A corrida do Oscar
.Por Ricardo Pereira.
INFILTRADO NA KLAN – O filme de Spike Lee funciona onde quer que você o encaixe, seja como filme policial seja como denúncia política. Embora baseada em fatos reais, a trama reproduz uma estrutura bastante conhecida e sempre eficaz: a de um agente da polícia infiltrado numa quadrilha de criminosos.
A diferença é que aqui a quadrilha de criminosos é a Ku-Klux-Klan e o agente um afro-americano. Com isto o filme dá o seu salto: do policial para o político. Mas é justamente por se manter fiel ao gênero que é seu ponto de partida que INFILTRADO NA KLAN funciona tão bem, uma vez que impede que o tom panfletário se imponha.
Assim, nenhuma das intervenções políticas do filme destoam do que nos é narrado, pois encontram-se interligadas a ação, a mais significativa delas é a cena em que os racistas da KKK vibram com a exibição de “O Nascimento de Uma Nação” de D.W. Griffith ao mesmo tempo em que pela voz de Harry Belafonte o diretor Spike Lee lembra um dentre os muitos episódios de violência racial gerado pela obra.
A intervenção de Spike Lee é tão bem-vinda que cobra uma reflexão da historiografia a respeito da importância que se dá ao filme de Griffith como fundador da linguagem cinematográfica, isto é, até que ponto foi por seus motivos racistas que o filme atingiu esta dimensão pioneira?
Mas INFILTRADO NA KLAN não é um filme sobre o passado, apenas recorre ao passado para comentar em que pé encontra-se a questão racial nos Estados Unidos, sobretudo, num momento em que se tem na Casa Branca um presidente apoiado por lideranças históricas da KKK. Embora seja o meu filme favorito dentre os oito indicados, corre o risco de não levar nenhuma estatueta.
VICE – Da mesma forma que Spike Lee, o diretor e roteirista Adam McKay também está interessado em comentar a América atual. E para isto recorre a um personagem recente da política de seu país, Dick Chenney, vice do presidente George W. Bush.
McKay que tem origem na comédia, é responsável pelos melhores filmes do humorista Will Ferrell, dá sequencia à temática iniciada em seu filme anterior, “A Grande Aposta”, ou seja, apresentar os bastidores do poder norte-americano de forma didática e corrosiva.
“A Grande Aposta” que também foi indicado ao Oscar de Melhor Filme explicava o que levou a economia norte-americana à crise econômica de 2008. Em VICE, McKay parece preocupado em apontar como sujeitos como Chenney e Trump conseguem alcançar o mais alto degrau da política de seu país.
Apesar de não poupar nas críticas aos governos republicanos desde Richard Nixon é com humor que McKay desenvolve o seu filme recorrendo a uma montagem extremamente hábil e ao bom trabalho de atores, destaque para Christian Bale que chega a ficar irreconhecível na pele de Chenney, graças a um impressionante trabalho de maquiagem, semelhante aquele que transformou Gary Oldman em Winston Churchill em “O Destino de uma nação”. Amy Adams que faz a esposa de Dick Chenney deve ganhar seu primeiro Oscar como melhor atriz coadjuvante pelo trabalho.
A FAVORITA – Com este filme, o cinema do grego Yorgos Lanthimos parece ter atingido a sua maturidade. A bizarrice que o tornou popular com “Dente Canino” e “O Lagosta” está presente aqui, aparentemente em doses menos generosas, mas só aparentemente.
Reproduzindo um momento histórico, a corte inglesa do início do século XVIII, Lanthimos filma os bastidores de uma contenda palaciana que envolve a rainha Anne e duas primas – Lady Sarah e Abigail – que disputam os favores da mandatária. Para isto conta com um trio de atrizes em estado de graça – todas indicadas ao Oscar.
Embora Olivia Colman tenha sido indicada como atriz principal, não dá para dizer que Rachel Weisz e Emma Stone não são tão protagonistas quanto ela. O filme de Lanthimos deve ficar com alguns prêmios técnicos, direção de arte, figurino e maquiagem.
ROMA – O impacto visual do filme do mexicano Alfonso Cuáron ajuda a blindar ROMA de seus problemas, sobretudo, a condescendência com que trata a relação patrão-empregado e a total ausência da revolta de classe na personagem de Yalitza Aparicio. Aqui Cuáron filma um episódio de sua infância, o momento da separação de seus pais em meio aos distúrbios políticos que o México atravessava no início da década de 1970, mas quem a sua câmera, de fato, foca é a empregada da casa que ora oscila entre ser tratada como “alguém da família” e outras como uma mera subalterna, mas Cleo também tem direito no filme a sua própria história que envolve uma gravidez indesejada e uma certa culpa que ela expia na cena final a respeito do destino do seu bebê. Mas o filme que já ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza caiu nas graças de Hollywood e deve levar os prêmios de direção e filme. Não sem méritos, mas também não era para tanto.
