.Por Wagner Romão.
Paulo Guedes começou seu discurso de posse dizendo que este governo era muito simples: uma aliança dos liberais na economia com os conservadores nos princípios e nos costumes. Faltaram dois grupos importantes: os militares e o Judiciário morista.
A linha de Guedes é deixar a economia de mercado funcionar, diz ele que é o maior “mecanismo de inclusão social”. O grande problema do país é o aumento continuado do gasto público, desde Geisel. Diz ele que não precisa fazer muita coisa. É apenas deixar a EC 95 do teto de gastos funcionar. Segurar o gasto nominal (ou seja, sem inflação) e esperar o crescimento econômico em torno dos 3,5%, uma enormidade se compararmos com os últimos anos, para acabar com o déficit fiscal.
E fazer “as reformas”. A primeira e mais importante, a reforma da Previdência.
Vou desconsiderar por ora o debate que fazemos sobre o fato de a Previdência compor, pela Constituição Federal, o Orçamento da Seguridade Social (OSS). Por esta via de entendimento da questão não há déficit e a Previdência deve ser considerada como parte do esforço nacional de redução de desigualdades e preservação de um projeto mínimo de estado de bem-estar social.
Assim, o déficit seria uma “pós-verdade”, como já disse o colega Eduardo Fagnani, pois nele não se contabiliza a parte do governo como fonte de receita da Previdência. Não se colocam na conta os recursos da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Daí que o déficit só considera a contribuição do trabalhador e do empregador, e não a parte do governo que viria pela arrecadação destas contribuições sociais previstas na Constituição como parte do OSS.
Feita esta ressalva, vamos às contas da Previdência entre arrecadação e despesa, como mostra a matéria do nexojornal publicada no início do ano passado. Faço isso pois me interessa saber quem afinal são os setores responsáveis pelo déficit e sobre os ombros de quem cairá a reforma.
O déficit total da Previdência em 2017 havia sido da ordem de R$ 270 bilhões. Isso inclui todos os regimes: iniciativa privada e poder público, trabalhadores urbanos e rurais, servidores civis e militares.
Sobre a Previdência dos trabalhadores urbanos, que responde por mais de 20 milhões de aposentados, não há que se reformar. Ela foi superavitária entre 2009 e 2015 por conta da ampliação dos contribuintes ao FGTS… é essa que Temer e Bolsonaro querem fixar uma idade mínima para aposentadoria, aumentar o tempo mínimo de contribuição para aposentar-se e aumentar o tempo de contribuição para se ter a aposentadoria integral. Mas, não precisa disso, ao menos por ora. Um novo ciclo (prometido) de crescimento econômico e o registro na CLT farão a recuperação acontecer. Mais formalidade e crescimento do PIB: foi o que deu certo no período Lula.
A Previdência dos trabalhadores rurais, no meu entender, é muito mais um benefício social destinado aos trabalhadores rurais. Em 2017 arrecadou menos de R$ 10 bilhões e pagou R$ 120 bilhões. É um benefício previsto pela Constituição dadas as características do trabalho rural – um meio indireto de fixar o trabalhador rural no campo.
Entre a Previdência dos servidores públicos civis, há muita diversidade. Mas é possível dizer sem medo de errar que os membros do Ministério Público e do Judiciário são aqueles que mais oneram o Estado com aposentadorias vultosas. O restante (professores universitários e outras categorias, por exemplo) já sofreram cortes em suas aposentadorias com as reformas realizadas pelos governos petistas. O déficit em 2017 foi de cerca de R$ 45 bi. Arrecadou cerca de R$ 35 bi e pagou R$ 80 bi.
O sistema dos servidores militares é ainda mais deficitário. Em 2017, pagou cerca de R$ 42 bi e arrecadou cerca de R$ 3 bi. Estes, os militares, Temer excluiu de sua proposta de reforma desde o início. E Bolsonaro?
Quem viu o discurso do novo presidente ontem, na posse do ministro da Defesa, pode ter uma ideia do que ocorrerá (se já não tinha antes). B. discorreu sobre honra, amor à Pátria, auxílios, benefícios e gratificações. Fez isso em toda sua extensa carreira parlamentar e “sindical”. Não tenho dúvida que os militares não têm vida fácil. São servidores públicos que devem ser respeitados como qualquer outro servidor público. Mas têm sim privilégios, sobretudo no sistema de pensões.
Qual será a reforma politicamente possível no contexto do governo Bolsonaro? Vai atacar as aposentadorias e pensões de militares, magistrados, procuradores? Certamente não. E o acordo político já está sendo feito, se é que já não foi concluído. Se a reforma da Previdência liderada por Paulo Guedes é a primeira e maior das reformas, ela certamente se abaterá fortemente sobre o Regime Geral (INSS), sobre a Previdência dos trabalhadores rurais ou sobre parcelas menos “empoderadas” do funcionalismo público.
É aí que veremos o quanto se sustenta o discurso “libertário” de Bolsonaro – que vai nos livrar do socialismo – e o reencontro do Brasil com sua tradição – família e propriedade… – como quis Ernesto Araújo em seu célebre discurso de posse no Itamaraty. E o quanto a massa de trabalhadores que confiou nele irá sustentar este governo.