforma Carta Campinas excluiu todas as postagens do grupo de teatro. Ou seja, o assessor trabalhou contra a pessoa que o contratou. O mais interessante é que a fotógrafa, em nenhum momento, entrou em contato para simplesmente pedir para incluir seu nome, o que teria sido feito, acredito, por todos os meios de comunicação. Mas, nesse caso, ao que tudo indica, o crédito não era para a imagem, mas sim para a conta bancária.
Esse caso é ainda mais interessante. Um grande texto de um jornal ‘house organ’, feito pela assessoria de imprensa da instituição, continha algumas informações interessantes para o público, mas o formato enfadonho da publicação e a arquitetura web cansativa dificilmente faria com que essas informações atingissem um grande público.
Então, a Plataforma Carta Campinas pesquisou e garimpou essas informações dentro do enorme texto da assessoria de imprensa, alterou o texto, editou e publicou informando a origem das informações, ou seja, dando o crédito para a instituição. Isso inclusive em respeito ao assessor de imprensa, visto que qualquer jornalista sério em redação de jornal não aceita ver seu nome em um texto alterado pelo editor. Aliás, essa foi uma discussão minha no mestrado na USP (LINK de artigo científico).
Valorizando as informações e o formato, a informação valiosa para a instituição começou a bombar nas redes sociais e poderia atingir um grande público, mas foi abortada pela própria assessora de imprensa da instituição. Ao invés de escrever para a Plataforma Carta Campinas e pedir para que seu nome fosse incluído, assumindo que aceitava as alterações feitas no texto, preferiu agir com a mesma tática dos filhos do Bolsonaro no Twitter. Tuitou publicamente que o crédito no texto não estava “corretamente” publicado porque estava sem o nome dela, dando a entender que havia sido apropriado de forma desleal. Claro que a acusação gera muito mais polêmica nas redes sociais. Aliás, foi essa estratégia de polemizar que levou grupo ligado a milicianos cariocas ao poder. No final das contas, a reivindicação da assessora gerou mais repercussão do que o conteúdo que estava sendo divulgado. As pessoas passaram a não mais compartilhar o conteúdo. Ou seja, a assessora trabalhou contra a própria instituição ao impedir que a informação atingisse um grande público. Claro que mantivemos corretamente o nome da instituição e vamos continuar trabalhando e divulgando informações importantes para a sociedade. E este texto serve também para agradecer a centenas de ótimos assessores que tem nos auxiliado da construção da plataforma.