Um abaixo-assinado criado em repúdio à criação de uma CPI para inestigar as Universidades Públicas de São Paulo já conta com 5 mil assinaturas. A CPI foi pedida por um deputado do PRB, partido ligado às igrejas evangélicas e apoiador do bolsonarismo.
O abaixo-assinado, segundo os autores, busca repudiar o “propósito espúrio, inconstitucional e antidemocrático da CPI”
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Veja o texto do abaixo-assinado publicado na plataforma Change:
Nós, professores e pesquisadores abaixo-assinados, reiteramos o nosso repúdio ao propósito espúrio, inconstitucional e antidemocrático da CPI das universidades públicas. Há já algum tempo corria a notícia de que os deputados governistas da Alesp buscavam viabilizar uma CPI sobre os gastos das Universidades públicas do Estado de São Paulo. Parecia estranho, considerando o regime cada vez mais apertado em que vivem as Universidades brasileiras, de que não são exceção as públicas paulistas –, mas não inverossímil, dada a aberta hostilidade dos governos Bolsonaro e Doria contra elas. A hostilidade chegou a ponto de o primeiro, há dias, ter publicado que eram as universidades privadas que mais produziam pesquisa no Brasil, o que contraria todos os dados conhecidos a respeito, os quais creditam mais de 90% das pesquisas feitas no país às Universidades públicas (ver, a propósito, o artigo de Sabine Righetti e Estevão Gamba, na Folha de S. Paulo, de 23/04, onde se demonstra ainda que “USP, Unesp e Unicamp produzem, sozinhas, um terço de toda a ciência feita nas 198 universidades do país”).
Diante de uma posição tão deliberadamente destrutiva, já se podia esperar que os ataques seguintes não conheceriam limites, muito menos os estabelecidos pelos fatos, pela razão ou pela mais modesta sensatez –, três fontes de saber notadamente desprezadas pelos dirigentes da “nova política”, cuja novidade, em larga medida, é exatamente essa: a de negar fatos, argumentos e ainda o simples bom-senso com a certeza de que não há nada mais convincente do que a ignorância compartilhada.
Entretanto, o documento de aprovação da CPI que veio à tona por meio do vice-líder do governo na Alesp, Wellington Moura (PRB), conseguiu surpreender: para começar, era abertamente inconstitucional, já que, desprovido de qualquer objetividade, não se dava ao trabalho de tipificar crime ou irregularidade a ser investigada. Foi o caráter vago do documento que fez com que a deputada Beth Sahão (PT), apresentasse mandado de segurança já no dia 23/04 contra a abertura da CPI, já que não foram apresentados os requisitos legais previstos que justificassem sua existência, o que tornava a criação da comissão parlamentar de inquérito, em suas palavras, “manifestamente ilegal”, apoiada em “fatos genéricos, não determinados”, e, quando muito, “veiculados pela imprensa”, conforme se lê na reportagem de Paulo Roberto Netto, em O Estado de S. Paulo, de 24 de abril de 2019.
No entanto, se o documento dizia pouca ou nenhuma coisa, os deputados diziam muito e bem diversamente em entrevistas em que justificavam a criação da CPI. Por exemplo, em reportagem de Pedro Venceslau e Renata Cafardo, de O Estado de S.Paulo, publicada em 22 de abril, revelava-se que a “Assembleia Legislativa de São Paulo será palco de uma ofensiva da base do governo João Doria (PSDB) com abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito contra o que os deputados definem como ‘aparelhamento de esquerda’ das universidades públicas paulistas e ‘gastos excessivos’ com funcionários e professores”. No âmbito dessa ofensiva, não se cogitou saber o que significasse o decreto do governo paulista de 1989, na gestão Orestes Quércia, que decretou a “autonomia universitária” no estado, que significava, na prática e no direito, o reconhecimento pelo Estado de liberdade de cátedra, vale dizer, de gestão pedagógica de seus cursos, disciplinas e pesquisas, como também de autonomia de gestão administrativa e financeira de seus recursos materiais.
De acordo com o decreto – em vigor! –, cabe à Universidade, e apenas a ela, cuidar do que julga procedente para a consecução dos seus objetivos-fins, quais sejam, a produção do conhecimento e o incremento da pesquisa nacional tendo em vista o crescimento intelectual e material do país. Foi o que levou a reações imediatas como a do diretor da Faculdade de Direito da USP, Prof. Floriano de Azevedo Marques, que afirmou que o decreto da “autonomia universitária” implica em dizer que “a instituição conduz seus assuntos acadêmicos e indica seus dirigentes”, cláusula que considera “absolutamente impenetrável porque vem da Constituição”. De resto, os mesmos pontos foram reafirmados pelo STF, no ano passado, quando aconteceram fatos lastimáveis de invasões policiais a Universidades, sob os mais exorbitantes pretextos.
