.Por Bruno Lima Rocha.
A era do petróleo iniciou com o câmbio forçado pelo então ministro Winston Churchill – um civil à frente do almirantado – para a poderosa marinha britânica buscar fontes e modificar o padrão energético usado na força naval de sua majestade. Isso começou em 1911 e desde então o planeta assistiu a dezenas de “guerras por petróleo”, tendo o combustível fóssil como motivação direta ou indireta. Desde então, ter ou não acesso a estas reservas implica em capacidades distintas de exercício de soberania no Sistema Internacional. E no Brasil, a quantas andamos?
Tem momentos que é preciso debater mais do mesmo, oscilando entre o óbvio e a necessidade. Existe um temor – concreto ao menos – de que uma parcela dos ativos da empresa brasileira de petróleo, a Petrobrás, venha a ser privatizada. A possibilidade maior, caso ocorra, é a entrada de capital transnacional, provavelmente especializado, comprando uma capacidade já instalada. É uma ação típica do Brownfield – usando o termo anglicista – quando o capital estrangeiro compra o que já existe, geralmente incorporando cadeias nacionais ou através de programas de privatização.
Se o investimento será na forma de Brownfield, é porque não teve – e pelo visto não terá – o Greenfield. Ou seja, nenhum conglomerado econômico transnacional parece estar disposto a investir pesado, a criar uma nova infra-estrutura instalada, e através dos benefícios da lei brasileira, que permite a instalação de refinarias privadas, investir no refino. Curiosa a “lógica da eficiência”. Detalhe: petróleo e derivados não se trata de simplesmente colocar dinheiro, ou obter crédito a fundo perdido do país que supostamente estaria recebendo os investimentos. É preciso conhecer da área, ter alta capacitação de engenharia de minas e naval, além de equipe preparada em escala de milhares. Portanto, se as petroleiras não entraram antes (não entraram sequer na distribuição) é porque não querem colocar dinheiro no Brasil, mas simplesmente comprar a preço deprimido o que já está pronto.
Em termos de política energética, o país foi “virado de cabeça para baixo”. A Petrobrás está com capacidade ociosa de refinarias, comprando diesel no mercado internacional e balizando preços co-determinados: uma determinação vem dos países produtores e exportadores de petróleo, como é o caso da Arábia Saudita após o golpe palaciano que consagra Mohammad bin Salman em junho de 2017. Outra determinação é ainda mais perversa e parte da ação dos traders internacionais, os conglomerados que operam a logística e estoques (ambos privados) e com isso pressionam o preço do barril de petróleo.
Cabe um raciocínio lógico. Cotizar o preço do barril e dos óleos refinados que são comercializados no Brasil, usando índices como o Barril Brent (de mercado futuros) é subordinar todo o país aos ataques especulativos e as pressões advindas do “acordo” de compliance com a Justiça dos EUA, onde a Petrobrás se comprometeu a pagar um acordo de US$ 853,2 milhões (estimado em R$ 3,6 bilhões pela estatal) para cessar as investigações que iniciaram com a Lava Jato. Porque simplesmente os corruptos não foram julgados apenas pela Justiça brasileira e se os Estados Unidos quisessem realmente punir, que pedissem extradição dos condenados?!
Trata-se de evidente violação de soberania. O Departamento de Justiça de outro país multa uma empresa brasileira e condiciona o acordo a balizar os preços de venda do barril segundo o interesse dos acionistas da Bolsa de Nova York. Urge compreender o básico da geopolítica do petróleo e da área sensível de segurança energética para inverter o consenso forjado que atinge a capacidade soberana do Brasil.
Na linguagem política brasileira isso se chama entreguismo e devemos defender o oposto. Uma condição ideal é a mudança nos estatutos da Petrobrás, de modo que ela se torne 100% pública, com diretoria eleita por seus trabalhadores, influência direta da sociedade civil alizando um preço justo e nacional na ponta das bombas.
Uma commodity estratégica refém da especulação
No final de novembro de 2018 o barril de petróleo cotado pelo índice Brent (de contratos futuros) estava em Usd 60,26. Em 2008 a mesma unidade “contábil” atingiu a 140 dólares o barril. Isso sem haver elevação dos custos de extração, refino e distribuição. Justo ao contrário; cada vez mais se extrai óleo de melhor qualidade – exemplificando com o Pré-Sal brasileiro – há capacidade logística sobrante (com o papel nefasto dos traders internacionais) e de refino ocioso em países produtores – como é o caso do Brasil. Ou seja, se o preço do barril for “regulado” pelos “preços internacionais” isso se trata de um perigoso eufemismo. O termo correto seria ter o preço do barril determinado pela pressão dos especuladores na ciranda do mercado futuro.
Se buscarmos qualquer lista das 25 ou 30 maiores empresas petrolíferas do planeta, veremos que as maiores são estatais, com exceção das herdeiras das chamadas Sete Irmãs (hoje apenas quatro: ExxonMobil, Chevron, Shell e BP), sendo que estas também foram constituídas – a parte europeia – ou por empresas controladas pelo Estado ou por um complexo energético militar, embrião da ideia de complexo industrial vinculado diretamente à Defesa de impérios capitalistas.
Parece uma obviedade entender que um país produtor de petróleo deve dominar todo o ciclo e operar com preços protegidos, ao menos no que diz respeito ao seu mercado interno e assim financiar a roda da economia nacional. Quando ficamos expostos aos “preços internacionais”, na verdade estamos subordinados a contratos especulativos, justamente o oposto da decisão soberana de controlar não apenas um ativo estratégico, mas toda uma cadeia de alto valor agregado que passa pela extração, refino, distribuição mas também transformação em petroquímica e química fina.
As reservas de Pré-Sal capacitam a Petrobrás para contrair empréstimos com carência centenária, significando a saúde financeira e a liquidez da empresa. O Brasil e a categoria de trabalhadores e trabalhadoras do petróleo e derivados têm todos os requisitos de cumprir esta missão de interesse popular. O impeditivo maior é sempre a dupla associação da internalização de interesses externos (através de uma elite orgânica predatória e o recrutamento de políticos profissionais para tal) com a visão ideológica regressiva (já que toda projeção de valores é ideologia) de que não precisamos ter condições básicas de implementar política econômica em esfera alguma. Resta saber: a quem interessa liquidar a capacidade soberana de destino do povo brasileiro?
Bruno Lima Rocha é pós-doutorando em economia política, doutor em ciência política e professor dos cursos de relações internacionais e de jornalismo .
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