O juiz defende uma espécie de liberdade artística, assim como um ator ou diretor de novela que pode interpretar o texto dramático livremente. Isso pode ser notado quando o juiz Moro discorda do inciso segundo do primeiro artigo do projeto de lei, que diz que “a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, necessariamente razoável e fundamentada, não configura, por si só, abuso de autoridade.”
Segundo o juiz, ele concordou com o trecho relatado pelo senador Roberto Requião (PMDB), mas não com a inserção específica do “necessariamente razoável e fundamentada”. Ou seja, no entender do juiz da Lava Jato, se a interpretação da lei for “irrazoável e sem qualquer fundamento”, isso não configura abuso de autoridade.
Dentro de uma análise razoável, pode-se dizer que o juiz ficaria livre para interpretar a lei sem fundamentação e razoabilidade, ou seja, ele se tornaria acima da lei. O juiz definiria na sentença o que é a própria lei e o que ela diz, não a intenção dos legisladores que criaram e aprovaram a lei. Isso parece ferir o próprio conceito de Estado de Direito e tornaria o Brasil uma espécie de ‘Estado Judicial’.
Diz moro que: “se o substitutivo apresentado pelo senador Requião agrega o condicionante ‘necessariamente razoável e fundamentada’, como afirma-se, esclareço que não fui consultado sobre essa redação específica e ela, por ser imprecisa, não atende a minha sugestão. Persiste, com ela, o risco à independência judicial”. Moro esperava que Requião tivesse reproduzido fielmente suas sugestões e de Rodrigo Janot ao projeto de lei.
“Ninguém é favorável ao abuso de autoridade, mas o juiz não pode ser punido por mera divergência na interpretação da lei, especialmente quando dela discordarem pessoas politicamente poderosas”, acrescentou o juiz. Mas precisa ser esclarecido que a punição do juiz não é tão fácil. Mesmo com o projeto aprovado integral, haverá todo um processo legal para verificar o possível abuso do juiz. Veja que a discussão é jurídica e não política.
Os procuradores da Lava Jato também saíram em defesa da rejeição do projeto contra abuso de autoridade, afirmando que é uma “verdadeira vingança” contra a operação.
Em resposta, Requião disse que os procuradores devem ficar “tranquilos”, pois a lei não punirá “abusos anteriores”, só o que for praticado daqui pra frente. (GGN/Carta Campinas)