Ícone do site Wordpress Site

‘Escola Sem Partido’ é pano de fundo de uma sociedade menos democrática e mais autoritária

As pesquisadoras Dirce Zan, diretora da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, e Débora Mazza, diretora assossiada também da FE da Unicamp, publicaram um artico em que expõem a tragédica educacional que representa o projeto autodenominado ‘escola sem partido’.

Débora Mazza e Dirce Zan  (foto antoninho perri – unicamp)

As pesquisadoras jogam luz sobre a cortina de fumaça que esconde as reais intenções desse projeto autoritário e de pensamento único, que tem pautado debates improdutidos no parlamento brasileiro e na mídia.

Entre as intenções do projeto, estão a desqualificação da instituição escolar e do professor, além de ser uma pauta de grupos que querem retirar do orçamento do governo federal as questões que atendem as populações mais pobres. Veja o artigo:

.Por Dirce Zan e Débora Mazza.

O Projeto de Lei denominado “Escola Sem Partido” pretende alterar os Artigos da LDB 9394/1996 que prescrevem respectivamente que “a educação é dever da família e do Estado inspirada por princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade” (Artigo 2º.) e “as bases e os princípios de liberdade, solidariedade, respeito e tolerância nos quais o ensino deve ser ministrado” (Artigo 3º.).

Particularmente no que diz respeito “às convicções dos estudantes e dos seus pais, ou responsáveis, tendo os valores da ordem familiar precedência sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa vedada à transversalidade ou técnicas subliminares no ensino desses temas”.

O Projeto apresenta uma narrativa que vem sendo compartilhada desde 2004, quando o movimento foi criado e se espalhou pelas redes sociais. Por meio de uma linguagem simples, se vale de polarizações no campo político que transbordam no campo educacional.

A Faculdade de Educação (FE) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), desde 2016, têm pautado o Projeto da Escola sem Partido em eventos [1], notas públicas [2], parecer de grupo de trabalho [3], artigos [4], videos [5] e posicionamentos públicos.

Gostaríamos de destacar quatro características que julgamos principais no projeto:

  1. A concepção de escolarização.
  2. A desqualificação do professor.
  3. As estratégias discursivas de delação do trabalho do professor.
  4. A defesa do poder total dos pais sobre os filhos.

A escola foi pensada como uma das instituições importantes do Estado Democrático. Nela, a educação comparece como “direito de todos e dever do Estado e da família, promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (Artigo 205º. Constituição de 1988).

Os princípios que regem a educação escolar se pautam na igualdade de condições de acesso e permanência; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento a arte e o saber; no pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas” (Artigo 206º. da Constituição Federal, 1988) comprometidas com a preservação e difusão do patrimônio cultural brasileiro em sua diversidade.

Segundo esses princípios a escola se constitui como um espaço plural de sociabilidade entre diferentes e desiguais, condição fundamental para uma convivência democrática. O Projeto afronta essas disposições na medida em que obriga a escola a tomar como partido único a pauta de um segmento da sociedade brasileira: a bancada evangélica.

O professor é um profissional certificado por meio de um longo processo de formação inicial no ensino superior, formação continuada através de ações das redes de ensino e formação em serviço desenvolvida nas dinâmicas das relações escolares. Quando o projeto propõe que os valores de ordem familiar tenham “precedência sobre a educação escolar” contribui para a desqualificação da instituiçao escolar e a desprofissionalização do professor.

A proposta de fixação obrigatória em todas as salas de aulas de ensino fundamental e médio de cartazes com conteúdos que prescrevem o que o professor não deve realizar, expressa uma desqualificação e concepção negativa e cerceadora do trabalho do professor, partindo do princípio de que o estudante é “audiência cativa” e que por trás do currículo escolar, existem intenções de doutrinação ideológica, propaganda partidária e manipulação moral por parte do professor.

Essa estratégia discursiva fomenta uma relação de delação, desconfiança e antagonismo entre professores e estudantes. Ela cerceia a ação do professor e a liberdade de expressão e de cátedra em sala de aula e, até certo ponto, contribui para o aprofundamento de polarizações das relações políticas e sociais que em nada coadunam com um projeto de formação humana tendo em vista uma sociedade mais igualitária e menos violenta.

Os argumentos que insinuam que a escola “tira a autoridade dos pais”, o professor “representa um ataque frontal à família” e o currículo “promove doutrinação religiosa, ideológica e de orientação de gênero”, representam um ataque à educação como direito social de primeira geração e apontam para um projeto educativo em que valores individuais de defesa do poder total da família sobre o(a)s filho(a)s se sobrepõem aos interesses de uma sociedade democrática. Nesta perspectiva, a esfera privada invade e subsume a esfera pública.

Por isso, o projeto Escola sem Partido foi denunciado à ONU pelo Instituto de Direitos Humanos como uma ameça aos direitos humanos. Além disso, ele é uma pauta neoconservadora que aponta para transformações sócio-culturais, partindo de um pretenso diagnóstico de uma suposta degeneração social e moral das sociedades.

O Projeto tem sido utilizado estrategicamente por grupos econômicos nacionais e internacionais que visam retirar os pobres e as políticas sociais do orçamento do Estado. O argumento neoconservador esconde o aprofundamento e a consolidação de um projeto neoliberal.

Em tempos de: 1 – Emenda Constitucional 95/2016 que congela, por 20 anos, o exercício financeiro da União no âmbito da seguridade social;

2 – Reforma Trabalhista que reduz direitos dos trabalhadores, flexibiliza os contratos e precariza as condições de trabalho;

3 – Reforma do Ensino Médio com até 30% do currículo ministrado pela Educação à Distância (EAD);

4 – Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que enfatiza as disciplinas consideradas prioritárias tendo em vista não os processos de aprendizado mas os resultados nos rankings internacionais; e

5 – Reforma da Educação de Jovens e Adultos com até 80% do currículo em EAD; o Projeto Escola sem Partido é o pano de fundo para a implementação deste conjunto orquestrado de políticas que sinalizam para uma sociedade menos democrática e mais autoritária.  (Do site da Unicamp – grifos Carta Campinas)



[1] Debate “Escola sem Partido”. Evento Direção FE/Unicamp, 07/10/2016.

[2] Nota Pública da FE/Unicamp endereçada à Camara dos Vereadores de Campinas- SP. 08/agosto/2017.

[3] ASSIS, Ana Elisa S.Q.; RODRIGUES, Fabiana de C.; TEBET, Gabriela G. De C.; MINTO, Lalo W.; TEIXEIRA, Diego H. Parecer tecnico do Grupo de Trabalho da FE/Unicamp sobre o Projeto de Lei Escola sem Partido em resposta à solicitação do Conselho Tutelar de Campinas- SP. 22/agosto/2017

[4] RODRIGUES, Fabiana de C. Escola sem Partido é a escola que compactua com a violencia sexual. By Carta Campinas, 06/set/2017.

[5] https://www.fe.unicamp.br/galerias/1413

Sair da versão mobile