E se afrontar a Constituição é inadmissível num estado de direito, o que dizer de uma comissão parlamentar que pretende fazer triagem ideológica dos membros da comunidade universitária? Aqui, violenta-se a Constituição e ainda a própria ideia de democracia, onde a liberdade de credos religiosos e de convicções políticas é inalienável de cada cidadão pleno da república. A ideia de reprimir cientistas e pensadores que fossem eventualmente “de esquerda”, em si mesma, é repugnante e tem de ser repudiada – não pelos que se consideram de esquerda, que, diga-se, nem de longe são maioria na Universidade –, mas por todos que ainda prezam a força do ideal democrático e republicano. Não é a esquerda que é atingida com uma aberração parlamentar como essa, mas o próprio coração da democracia, pois se trata de um ato de traição inaceitável por parte de representantes eleitos e legítimos apenas enquanto vige a ideia de democracia.
A ameaça intimidadora e esdrúxula do deputado Wellington Moura de “analisar como as questões ideológicas estão implicando no orçamento”[sic], dado perceber “um predomínio da esquerda nas universidades” é tão ostensivamente desinformada como ofensiva à mais singela ideia de cidadania numa república democrática. O que ele imagina como “análise”? Pedir atestado ideológico para saber se o dinheiro gasto com a pesquisa é adequado? O que ele pensa: que os maiores cientistas e intelectuais do país farão ou não um trabalho de pesquisa financeiramente justificado de acordo com o voto que deram na última eleição? Que o médico que pesquisa o câncer, o físico que estuda o neutrino ou o historiador ou o crítico literário que estudam história cultural hão de gastar bem ou mal dependendo de ler a mesma cartilha ideológica do governador ou de seus acólitos? Não há nada mais absolutamente contrário à ideia de boa ciência do que a tentativa de controlar politicamente os seus laboratórios ou os seus dados e estudos. Tal propósito é, pela sua própria natureza, antidemocrático e fascistoide, ainda que esconda o seu nome vergonhoso com a preocupação fiscalista ou de gestão eficiente.
Que vergonha, o que propõe esta CPI fajuta da Alesp! Vergonha que não se apagará nem mesmo que os resultados dela sejam – como devem ser – nulos! O espúrio do gesto está consagrado definitivamente na tentativa impossível de submeter a inteligência e a cultura, livres por natureza, à adoção de qualquer ideário político, muito menos a um único ideário político. De resto, tudo, nessa CPI, é miseravelmente falso. Dizem que vão investigar a articulação da esquerda com os recursos, o que de si é uma preocupação idiota, pois o que importa é apenas se a pesquisa é bem-feita ou não, mas não é disso que realmente se trata. O que está por trás dessas caça às bruxas é algo bem mais palpável que as ideologias de ocasião. O que os deputados governistas desejam é o mesmo que já anunciaram vários dos economistas do primeiro escalão do governo do Estado e do país: a desvinculação das verbas destinadas à Educação para fazer o que bem quiserem com ela. Investimentos que agradem ao todo-poderoso mercado, possivelmente!
Pois o que está por trás dessa movimentação é o vil desejo de meter a mão nos recursos cada vez mais estreitos das Universidades. Eis aí o resultado mais esperado dessa CPI: ao cabo dela, lançando-se mão das parvoíces ideológicas habituais, o que se pretende é justificar que permaneçam com o governo os recursos que, constitucionalmente, estão obrigados a aplicar nas Universidades. Eis tudo o que não está dito na falta de clareza da CPI. Eis a sua obscenidade básica. Vão brandir o dedo contra o ateísmo e o comunismo, enquanto fazem com o ensino universitário público mais forte do país o mesmo que já assistimos acontecer com o ensino fundamental e médio durante a ditadura militar.
Com a CPI, as forças “bolsodorianas” alojadas na Alesp dão um passo a mais no projeto de desmonte da Universidade pública, em nome de um populismo cego, tacanho, imediatista e suicida, pois é a ciência brasileira que retrocederá, quando perder a autonomia. Se houver quem duvide basta acessar quaisquer dados da produção científica universitária e de sua participação na riqueza nacional desde o decreto da autonomia, em 1989. Diante desses fatos, nós, professores e pesquisadores das Universidades abaixo-assinados, reiteramos o nosso repúdio ao propósito espúrio, inconstitucional e antidemocrático dessa CPI, que certamente prejudicará as Universidades, mas que, antes disso, amesquinha o estado de São Paulo, a Alesp e cada um de seus membros.