Mas o Instituto de Química (IQ) da Unicamp confirmou que a fosfoetanolamina vendida como suplemento alimentar não traz um traço sequer da substância. Recentemente, um laudo do Instituto Geral de Perícias (IGP), solicitado pela Polícia Civil, também constatou a inexistência de fosfoetanolamina em cápsulas de suplemento da empresa Quality Medical Line. Ou seja, o produto é um placebo na linguagem médica. Testes já haviam comprovado a ineficácia do produto.
O dito suplemento alimentar promete melhorar a qualidade de vida, o desempenho de células de defesa do organismo e o equilíbrio das funções metabólicas do corpo, embora implicitamente explore a esperança para a cura do câncer. “Agora, o consumidor pode estar sendo vítima de fraude a partir de um mesmo produto”, diz o professor Luiz Carlos Dias, coordenador do Laboratório de Química Orgânica Sintética do IQ.
O docente foi responsável pelas análises de cápsulas do lote número 1701053, colocado à venda na internet por 99 dólares (mais de R$ 300) o frasco, adquirido e examinado a pedido do jornal Zero Hora e da RBSTV (Rede Brasil Sul), que em 3 de janeiro divulgaram reportagens que levaram a Polícia Civil a deflagrar a “Operação Placebo”.
Isolada pela primeira vez em 1936, no Canadá, a fosfoetanolamina passou a ser estudada no Brasil nos anos 90 pelo químico Gilberto Orivaldo Chierice, do Instituto de Química da USP de São Carlos. Depois de pesquisas com células cancerígenas in vitro e in vivo em pequenos animais, o pesquisador passou a promover, há alguns anos, a distribuição de cápsulas da substância a portadores de diversos tipos da doença.
Diante da repercussão da terapia e da oposição da comunidade científica, que não via indicativos conclusivos nas pesquisas realizadas pelo grupo de Chierice, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) criou, em 2015, uma equipe de trabalho para realização de estudos que atestassem a segurança e eficácia da substância. Apesar dos pareceres contrários à fosfoetanolamina emitidos pelo MCTI e por entidades ligadas à saúde, o congresso aprovou lei autorizando a venda, que foi promulgada pelo governo Dilma. Logo depois, em maio de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) revogou a lei, pondo fim à controvérsia envolvendo a chamada “pílula do câncer”.
Para confirmar a denúncia, o GDI solicitou as análises ao professor Luiz Carlos Dias devido à sua experiência anterior com a fosfoetanolamina. Os resultados, segundo o pesquisador da Unicamp, mostraram que as cápsulas do lote examinado não continham a substância: 96% do conteúdo era de excipientes usados para dar cor e consistência à mistura, comuns em medicamentos, mas desprovidos de quaisquer efeitos terapêuticos benéficos.
Os 4% restantes eram de fosfato de monoetanolamônio, derivado da reação química entre ácido fosfórico e monoetanolamina (matérias primas usadas na síntese da fosfoetanolamina) – tal substância já se revelara com efeito muito reduzido no combate ao câncer de pele, mas muito tóxica, pois ataca células sadias e doentes. “Para mim foi uma surpresa muito grande”, afirma o docente, que manifesta profunda indignação e revolta diante da comercialização de um produto comprovadamente inócuo, que não contém sequer o componente que leva as pessoas a comprá-lo.
Na opinião de Luiz Carlos Dias, o grupo de Gilberto Chierice cometeu vários equívocos em relação à chamada “pílula do câncer”. “Os trabalhos publicados não os autorizava a colocar a substância no rol das antitumorais e muito menos utilizá-la em testes pré-clínicos ou clínicos (respectivamente, em animais e seres humanos), pois a atividade se revelara muito baixa, na faixa milimolar, mesmo in vitro. Com a agravante de o câncer fragilizar seus portadores, que têm tendência a acreditar em terapias as mais diversas, particularmente se oriundas de uma instituição de pesquisa.”
Por outro lado, acrescenta o docente da Unicamp, não é papel da universidade produzir medicamentos, que devem seguir as boas práticas dos laboratórios farmacêuticos. “Mas, mais importante: para que um produto seja considerado um medicamento precisa passar por todos os protocolos que envolvem processos pré-clínicos e clínicos e aguardar aprovação por uma agência reguladora, que no caso do Brasil é a Anvisa”, comenta.(Da Unicamp; edição Carta Campinas)