Com curadoria de Denise Mattar, curadoria honorária de Sylvia Dias, filha do artista, e produção da Companhia das Licenças, a exposição apresenta ao público um conjunto de 125 obras de um dos mais importantes artistas brasileiros do século XX, que completaria 110 anos em 2017 e cuja trajetória é reconhecida internacionalmente, contextualizando sua história e evidenciando sua relação com poetas e intelectuais brasileiros e sua participação no circuito de arte europeu.
Além das obras, a exposição trará ainda cartas, textos e fotos de Manuel Bandeira, Gilberto Freyre, Murilo Mendes, José Lins do Rego, Mário Pedrosa, Pierre Restany, Paul Éluard, Roland Penrose, Pablo Picasso, Alexander Calder, entre outros. “Na sua longa e prolífica carreira, Cícero Dias manteve, como poucos, a fidelidade a si próprio. Sempre foi inteiramente livre, ousando fazer o que lhe dava vontade, sem medo das críticas”, afirma a curadora Denise Mattar.
A exposição traz um panorama de toda produção do artista, dividida em três grandes núcleos que delineiam seu percurso poético. São eles: Brasil, Europa e Monsieur Dias – Uma vida em Paris – cada um deles, por sua vez, dividido em novos segmentos, cuja leitura não é estanque, mas entrecruzada e simultânea.
A mostra é aberta por “Entre Sonhos e Desejos”, que traz um conjunto de 30 aquarelas produzidas entre 1925 e 1933. “Lírico, agressivo, caótico, sensual, poético e emocionante, o trabalho de Cícero Dias nesse período era muito diverso de tudo o que se produzia na época. Ele sacudiu os nossos incipientes modernistas, estonteados pela força, a estranheza e a espontaneidade da obra de Cícero”, diz a curadora.
“Memórias de Engenho” é majoritariamente composto por óleos realizados entre 1930 e 1939, quando a produção de Cícero Dias é mais narrativa e lírica, voltada para suas lembranças de infância no Engenho Jundiá. O conjunto reúne também algumas obras raras produzidas na sua adolescência e a famosa gravura aquarelada que ilustrou a primeira versão de “Casa Grande e Senzala”, de Gilberto Freyre, de quem era grande amigo.
“E o Mundo começava no Recife…” apresenta obras que fazem um contraponto às lembranças rurais, mostrando as recordações urbanas do jovem Cícero no Recife. As casas coloniais debruçadas para o mar, os sobrados e seus interiores, os jardins com casais românticos, e as alcovas – com amores mais carnais. Nesse momento, Cícero produziu obras excepcionais, entre elas Sonoridade da Gamboa do Carmo e Gamboa do Carmo no Recife.
Ainda nos anos 1930, o artista realizou alguns figurinos para importantes espetáculos, como o balé Maracatu de Chico Rei, de Francisco Mignone, em 1933; e o balé Jurupari, de Villa-Lobos, em 1934. Inéditos até hoje, os trabalhos são apresentados na exposição num pequeno conjunto intitulado Teatro.
Em 1937, incentivado por Di Cavalcanti, Cícero Dias viajou para Paris. Poucos meses após a sua chegada, ele apresentou uma exposição na Galerie Jeanne Castel, com obras trazidas do Brasil e outras já pintadas em Paris. A mostra foi um sucesso de público, de crítica e de vendas.
Integrado ao ambiente artístico da cidade, Cícero tornou-se muito amigo de Picasso e do poeta Paul Éluard, mas, em 1939, a eclosão da II Guerra veio desconstruir esse momento precioso. Em 1941 ele foi preso e enviado a Baden-Baden para uma troca de prisioneiros e acabou se tornando o responsável por levar a poesia “Liberté” de Éluard para fora da França ocupada pelos nazistas. Impressa pelos Aliados, a poesia foi jogada de avião sobre Paris, para dar ânimo à Resistência. Por essa ação, Cícero foi condecorado no final da Guerra.
“Entre a Guerra e o Amor” reúne majoritariamente reproduções de fotos, cartas, documentos, além de desenhos e aquarelas, de pequeno formato, realizadas por Dias durante a II Guerra Mundial, em condições precárias. São testemunhos das suas vivências no conflito, e também de seu amor por Raymonde, que conhecera nesse período e se tornaria sua mulher.
Quando saiu de Baden-Baden, Dias seguiu com Raymonde para Lisboa, onde sua obra passou por uma mudança radical. Seu trabalho tornou-se eufórico e selvagem, exorcizando os fantasmas da guerra ainda não terminada. Este momento de sua produção define “Lisboa – Novos Ares”. “Nessa fase, Cícero Dias parece saltar sobre nós, ele nos sacode em telas que fariam inveja aos ‘fauves’, pela audácia e pela novidade das buscas cromáticas, dos traços ousados e dos temas irreverentes, irônicos e provocativos. Títulos ambíguos completam as obras: Mamoeiro ou dançarino?, Galo ou Abacaxi? Ele simplifica o desenho, usa pinceladas brutas, cores inusitadas e estridentes, e tonalidades intensas e brilhantes. Tudo grita e desafia!”, destaca a curadora.
