A luta pela educação é uma luta pela democracia

.Por André Flores.

A ofensiva do governo Bolsonaro contra a educação pública não se resume aos cortes de 30% anunciados pelo ministro Abraham Weintraub. A medida vem na esteira de ataques como a ameaçade“descentralização” de recursos na área das humanidades, a acusação de “balbúrdia” como justificativa para cortes de gastos, e a suspensão da nomeação de reitores recentemente eleitos.

Estas ações conferem uma importante diferença em relação aos cortes praticados pelos governos anteriores, não apenas pelo tamanho, comparativamente superiores aos do segundo governo Dilma e do governo Temer, mas pelo caráter persecutório da medida sobre a comunidade universitária, identificada pelo governo com a oposição.

( foto: antonio cruz – agência brasil)

No contexto destes ataques, o estrangulamento financeiro não diz respeito somente a uma questão de austeridade fiscal. A medida assume claro viés antidemocrático ao restringir e cercear a autonomia universitária, tendo como objetivo a perseguição e a intimidação dos adversários políticos do governo. Esta tática converge duas ofensivas políticas que se articulam em torno da destruição da universidade pública como a conhecemos. Por um lado, os cortes na educação pública, de modo geral, interessam aos grandes grupos educacionais e ao mercado financeiro, ao permitirem o fortalecimento do setor privado na educação e o aumento de espaço no orçamento federal destinado ao pagamento de juros da dívida pública. Isso explica, por exemplo, a recente valorização das ações dos grupos educacionais na bolsa de valores após o anúncio dos cortes, mesmo com o movimento geral de queda do Ibovespa.

Por outro lado, o cerceamento político às universidades resulta do avanço do movimento neofascista, que está presente no interior do governo e é caracterizado equivocadamente como sendo a sua “ala ideológica”. De acordo com as contribuições de cientistas políticos como Armando Boito, André Kaysel, Luiz Filgueiras e Graça Druck, o neofascismo é um movimento reacionário de massas, localizado principalmente – mas não apenas – na alta classe média, e constitui a base politicamente ativa do bolsonarismo. O neofascismo possui o objetivo principal de eliminação da esquerda e das minorias “indesejáveis” da cena política, e busca a restauração de uma ordem social autoritária, profundamente desigual e hierárquica, que teria sido comprometida pela política social dos governos petistas.

Neste momento o neofascismo tem a comunidade universitária como alvo prioritário de seus ataques. As universidades públicas, em comparação ao conjunto da sociedade, são ambientes relativamente mais abertos à pluralidade de ideias e, portanto, ao pensamento de esquerda, e foram objeto de políticas governamentais que ampliaram o acesso das populações historicamente marginalizadas em governos anteriores. Em decorrência disso, são consideradas pelo neofascismo como um ambiente de difusão da desordem e da balbúrdia, ameaçadoras da hierarquia social a qual buscam preservar e que, portanto, devem ser disciplinadas e enquadradas em seu projeto de restauração conservadora.

Como é sabido, os trabalhadores e as minorias sociais que obtiveram avanços importantes em relação ao reconhecimento de direitos civis e políticas sociais, como as políticas de ação afirmativa, alteraram o perfil e a composição social das universidades e dos segmentos da burocracia estatal que adotaram o sistema de cotas nos concursos públicos.

A alta classe média, enquanto classe social detentora dos cargos estatais e cuja reprodução depende da ideologia meritocrática difundida pelas instituições do Estado capitalista, reage às cotas enquanto afronta ao princípio meritocrático que justifica a sua posição intermediária na hierarquia social, além de se ver diretamente penalizada por uma política que atinge a sua “reserva de mercado” nestas instituições.

Um caso exemplar e recente desta reação, que constitui parte da ofensiva neofascista sobre as universidades, é o projeto de lei encaminhado pelo deputado bolsonarista conhecido por quebrar a placa em homenagem à vereadora Marielle Franco nas eleições de 2018, Rodrigo Amorim (PSL), pela revogação da lei de cotas nas universidades estaduais do Rio de Janeiro.

Mas a ofensiva neofascista não se restringe ao estrangulamento financeiro e às ameaças sobre a lei de cotas. Outras ameaças estão postas no ambiente universitário, como a proposta de cobrança de mensalidade nas universidades federais, os projetos de lei que exigem exame toxicológico de alunos para a realização das matrículas nas universidades públicas, os pedidos de CPI da UNE no Congresso Nacional, e a campanha de desinformação realizada por grupos bolsonaristas no WhatsApp, com memes e notícias falsas sobre a universidade pública enquanto espaço de orgias e mau uso do dinheiro público, como forma de justificar e conquistar apoio para os recentes ataques do governo contra a educação.

Para além do ambiente universitário, a permanente ameaça de classificação dos movimentos populares e partidos de esquerda como organizações terroristas ou criminosas, a liberação da posse de armas que beneficiará a atuação de grandes proprietários de terra e de grupos milicianos aliados ao governo, a interdição política do ex-presidente Lula, que viabilizou a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro e premiou o juiz Sérgio Moro com o cargo de Ministro da Justiça, ou mesmo as constantes ameaças à integridade física de lideranças e representações políticas de esquerda, como as que levaram o deputado Jean Willys a abrir mão de seu mandato como deputado federal, explicitam a desidratação do regime democrático formal e a possibilidade de seu fechamento caso não seja contido o avanço do neofascismo.

Nesse sentido, as manifestações programadas para o dia 15 de março vão além de uma demanda corporativa da comunidade universitária e assumem um caráter político de defesa das liberdades democráticas.

A compreensão dos interesses e objetivos por detrás da destruição da universidade pública é necessária para esclarecer o movimento de massas e impulsionar a reorganização da ampla frente democrática formada no segundo turno das eleições de 2018. Esse é o caminho para colocar em cena uma força social capaz de frear o avanço do neofascismo e começar alterar a correlação de forças desfavorável que posiciona os setores populares na defensiva.

Não é só pelos cortes, é pela democracia!

André Flores é mestrando em Ciência Política pela Unicamp