PANTERA NEGRA – O longa que apresentou o personagem Pantera Negra não foge às convenções do gênero filme de super-heróis e aqui se concentram seus maiores problemas, mas possui virtudes como nenhum outro filme da Marvel.
O fato do personagem ser de origem africana introduz questões que costumam estar ausentes do gênero, conhecido pela sua falta de profundidade. No caso específico, a questão racial. O que o filme discute ao dar protagonismo ao negro pela sua força e beleza é o quanto o mundo fica mais pobre ao não incorporar em condições iguais toda a capacidade desta parcela da população mundial, historicamente menosprezada.
O vibranium, o material que faz de Wakanda, uma sociedade mais avançada que as demais do planeta, é apenas uma metáfora para a própria população negra. É do seu potencial que o mundo carece para ser mais justo e rico. Deve levar o Prêmio de Melhor Trilha-Sonora, trabalho poderosíssimo de Ludwig Gôransson.
GREEN BOOK – O filme de Peter Farrelly conta a história real da amizade improvável entre um ítalo-americano racista e um pianista negro que o contrata como seu motorista durante uma tour pelas regiões mais racistas do sul dos Estados Unidos na década de 1960.
A boa química entre os atores principais, Viggo Mortensen e Mahershala Ali, é uma das poucas virtudes num filme cheio de defeitos sobretudo ao tratar a questão racial sob a perspectiva do branco. Os negros no filme são as ferramentas empregadas para que os brancos melhorem, comovem a audiência branca porque são abnegados, resistentes, são agredidos, mas não reagem, e é através do pacifismo deles que os brancos passariam a reconhecer sua própria violência.
De certa forma é o que se espera até hoje dos oprimidos, que a violência a que são submetidos eles respondam com sacrifício e resiliência. É assim que Dr. Shirley se comporta e é assim que ele muda Tony, mas quantos não resistiram da mesma forma? O número é grande demais para que aceitemos que seja esta a melhor forma. Mesmo assim, o filme tem muitas chances de repetir o feito de “Conduzindo Miss Daisy” (outro exemplo de filme que tratava a questão racial sob a perspectiva do branco) e ficar com o Oscar de Melhor Filme.
Se em 1990 o filme de Beresford já era datado, que “Green Book” repita o seu modelo e ainda possa ser bem-sucedido chega a ser ofensivo.
BOHEMIAN RHAPSODY – O filme, obviamente, se concentra em Freddie Mercury, embora não a ponto de negar às contribuições e à importância dos outros membros do Queen na trajetória de sucesso do grupo. Mas é que Freddie teve uma vida mais dramática que os demais integrantes em que o conflito com o pai por conta de sua opção de vida, mas também por se afastar da tradição religiosa dele; sua sexualidade e o contágio pelo vírus da AIDS ganham destaque, mas não em demasia a ponto disto se sobrepor ao artista que é o que mais nos interessa.
Claro que essa opção em supostamente amenizar o impacto dessas questões desagradou quem esperava uma cinebiografia mais “vida loka” de Freddie Mercury do que a que BOHEMIAN RHAPSODY oferece, mas por outro lado, evidencia que a sexualidade de Mercury não diz respeito a ninguém mais do que a ele próprio como fica evidente na entrevista coletiva retratada no filme em que a vida pessoal do seu vocalista gera mais perguntas dos jornalistas do que o disco que o Queen estava divulgando. O problema está no preconceito e não na sexualidade tenha ela a orientação que tiver. Neste ponto o filme, a meu ver, sai vencedor. Rami Malek pela sua interpretação de Freddie Mercury deve ficar com o Oscar de Melhor Ator.
NASCE UMA ESTRELA – Esta é a quarta versão de NASCE UMA ESTRELA, também a mais fraca de todas. Talvez porque mais do que nas versões anteriores, esta pareça mais preocupada em ser um veículo para Lady Gaga do que em explorar todos os dramas da conhecida histórica da jovem estrela em ascensão apaixonada pelo artista decadente que a descobriu.
Bradley Cooper como diretor também não ajuda, seu filme é uma coleção de clichês que mais enfastiam que comovem. Talvez sua única virtude seja acidental, mostrar como a própria Lady Gaga poderia ser uma cantora interessante se não tivesse se tornado um produto. Quanto mais sua personagem no filme – Ally – se afasta de suas raízes e se aproxima do pop, mais sem sentido e vazia vão ficando suas letras bem como sua “arte”. Deve levar o Oscar de Melhor Canção Original e já está mais do que bom.