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O machismo e a zona de conforto

.Por Ricardo Alexandre Corrêa.

“A revolução e a libertação das mulheres andam juntas. Nós não falamos de emancipação das mulheres como um ato de caridade ou por causa de uma onda de compaixão humana. É uma necessidade básica para o triunfo da revolução.” Thomas Sankara

Não consigo identificar nada diferente do que certo conforto dos homens com as vantagens que gozam na sociedade, isto explica o porquê da maioria preferir criticar ou ignorar os movimentos feministas em vez de somar forças junto às mulheres que lutam pela igualdade de gênero.

Nesse sentido, escrevo este texto com o objetivo de chamar a atenção desses homens que são mantenedores do sistema que coloca as mulheres nos níveis inferiores da pirâmide social; sair da zona de conforto é necessário. Como homem negro, reconheço que o machismo está arraigado em nossa cultura, e às vezes o praticamos e nem percebemos; sendo assim, minha abordagem é caracterizada somente pela observação, afinal, a propriedade radical para uma construção crítica está sob o domínio das mulheres.

Em primeiro lugar, precisamos repudiar a pertinência das opiniões que ignoram o racismo e o machismo na sociedade. Cotidianamente testemunhamos os efeitos que essas opressões têm desempenhado na estruturação das relações sociais, evidenciando as posições privilegiadas que ocupam os sujeitos brancos quando comparados aos sujeitos negros, e as vantagens oferecidas aos homens em relação às mulheres.

Casos como o assassinato da vereadora negra Marielle Franco, a prisão da modelo negra Bárbara Querino e a prisão da advogada negra Valéria Santos pode nos ajudar nessa reflexão. Sem contar os crimes de assédio sexual, estupro e feminicídio que abundam no cotidiano, demonstrando a cultura de um país que ainda não evoluiu na proteção da dignidade das mulheres, e pouco tem feito para que aconteça uma mudança estrutural. Ao procuramos a população mais vulnerável socialmente encontramos as mulheres negras e periféricas, sendo o resultado da combinação entre raça e classe.

Esta situação decorre por estarem expostas ao racismo das pessoas brancas, ao machismo dos homens brancos e homens negros, e por possuírem péssimas condições econômicas. Há uma necessidade de atentarmos a essas questões para não colocarmos as mulheres como categoria universal, afinal, dentro do grupo existe particularidades que demandam urgentes projetos políticos. Ainda assim, não significa que devamos ser cegos a opressão sofrida pelas mulheres brancas, mas outras prioridades devem entrar no escopo das estratégias. Nesse sentido, a reflexão do intelectual Benjamin Barber (1939-2017) é esclarecedora

“O sofrimento não é necessariamente uma experiência fixa e universal que possa ser medida com uma régua única: está relacionado a situações, necessidades e aspirações. Mas deve haver alguns parâmetros históricos e políticos para o uso do termo, para que possam ser estabelecidas prioridades políticas e se possa dar mais atenção a diferentes formas e graus de sofrimento”

As mulheres negras estão entregues ao sofrimento e privações nas periferias das cidades, são reféns dos trabalhos domésticos e de uma vida conjugada com as mais diversas violências. Existe, também, parcela dessas mulheres trabalhando no “chão de fábrica” das indústrias, atuando como vendedoras ambulantes, em empresas de limpeza e segurança patrimonial, entre outras atividades que contrastam com as atividades das mulheres brancas. Apesar de estas sofrerem com a exclusão, figuram em cargos de maior valor no mercado de trabalho: gerência, diretoria, supervisão etc.

E, notemos que as mulheres brancas, ao alcançarem certas posições, trazem como bagagem melhor educação institucional que resulta dos privilégios colocados pelas estruturas vigentes. O próprio espaço oportunizado às mulheres brancas é negado às mulheres negras, tudo isso por causa do modelo de beleza pautado no eurocentrismo. E isso não se encerra no âmbito profissional, mas também no afetivo.

Há inúmeros relatos apontando que os homens têm desprezado as mulheres negras, a preferência deles tem sido as mulheres brancas. A psicanalista Neusa Santos Souza (1958-2008) registra em sua pesquisa “É a autoridade da estética branca quem define o belo e sua contraparte, o feio, nesta nossa sociedade classista, onde os lugares de poder e tomada de decisões são ocupados por brancos.”

E o que os homens podem fazer para contribuir com a luta das mulheres? De início, reconhecer que essa situação não é um acidente, mas uma construção histórico-social e que tem beneficiado exclusivamente os homens; dialogar com as mulheres buscando sugestões para contribuir com as suas demandas; estudar as literaturas das escritoras que debatem os movimentos de mulheres.

Ademais, estimular discussões que tenham como centro a luta pela igualdade de gênero, repudiar todo tipo de violência e atitudes que objetificam e sexualizam as mulheres, e desconstruir pensamentos que determinam lugares específicos para mulheres e para os homens. Portanto, se for verdade que almejamos uma sociedade justa e igualitária, precisamos apreender a reflexão do revolucionário − Thomas Sankara (1949-1987) − e acomodá-la em nossa realidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HOOKS, Bell. Mulheres negras: moldando a teoria feminista. In Rev. Bras. Ciênc. Polít. 2015, n.16 pp. 193-210. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbcpol/n16/01 03-3352-rbcpol-16-00193.pdf>. Acesso em: 22 ago. 2018
SOUZA, Neusa Santos. Tornar-se negro. Rio de Janeiro: Graal, 1983.

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