A tragédia que poucos choram: a dos meninos “bons pra bala”
.Por Fernando Brito.
No mesmo dia em que 10 meninos tiveram uma morte horrível nos contêineres onde o Flamengo os alojava, prisioneiros do sonho de se tornarem jogadores profissionais de futebol, 10 rapazes tombaram para sempre, também, sob o fogo das armas da PM, numa estreita ladeira, a rua Eliseu Visconti, que liga Santa Teresa ao Catumbi, ou deveria ligar, porque há vinte anos todo o bairro sabe que está ali “o movimento” do tráfico de drogas, com seus “acertos” com a polícia e poucos transitam nela, sobretudo na partes mais baixas.
Sim, os rapazes, ou a maioria deles, eram traficantes. Não se vai aqui glamorizar fatos.
Mas também é fato que não nasceram traficantes e, mesmo com idades bem parecidas, não foram garotos cheios de sonhos como os que perderam a vida no “Ninho do Urubu”? Entraram para o único time que lhes dava acolhida, o do crime.
Como também é fato que foram executados dentro de uma casa, quando estavam se rendendo aos policiais, o que fotos, relatos e circunstâncias apontam, inclusive o macabro “socorro” prestado, o de levar os corpos ao hospital, para “desfazer o local” e impedir a perícia.
Perícia para que?
Ana Luiza Albuquerque e Thaiza Pauluze relatam na Folha:
Segundo o relato [de uma moradora],
quando seu filho virou-se de costas para negociar a rendição com o
grupo, agentes atiraram contra ele. “Deram um tiro nas costas. Furaram
meu filho todo. Não me respeitaram em momento nenhum, nem meu filho de
oito anos. Falou na cara do meu filho: ‘bem feito’.”
A mãe também disse que os policiais tentaram impedir que familiares entrassem na casa para identificar os corpos.
Outro familiar de dois jovens mortos afirmou à Folha que ambos eram
envolvidos com o crime. Contudo, declarou que os dois se entregaram e
foram mortos pelos policiais ainda assim.
Não é o que mandam fazer aos que não são “humanos direitos” e não têm, portanto, direitos e nem humanos devem ser?
Julita Lemgruber, ex-ouvidora da Polícia e hoje coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes resume:
“Está muito claro que a licença para matar entrou em vigor, mesmo antes da legislação do [ministro Sérgio] Moro. Simbolicamente isso já está sendo operado na prática. O policial se sente encorajado a matar, com a justificativa de ter sido tomado por violenta emoção”, afirma Lemgruber.
Eliseu Visconti, o pintor que dá nome à rua onde ficava a casa trágica, pintou há 130 anos “Uma rua de favela”, a imagem abaixo, obra que era um dos tesouros da coleção de D. Lily, viúva de Roberto Marinho, talvez pintasse ontem um doloroso “O vermelho e o negro”, sobre a foto de Pilar Olivares, da Reuters, delicado retrato da rubro-negra desgraça de um único dia. (Do Tijolaço)