Ainda na capital portuguesa, Dias deu início à sua despedida da figuração, em um trabalho que ficou conhecido como fase vegetal, retratado na exposição por “A Caminho da Abstração”. Nesse momento, o artista criou múltiplas imagens superpostas a partir da vegetação, incorporando novos elementos plásticos e borrando fronteiras entre figuração e abstração.
A seguir, Dias passou a trabalhar com formas curvas e sensíveis, abrindo o caminho para a abstração, tornando-se o primeiro artista brasileiro a trabalhar com essa vertente. Sua produção deste período está reunida no segmento “Geometria Sensível”.
Em 1948, Cícero veio para o Brasil para executar uma série de pinturas murais abstratas, consideradas as primeiras da América Latina. O trabalho foi realizado na sede da Secretaria da Fazenda do Estado de Pernambuco, em Recife, e causou intensa polêmica.
Em 1945, com o final da Guerra, Cícero voltou a Paris convocado por Picasso. Lá ele abandonou as curvas e as cores suaves por um trabalho mais geométrico. “Abstração Plena” reúne um conjunto de obras dessa produção que ele fará até os anos 2000. Longe do Concretismo e da proposta de supressão da subjetividade, o abstracionismo de Dias é vibrante, quente e luminoso, mais próximo de Kandinsky. Na Europa, seu trabalho foi acolhido com entusiasmo, e ele passou a integrar o Grupo Espace e a expor na importante galeria Denise René.
Avesso a escolas e fiel a si próprio, Cícero Dias desenvolveu nos anos 1960, paralelamente à sua pesquisa geométrica, uma série chamada “Entropias”, nas quais deixava a cor escorrer, misturar-se, e esvair-se. A série é representada na exposição por um pequeno grupo de trabalhos.
“Menos do que tachismo, ou abstracionismo informal, as entropias parecem um despudorado mergulho nas possibilidades do uso da tinta; sem retas, sem linhas marcadas, sem nenhum esquema formal a cumprir – o fascínio da liberdade, do deixar-se ir”, afirma Denise Mattar.
No final dos anos 1950, Cícero Dias retornou às suas origens trazendo de volta o imaginário lírico, permeado de memórias e referências de sua terra natal. Mas o fez em outro diapasão, incorporando as suas descobertas ao longo da vida. Resgatou a delicadeza das mulheres sonhadoras e esvoaçantes dos anos 1920, manteve os traços largos e a audácia colorística dos anos “fauves”, e apoiou essas imagens na estrutura geométrica de sua abstração. Para a curadora, “essa vertente, que pintará até o final de sua vida, tem sabor mais doce, como fruta madura”.
Um conjunto de atividades na exposição possibilita ao público de todas as idades entender a variedade da obra de Cícero Dias e os elementos recorrentes que a permeiam. Uma instalação multimídia, por exemplo, permite que o visitante escolha entre imagens presentes no trabalho do artista e crie sua própria aquarela. Por meio de um quebra-cabeças o público pode também reconstituir o painel de 11 metros da obra Eu vi o mundo… ele começava no Recife. Fragmentos de seis obras de várias fases de sua carreira formam ainda um cubo-mágico que pode ser montado das mais diversas formas.
Os visitantes também podem fazer uma visita guiada pelo celular, com a ajuda de um aplicativo que pode ser baixado na Apple Store ou no Google Play, também disponível em libras. O guia conduz o público por um caminho sonoro de 30 pontos fundamentais para a compreensão da arte e da vida do artista. (Carta Campinas com informações de divulgação)
Exposição Cícero Dias – Um percurso poético
Centro Cultural Banco do Brasil | CCBB SP
Período expositivo: 21 de abril a 3 de julho
Horário de visitação: de quarta-feira a domingo, das 9h às 21h
Entrada gratuita
Agendamento realizado pelo sistema Ingresso Rápido – aplicativo disponível para Android e IOS ou site www.ingressorapido.com.br
Endereço: Rua Álvares Penteado, 112 – Centro
Próximo às estações Sé e São Bento do Metrô
Informações: (11) 3113-3651/3652
Estacionamento conveniado: Estapar
Rua Santo Amaro, 272
R$ 15,00 pelo período de 5 horas. (Necessário validar o ticket na bilheteria do CCBB.)
Traslado gratuito
Transporte gratuito até as proximidades do CCBB – embarque e desembarque na Rua Santo Amaro, 272, e na Rua da Quitanda, próximo ao CCBB. No trajeto de volta, tem parada no Metrô República.
Acesso e facilidades para pessoas com deficiência física // Ar-condicionado