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A conjuntura das eleições presidenciais de 2018, quando tudo pode acontecer

Notas de conjuntura pré-campanha eleitoral: uma visão à esquerda

.Por Bruno Lima Rocha.

Trago estas notas analisando um problema de fundo. Estamos em plena crise política, uma crise que abala as instituições da chamada “Nova república”, fruto da transição inaugurada a partir da Abertura Lenta, Gradual e Segura de tipo GGG (Geisel e Golbery, elogiada por Gaspari) e garantida pela Anistia, Ampla, Geral e Irrestrita – na sua segunda versão e através de jurisprudência obtida com o fim do AI-5.

Na sequência, o Brasil quebrou mas, simultaneamente, a classe trabalhadora aparecia na cena política através do reformismo radical, então de base e legítimo. Graças a essa luta social intensa – mesmo que discorde das opções, as quais sigo em discordância – tivemos a versão substantiva da transição do autoritarismo na metade dos anos ’80, através da Constituição de 1988. Pois bem, é esta versão de democracia liberal com traços oligárquicos e elementos, contraditoriamente, substantivos e representados até há pouco, na tentativa de controle do orçamento público que está em jogo. E estamos perdendo o jogo.

Alguém pode afirmar que a disputa entre neoliberais e social-democratas não é para a esquerda se meter. No embate político eleitoral entendo que a afirmação está correta. Na disputa pelos rumos da sociedade brasileira, é justo ao revés. Minha maior preocupação neste momento é, modestamente, fornecer capacidade analítica por esquerda tentando, ao mesmo tempo, não ficar a reboque dos apoiadores do governo deposto através de um golpe jurídico-midiático-parlamentar e, menos ainda, colocando quem atua pela esquerda da política ainda mais à margem da centralidade dos acontecimentos.

Infelizmente, circula um discurso obtuso por uma parte da esquerda brasileira – minoritária, é verdade – que confunde o momento estrutural vivido no país – o da crise político-institucional, quebra do modelo econômico do capitalismo periférico e a ascensão das carreiras jurídicas como setores protagonistas no Estado brasileiro – com a radicalidade discursiva.

Entendo, respeito e repito ser a capacidade de alinhamento fundamental para fazer política, ainda mais importante quando o sistema de crenças tem de estar acima das alocações de recursos de poder disponíveis na concorrência permitida no liberalismo. Mas, como costumo afirmar, a melhor posição é combinar serenidade, frieza analítica e fervor ideológico. Acontece, que tal combinação é difícil, bem difícil.

Antes nem farda nem toga. Agora, nem toga e nem farda.

Recentemente afirmei em programa local de TV – local, digo, transmitido para a Região Metropolitana de Porto Alegre/RS – que não me entusiasmava um ambiente político onde as pessoas sabiam de cor nomes de magistrados, ministros de tribunais superiores, delegados da PF e procuradores federais. Isso por si só já caracterizava a presença de uma – algumas – tecnocracias de carreira em franca ascensão dentro do aparelho de Estado. E, estas carreiras, pelo próprio poder da caneta e da toga, podem operar como – de fato – Poder Moderador nos atos da república. Acontece que o caldo já entornou e hoje, quem estiver fazendo política – mais dentro do que fora das urnas – necessariamente deve contar com bases e contatos no mundo jurídico.

Neste sentido, há algum paralelo com os anos ’50, quando o Estado-Maior do Exército estava dividido em Progressistas, Nacionalistas, “Democratas” e Intervencionistas. Estes últimos, gestando na Escola Superior de Guerra (ESG) dois partidos políticos, duas facções interna corporis e que viriam a disputar todo o poder do Estado para além da capacidade de governo.

Na década em que Vargas pela primeira vez eleito presidente viria a se matar para não ser deposto, as forças políticas profissionais contavam com marechais – como o Marechal Henrique Teixeira Lott e o golpe preventivo que garantiu a posse de JK eleito -, aviadores – como os golpistas João Paulo Moreira Burnier, Haroldo Veloso e sua referência política Eduardo Gomes -, e navais como o contra-almirante Cândido Aragão (progressista) ou o almirante fascista Penna Botto -, dentre centenas de outros militares.

O outro paralelo se dá na interna do desenho de Estado no Brasil. Se a Nova República acabou, e acabou mesmo, e há uma evidente e brutal regressão de direitos, logo, é de se esperar um embate dentro das elites política, caos na interna do Estado e algum tipo de conflito social organizado. Mas, este último, o mais relevante para estruturar a sociedade debaixo para cima, precisa ser organizado e ter alguma referência para além do reboquismo ou a retomada do pacto anterior do governo deposto. E isso está bem difícil, embora sempre desejado. Talvez seja esta a dimensão mais complicada que torna vitoriosa a pauta baseada na luta pela recondução do governo deposto e, ao mesmo tempo, a necessidade de articulação cada vez maior das esquerdas mais à esquerda – onde me incluo como analista e apoiador.

Cabe observar o perigo real de avanço fascista em nossa sociedade. Explico.

Não se trata “apenas” da aventura de Bolsonaro no rumo da Presidência, embora este fenômeno por si só já assuste o bastante. Mas a difusão de um punitivismo baseado no pior do conservadorismo colonial – racista, elitista, nababo, misógino, entreguista, viralata – que agarra corações e mentes, tanto na geração de concurseiros profissionais, como da classe média para cima, na pirâmide que se entende olhando de cima para baixo – mesmo quando não passamos de uns pobres coitados com diploma, rezando para o mês acabar antes da chegada do próximo boleto de contas atrasadas – e vendo a maioria com asco e distância.

Nunca é demais recordar que o famigerado general Hamilton Mourão Filho, o militar que comandou a coluna golpista que desceu a estrada Rio-Bahia no sentido do Rio de Janeiro, era, na década de ’30, membro do setor de inteligência da Ação Integralista Brasileira. Ou seja, a difusão das estupidezes de Plínio Salgado e Gustavo Barroso – este por sua vida retrógrada era um anti-cristão na Restauração Católica, espécie de versão brasileira do franquismo – penetrou, e fundo, no Estado Brasileiro, em especial no período da ditadura getulista ainda sob a Lei de Segurança Nacional e depois no Estado Novo.

Se vale a comparação, ao difundir as cloacas jorrantes da nova-velha direita na América Latina – versões atuais dos Chicago Boys e posturas demenciais a favor do proto-fascismo militar – tais manifestações de pensamento entram com vigor no aparelho de Estado, assim como sempre seguiram atuando no aparelho policial deste nosso país campeão em execuções extra-judiciais.

A manilha de esgoto já estourou, os dólares gastos pela fundação dos Irmãos Koch, a lavagem cerebral promovida pela Atlas Network e adjacências já penetrou em camadas sociais médias e a ideologia do empresariado selvagem pode vir a superar a velha panaceia oligárquica nacional.

Aconteça o que acontecer em outubro de 2018, a cancha está aberta em 2019 e tudo, absolutamente tudo, pode vir a acontecer. A esquerda mais à esquerda terá tanta chance de influenciar nos acontecimentos quanto mais força social e organização de base devidamente articulada e fazendo sentido com a maioria, estes setores puderem incidir. A campanha eleitoral formal ainda não começou, mas a luta antifascista não espera soar o gongo para entrar no ringue.

Bruno Lima Rocha é pós-doutorando em economia política, doutor e mestre em ciência política, professor de relações internacionais e de jornalismo, editor do portal Estratégia & Análise (estrategiaeanaliseblog.com)

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